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Entrevista a D. Luiz Fernando

Bispo admite que saída de Moçambique pode estar relacionada com ameaças

11 fev, 2021 - 20:06 • Filipe d'Avillez

D. Luiz Fernando admite que recebeu ameaças mas sublinha que “jamais” pediria para sair de Pemba. Risco de vida poderá estado por detrás da decisão de o transferir para o Brasil? “Não somos ingénuos”, responde.

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O bispo D. Luiz Fernando Lisboa, que foi transferido esta quinta-feira pelo Papa Francisco de Pemba, em Moçambique, para o Brasil, de onde é natural, admite que tem recebido ameaças e que a preocupação com a sua vida pode ter estado por detrás da decisão de o fazer sair do país.

O Papa transferiu D. Luiz Fernando Lisboa de Pemba, a diocese onde decorre há três anos uma insurgência armada, para Cachoeiro de Itapemiri, no Estado do Espírito Santo, no Brasil.

A decisão causou estranheza dado o papel que D. Luiz Fernando desempenhava em Pemba, no atual contexto, e não pode ser entendida como uma repreensão uma vez que Francisco fez questão de o elevar a arcebispo a título extraordinário, apesar de a sua nova sede não ser uma arquidiocese.

Em declarações à Renascença, a partir do Brasil, onde se encontra desde dezembro de 2020, depois de ter viajado para Roma precisamente para uma audiência privada com o Santo Padre, D. Luiz confirma que os riscos para a sua vida podem ter estado por detrás da decisão de Francisco.

“Pode ser que sim. Eu reconheço a situação delicada do momento e o Santo Padre, analisando toda a situação nossa de Moçambique achou por bem transferir-me. Nós não somos ingénuos, então penso que pode ter ajudado nessa transferência”, diz.

O bispo admite ainda que tem sido alvo de ameaças durante o seu ministério em Moçambique. “As pessoas que gostam de fazer esse tipo de coisa não o fazem nunca diretamente. Indiretamente, ou tentando mostrar que a pessoa não é bem-vinda... Enfim. Essas coisas são normais acontecer. Acontece a jornalistas, acontece a militantes pelos direitos humanos e acontece também a membros da Igreja. A isso estamos acostumados, em toda a parte.”

“Eu tive alguns recados, recebi uma ou outra mensagem através de outra pessoa, conselhos de alguém que está próximo: 'Olha senhor bispo, cuidado, não é assim... O senhor devia falar assim ou falar assado...' Recebemos essas coisas, isso acontece, mas quando a pessoa tem consciência do seu trabalho e tem a certeza do que está a fazer, que está correto, não se deixa amedrontar por essas coisas.”

Nessa linha, D. Luiz Fernando é claro quando questionado sobre se a iniciativa da transferência partiu de um pedido seu. “Não! Jamais pediria para sair”, diz.

"Quem vive na mentira não gosta da verdade"

A região de Cabo Delgado, na diocese de Pemba, tem sido palco de grande instabilidade desde 2018, que piorou no último ano, levando a centenas de milhares de deslocados e milhares de mortos. Se é verdade que da parte dos terroristas islâmicos não haverá certamente qualquer estima pelo bispo, D. Luiz também nunca se coibiu de criticar as autoridades moçambicanas pela ineficácia em lidar com a crise. Poderão essas ameaças ter partido do lado do Estado? D. Luiz não o nega, mas diz que “é difícil saber”.

“Em qualquer lugar onde a Igreja atua ela procura sempre estar do lado da verdade e defender o ser humano, e isso normalmente incomoda”, diz o bispo.

“Quando a Igreja faz essa defesa, fala a verdade, procura defender os direitos das pessoas e isso sempre traz problemas para os membros da Igreja, porque quem vive na mentira não gosta da verdade, quem pratica corrupção não gosta de ser cobrado por isso. Então, essas pessoas sentem-se incomodadas. Sejam do Governo, sejam de organizações, sejam quais forem, pessoas que ocupam cargos... Isso acontece em todo o lado, e acontece também em Moçambique.”

D. Luiz afirma que existe mesmo uma tradição de perseguição a clérigos em Moçambique pela sua posição de defesa dos mais vulneráveis e que ele provavelmente não será o último. “A Conferência Episcopal de Moçambique sempre teve uma posição muito clara da defesa da população e da dignidade humana e muitos bispos, ao longo da história da Igreja de Moçambique foram acusados disto ou daquilo, alguns foram perseguidos, alguns foram até expulsos. Mas a Igreja continua. Sai um bispo, vem outro, é normal isso.”

Sucessor preparado

No futuro imediato D. Luiz será sucedido pelo bispo auxiliar de Maputo, D. António Juliasse Sandramo.

A escolha deixa-o satisfeito e descreve D. António como “destemido”.

“É uma pessoa muito preparada e eu penso que ele pode corresponder à altura. Conhece mais a realidade e a história do que eu. E é destemido. Creio que não vai ter problemas.”

“Penso que ele vai fazer um bom trabalho até que seja nomeado o bispo que vai ficar ali, o que leva sempre alguns meses, esperamos que não leve tanto tempo. Mas eu penso que ele pode dar continuidade ao trabalho e continuar a dar a assistência que a Igreja tem dado aos deslocados”, conclui D. Luiz Fernando Lisboa.

O novo bispo de Cachoeiro de Itapemiri diz que ainda quere voltar a Moçambique para poder passar a pasta a D. António e espera tomar posse da sua nova diocese, que está sem bispo desde 2018, em finais de março ou abril.

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