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Governo atuou "com ligeireza"

Ex-diretor da PJ sobre caso Galamba: não é legítimo reportar "roubo" de computador ao SIS

02 mai, 2023 - 18:45 • Pedro Mesquita

Na leitura do juiz José Santos Cabral, a atuação do Executivo não fez sentido.

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José Luís Cabral, antigo diretor nacional da PJ, sobre roubo do computador
Santos Cabral, antigo diretor nacional da PJ, sobre roubo do computador

Há ainda muitas dúvidas, relativamente ao grau de intervenção do SIS no caso do computador do ministério das Infraestruturas, mas lá que existiu...existiu. E foi o próprio ministro Galamba a assumir, no último sábado, que o assunto foi reportado ao SIS.

Só que, na leitura do juiz José Santos Cabral - antigo diretor nacional da Policia Judiciária - o assunto não deveria ter sido, sequer, reportado ao SIS. E esta é uma atitude que, segundo Santos Cabral, revela ligeireza e resultou numa atuação ilícita, com responsabilidade politica direta, ou indireta, por parte do ministro Galamba.

Aquilo que aconteceu, sublinha Santos Cabral à Renascença, não faz sentido.

Ainda que o ministério das Infraestruturas se tenha limitado a “reportar” ao SIS – como assumiu João Galamba - o furto de um computador com informação classificada...isso faz algum sentido?

Não, na minha opinião, não faz sentido.

Não faz sentido, sequer, reportar ao SIS...

Não. Cada uma destas entidades têm uma competência distinta. O SIS, portanto, tem uma atividade de produção de informação, no âmbito da República, de prevenção de atividades muito específicas. Uma de duas: ou estamos perante um crime, ou não estamos. Se estamos perante um crime, seja um furto de um computador ou roubo, o que quer que seja, quem é competente para indagar, para investigar, para apreender, é a Polícia Judiciária ou outra entidade policial como a PSP...e não o SIS. Portanto não havia que reportar o que quer que fosse.

Como é que isto pode ser interpretado?

Eu penso que isto reflete alguma ligeireza na forma de atuação. A partir do momento em que nós consideramos que este não é um ato legal, não é um ato lícito este reporte ao SISA, estamos perante uma atuação que não é lícita. E essa atuação imprime uma ideia de responsabilização. Quem deu instruções, quem reportou, quem deu ordem, o que quer que fosse ao SIS para atuar neste caso concreto, tem uma responsabilidade própria. Ou é de alguém do gabinete ou é do próprio Ministro. Como quer que seja, relativamente ao ministro, tem uma responsabilidade política direta ou indireta. Ou há uma responsabilidade direta porque deu a ordem, ou há uma responsabilidade indireta porque escolheu para o seu gabinete alguém que não tinha qualidade ou competência para avaliar as determinações que dava e as opções que tomava.

E o primeiro-ministro ao dizer que João Galamba agiu bem ao reportar às autoridades competentes este caso - e uma vez que também foi reportado ao SIS - também tem responsabilidade indireta?

Eu acho que sim. A responsabilidade política é uma coisa que está algo ausente muitas vezes no discurso dos nossos políticos. A ética na política é extremamente importante. Aliás, repare – e não querendo meter a foice em ceara alheia – aqui a questão ética começa antes...que é a questão da mentira na política.

Mas olhando para este caso concreto, alguma vez, enquanto foi diretor nacional da polícia viveu algum episódio semelhante? O governo a reportar ao SIS algum desaparecimento, algum roubo?

Não. De forma alguma, de forma alguma...

É grave, a que ponto, o envolvimento do SIS numa matéria como esta por parte de um ministério?

Bom, eu acho que isto está a suscitar duas ordens de questões...esta atuação do SIS. Até que ponto é que um serviço deste tipo pode, ou não, ser instrumentalizado ao nível do poder executivo.

E parece-lhe que houve instrumentalização?

Não sei se é ou não é. Quer dizer, suscita esta questão e, aqui, a necessidade que o Conselho de Fiscalização intervenha ativamente e faça uma auditoria para perceber em que termos é que uma ordem destas é dada. Levanta também outro tipo de questões. A classificação de documentos, e o segredo de Estado não é uma coisa que seja discricionária. Isto não é à vontade de quem quer que seja. Isto tem regras que devem ser obedecidas. A classificação de um documento pode ser feita pelo Presidente da República, pode ser feita pelo presidente da Assembleia da República e, inclusivamente, pelo próprio ministro. Mas tem que ser justificada, tem que estar muito bem demonstrada a necessidade de classificação daquele documento. Há aqui questões que ainda estão numa nebulosa.

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