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Eutanásia

"Ao fim de 20 anos começamos a sentir os efeitos da eutanásia nos médicos"

03 nov, 2021 - 07:32 • Filipe d'Avillez

Vincent Kemme critica o avanço da eutanásia em vários países do mundo, mas diz que é importante não ver os seus defensores como inimigos, permitindo assim um canal aberto para diálogo.

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Na Holanda e na Bélgica há médicos que precisam de apoio psicológico por terem eutanasiado os seus doentes.

A revelação foi feita pelo biólogo holandês Vincent Kemme, que é também conselheiro da Federação Mundial das Associações de Médicos Católicos e foi um dos oradores convidados para falar no encontro nacional da Associação de Médicos Católicos Portugueses, em outubro.

Em entrevista à Renascença, Vincent Kemme explica que os efeitos de 20 anos de liberalização da eutanásia na Holanda e na Bélgica começam agora a sentir-se tanto na sociedade como entre os profissionais de saúde.

“Estamos a chegar a uma altura em que a dor, o medo e a ansiedade estão a vir ao de cima. Há casos de médicos que ficam de cama durante dois dias, por razões psicológicas, depois de praticar uma eutanásia. Não gostam, não é para isso que são treinados, ninguém se torna médico para matar pessoas, a motivação é curar, é o oposto.”

“A dor está a vir ao de cima, mas estamos só no início do processo. Pode ser o começo de um repensar a nossa cultura e a nossa legislação, mas ainda temos muito caminho para percorrer”, diz Kemme.

Segundo o biólogo, calcula-se que, atualmente, entre 4% e 8% das mortes na Holanda e na Bélgica são provocadas medicamente, ao ponto de já ser normal conversar com um doente sobre como prefere morrer. “A nossa sociedade tornou-se completamente materialista, secular, relativista e subjetivista. Hoje em dia na Holanda ou na Flandres a morte por intervenção médica tornou-se normal. Todos os doentes na Holanda são questionados sobre como querem morrer.”

O especialista conclui que este é o resultado natural de uma cultura que perdeu a noção do divino. “Vejo as leis da eutanásia como um sintoma de uma cultura que perdeu a noção de Deus, que deixou de ter a noção de onde a vida vem e do seu valor, do que devemos fazer e do que devemos evitar. Estamos desorientados. E, por isso, aquilo que a maioria pensa é visto como sendo verdade e as pessoas pensam que se é lei, é porque é bom. Não fazem qualquer distinção entre o que é legal e o que é moral. É todo um exercício intelectual que temos de empreender com eles, explicando que há nuances e distinções que se devem fazer.”

Liberdade de consciência ameaçada

Para este cientista que dedicou grande parte da sua vida a estudar as interligações entre a ciência, a medicina e a fé, tendo fundado o instituto Biofides para divulgar esse trabalho, a grande batalha, atualmente, está em assegurar o direito à objeção de consciência que, diz, está ameaçada.

“Esta é uma batalha contínua. Com o aborto, o médico tem de referir a paciente a um colega que o faça, caso ele não queira. Tem de o fazer, sob pena de ser punido pela Ordem dos Médicos. O resultado é que os jovens que têm objeções de consciência simplesmente optam por outras especialidades, para evitar problemas. Claro que isso é muito triste, mas que mais podem fazer?”, pergunta.

No caso da eutanásia, Vincent Kemme dá o exemplo de um amigo que é oncologista e que se recusa a pôr fim à vida dos seus pacientes. “Diz aos doentes que se o querem terão de pedir a outro médico, mas na maioria das vezes ele consegue evitar a eutanásia através da conversa com o doente, dos tratamentos e da proximidade da relação. Isso é muito importante, porque muitos médicos que são pró-eutanásia nem se relacionam com o doente, porque isso torna tudo mais fácil.”

Mesmo assim, há quem insista. “Nesse caso tem de ser outro médico a fazê-lo, o meu amigo recusa-se sequer a estar presente. E então o desafio passa a ser outro, diz-me, que é não julgar o seu colega, para que possa continuar a dialogar com ele sobre estes assuntos.”

“Nós que somos católicos temos de repensar as nossas atitudes, a forma como encaramos as pessoas, para não as tratar como inimigos. Temos de distinguir entre o que fazem e quem são, entre a pessoa e as suas convicções ou os seus atos. Porque caso contrário entramos numa guerra de opiniões que não dá fruto. Isso é algo a evitar. Se continuarmos a ser simpáticos veremos que somos apreciados pelo outro lado”, explica Vincent Kemme.

Em Portugal o tema da eutanásia volta a estar em cima da mesa, com a votação de uma segunda versão da lei que foi chumbada pelo Tribunal Constitucional marcada para quinta-feira.

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