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​Entrevista Renascença a Laborinho Lúcio

“Temos uma relação edipiana com o 25 de abril. Temos que matar este Édipo! Precisamos de caminho novo para a frente"

25 fev, 2022 - 19:24 • Maria João Costa

“As Sombras de uma Azinheira” é o novo romance de Álvaro Laborinho Lúcio. O escritor e ex-ministro da justiça cria uma história a propósito dos 50 anos do 25 de abril. Em entrevista à Renascença defende que a celebração é uma boa altura para o parlamento “revisitar” a Constituição portuguesa.

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Álvaro Laborinho Lúcio reconhece que o romance “As Sombras de uma Azinheira” que está a lançar é o seu “modesto contributo” para uma reflexão sobre os 50 anos do 25 de abril de 1974, mas não se cansa de sublinhar que se trata de ficção e que o livro, editado pela Quetzal, não é um ensaio político. Em entrevista à Renascença, o escritor e ex-ministro da Justiça defende que o cinquentenário seria o momento ideal para que o parlamento “abrisse o processo, que não é de revisão, mas de revisitação da Constituição” portuguesa.

Perspetivando o futuro, Laborinho Lúcio lembra que “o 25 de abril foi absolutamente essencial”, considera que “nascemos daí, mas agora é preciso matar o pai”. Acabar com este complexo de Édipo, como lhe chama, passa por dizer que o “25 de abril é de facto um lugar de peregrinação”, mas “essa peregrinação faz-se no caminho novo para a frente”.

Nas histórias de Catarina (não a Eufémia) e João Aurélio estão dois tempos da História de Portugal. O antes e o depois do 25 de abril cruzam-se numa narrativa que lança de forma “impressionista” diversas reflexões, sejam sobre o racismo, o colonialismo ou mesmo a educação. O autor que expõe em literatura as suas inquietações, alerta, nesta entrevista, para os perigos que vivemos hoje de uma “regressão em termos do exercício democrático do poder” e para os riscos de uma maioria absoluta.

Vamos celebrar em breve 50 anos do 25 de abril. A data motivou este livro "As sombras de uma Azinheira"?

O gatilho foi esse. O livro não é exclusivamente sobre isso, mas tem um grande acento tónico nisso mesmo. Fui entendendo que à medida que nos aproximávamos do cinquentenário do 25 de abril seria interessante que tomássemos iniciativas individuais nuns casos, institucionais noutros ou coletivas. Não devíamos esperar pelo dia exato em que se fazem 50 anos para nessa altura celebrar o 25 de abril. Julgo que os 50 anos nos devem chamar a atenção para que a celebração seja projetada muito mais para o futuro, fazendo com que os 50 anos fechem o 25 de abril.

"Fechar" o 25 de abril, em que sentido? Cortar com o passado?

Não significa que acabem com ele, pelo contrário. Que fechem um tempo de permanente visitação do 25 de abril, no sentido de apenas o celebrar festivamente; para abrir uma outra dimensão em que essa visitação é feita para que nele se encontre estímulo para se pensar o presente, o futuro e o passado, juntando tudo isso.

Hoje temos possibilidade de reunir as divergências e inquietações que o tempo nos vai colocando, os pontos de vista diferentes que temos em relação ao 25 de abril

Fazer um balanço?

Tenho muito a ideia de que nós hoje temos possibilidade de reunir as divergências e inquietações que o tempo nos vai colocando, os pontos de vista diferentes que temos em relação ao 25 de abril, integrar aquilo que vem do passado, não em termos de opção política, porque aí não vale a pena perdermos demasiado tempo a discutir isso, porque o 25 de abril acabou verdadeiramente com isso. Mas, chamando todos aqueles que têm histórias de vida e criamos um coletivo novo que nos permite fechar definitivamente o 25 de abril. Havendo uma harmonia entre todos nós, relativamente aquilo que dele se pode extrair e na construção dessa harmonia encontrar uma forma de estar em democracia. Não estou a pensar em convergência de pontos de vista. Quando falo de harmonia, falo de harmonia democrática. Sermos capazes de a debater e colocar em cima da mesa os temas novos que agora devem chamar a nossa atenção.

Na história deste seu novo romance “As Sombras de uma Azinheira” surgem várias vozes, mas há sobretudo uma dualidade, entre a geração que viveu antes do 25 de abril e a geração que nasce no 25 de abril. Este diálogo, ou este confronto, interessou-lhe em que medida para a escrita?

Interessa em termos de matéria literária e conteúdo da história. Diria que o livro tem um tempo histórico que tem em conta os 45 anos que antecederam o 25 de abril e 45 anos para a frente. Para protagonizar a história, e serem os narradores, há duas personagens que são centrais. O João Aurélio pai, que vem de trás e que mercê de alguns acontecimentos acaba por renunciar aquilo que o 25 de abril trouxe, porque renuncia a sua própria vida. Ele tem uma tragédia que acontece no dia 25 de abril e fica marcado por essa tragédia. Regressa à sua aldeia e é a partir dela que num monólogo vai narrando tudo o que aconteceu até ao 25 de abril.

O dia 25 de abril de 1974, é o dia em que nasce a outra personagem, a Catarina.

Essa criança é rejeitada pelos pais, seja pela força da natureza, seja pela vontade do próprio pai. Ela vai crescer vivendo com os tios, vai crescendo com dúvidas e interrogações sobre ela própria. Se quiséssemos fazer uma síntese um pouco grossa, diria que temos aqui Portugal em ambos os casos. O João Aurélio é o Portugal antes do 25 de abril, a Catarina é o Portugal pós 25 de abril

O nome Catarina não é uma escolha inocente?

De maneira nenhuma. Os pais eram militantes comunistas e tinham dois grandes objetivos na vida. Mudar o regime, pela via da revolução. Era o grande sonho deles. O outro era terem um filho. Já não eram jovens, mas mantinham o sonho. Em função da concretização desse sonho havia um propósito que eles já tinham referido à família que se a criança que viesse a nascer fosse do sexo masculino chamar-se-ia Álvaro, se fosse do sexo feminino chamar-se-ia Catarina. Percebe-se perfeitamente porquê dada a matriz ideológica. Nasceu uma filha que se chamou Catarina e esse vai ser um dos problemas da Catarina ao longo da vida. Ela vai sempre querendo criar uma identidade própria. Ela diz: "- Eu tenho muito respeito pela Catarina Eufémia, pelos valores dela e pelos acontecimentos que levaram à sua morte, mas eu sou outra pessoa! Não quero ser Catarina Eufémia". Ela desejaria mesmo ter outro nome.

Aquilo que vivemos hoje é incomparavelmente melhor do que vivíamos em abril de 1974

A Catarina personifica a nova geração da mudança, da esperança pós 25 de abril. Olhando para trás, 50 anos depois, esse sonho de mudança está concretizado?

Quando me perguntam pela mudança referindo a mudança ao tempo do 25 de abril de 1974, eu não tenho nenhuma dúvida em dizer que sim, absolutamente. Aquilo que vivemos hoje é incomparavelmente melhor do que vivíamos em abril de 1974.

Mas?

O, mas aqui, não nos introduz uma adversativa em relação ao que acabei de dizer. É um "mas" de continuidade. É assim, mas há ainda muito para fazer. Há sobretudo hoje um aspeto que é evitar aquilo que possa estar a ser alguma regressão relativamente ao que, entretanto, se conseguiu. Há muito para fazer, para se continuar a mudança que se iniciou nessa altura, mas há muita atenção a ter com alguns aspetos que podem anunciar essa regressão. Mesmo em termos democráticos, julgo - e isto é uma leitura pessoal, não tem diretamente a ver com o livro - estamos a atravessar um momento que nos deve colocar questões que são imperiosas hoje.

Que questões imperiosas são essas que hoje devemos ter em atenção?

Nós podemos estar a ter uma forte regressão em termos democráticos. Não direi em termos formais, da legitimação e da escolha política, mas em termos de exercício democrático do poder. Onde está o poder hoje? Podemos dizer na democracia, e bem, na ideia do político que nos leva ao Estado. Eu creio que ainda podemos dizer que não há democracia sem Estado. Isto não significa uma opção pelo papel do Estado maior ou menor. É uma manifestação de saúde da democracia. A questão está na importância a conceder ao Estado enquanto tal. Sem uma importância absoluta a conceder ao Estado, de forma a concentrar aí o poder essencial da decisão, nós estamos a abrir brechas significativas no plano da democracia.

Há riscos para a democracia?

Temos uma poliarquia muito grande, o poder está disseminado por muitas dimensões. Isso não é mau. Eu sou muito uma pessoa da complexidade, acho que é extremamente criativa e se formos capazes de viver na complexidade, com grande autonomia e determinação, não temos de ter medo da complexidade. A questão está em saber se nessa polarização do poder não deixamos que o mais decisivo e importante, tenha saído do Estado e tenha passado para outros domínios, nomeadamente para o poder financeiro e económico. Podemos estar realmente hoje a ser conduzidos para caminhos relativamente aos quais já não temos possibilidade de deliberação. Isso coloca vários problemas que vão desde a Inteligência Artificial, até ao exercício político e um certo desligamento dos partidos políticos dos valores e interesses que são absolutamente essenciais.

Perigoso é se nós passarmos a viver numa sociedade em que a questão dos valores deixa de ser importante

Há uma crise de valores?

Muitas pessoas dizem que hoje vivemos numa sociedade sem valores. Eu devo dizer que não sou muito sensível a esse tipo de crítica, porque muitas vezes isso é dito por pessoas que acham isso, apenas porque os valores da sociedade não são os delas. Se é assim, então vamos lutar por isso e lá estamos outra vez no combate democrático. O problema não está aí e não acho que vivamos numa sociedade sem valor.

O que é perigoso é se nós passarmos a viver numa sociedade em que a questão dos valores deixa de ser importante. Então qualquer valor, é valor, e não há empenhamento na luta para afirmação de uns para desvalorização de outros. Aí, mais uma vez é a própria democracia que perde. Vamos constituindo cada vez mais um campo alargado de cidadãos indiferentes, num quotidiano quase hedonista, em que o prazer é o de ter imediatamente, de pequenos poderes que se exercem muitas vezes até pelas redes sociais.

Convencemo-nos de que somos poderosos e não nos damos conta por exemplo que uma das coisas que ganhamos com o 25 de abril foi a liberdade. Não nos questionamos hoje porque é que a liberdade é fácil. A liberdade só é fácil quando não lhe corresponde poder. No momento em que à liberdade corresponde poder, ela passa a ser difícil. Se hoje vivemos numa situação em que a liberdade é facílima, é porque não lhe corresponde poder! E este é talvez o problema que temos que colocar sobre a mesa. É saber onde está o poder e como é que podemos agir com ele.

Quer dar um exemplo?

Falei há pouco da Inteligência Artificial, no digital, e no caminho para o qual nós vamos para as tecnologias de informação, para as biotecnologias etc. Há um problema essencial que é quem é que tem o poder? Somos nós que temos o poder sobre a Inteligência Artificial? Ótimo! Se é ela que tem o poder sobre nós, não! Isso é a desistência completa da nossa condição de pessoas e de cidadãos ativos ainda capazes de alimentar a ilusão de que podemos decidir o nosso futuro.

Vejo que muitas dessas questões que o inquietam estão também neste livro. A Catarina é uma personagem que se questiona constantemente. É alguém que leva o leitor a refletir sobre justiça social, sobre a educação. São as "sombras" que pairam nesta azinheira?

É uma boa interpretação. Mas deixe-me dizer que estamos a falar para sermos ouvidos por pessoas que não leram ainda o livro. É importante dizer que o livro é um romance, não é um ensaio político ou uma avaliação ensaística sobre o estado do país. Diria que estas questões que temos estado a referir surgem no livro de maneira impressionista. Aparecem a pontuar aqui ou ali uma longa história que é uma saga familiar.

A família de Catarina e do pai João Aurélio.

Tudo se repercute nesta família que vai desde os avós, do João Aurélio que é o pai da Catarina e que se projeta até aos 45 anos da Catarina. Depois vão alargando e abrindo em leque para chamar muitas outras personagens e aí surgem algumas que têm importância particular neste livro. Ainda na família, o pai do João Aurélio, o professor Carlos Aurélio é uma figura essencial. Depois na relação da Catarina, há os tios com quem ela vive, mas tem depois uma personagem fundamental que é a Marta que entra e sai do livro, mas que cria uma agitação permanente e que traz o questionamento sobre a nova maneira de estar. Tem um engenheiro de minas que é uma figura fundamental que é a pessoa que a Catarina vai procurar, porque ela por volta dos 30 anos precisa de encontrar alguém que tenha nascido no 25 de abril de 1974 para saber o que se passa com essa pessoa. Ele também tem uma saga familiar porque é nascido aqui, mas é filho de uma família de antigos colonos retornados de Angola.

Introduz na história aí a dimensão colonial?

Traz o problema da descolonização e do modo como ela foi aceite, até no seio daquela família onde há 3 pessoas completamente diferentes. A mulher que tem uma visão mais marcada de um certo racismo descafeinado, aquele racismo que tem uma ligação caritativa e simpática "com os pretos", como ela diz; o marido que é um colono clássico que estaria disponível para continuar em Angola e para aceitar o novo status quo, e depois um cunhado que é um homem que está claramente a favor da independência.

Depois há uma figura que é quase de mediação entre os dois tempos, que é o Honório que é o grande amigo do João Aurélio, militante comunista como ele que ainda alimenta a esperança de ter uma relação com a Catarina e torna-se também um grande amigo dela, e outras figuras que aparecem ao longo do livro e que constituem a história.

Não é um ensaio, repito, não é um livro sobre política

Depois há questões tratadas antes e depois do 25 de abril. A educação é um caso, porque o pai do João Aurélio era professor e vê-se qual era o seu sonho enquanto professor e as limitações que tinha, a Catarina ela própria é professora universitária de filosofia e que continua a ter algumas amarguras quanto por exemplo, à ausência de debate que ela encontra até no seio dos próprios colegas da universidade. Ela própria tem um modelo de intervenção, mas a escola tem aqui um papel decisivo na história. Depois surgem outras questões como as que têm que ver com a ideologia e com o pensamento.

Temos aqui, um manancial com alguma capacidade de interessar o leitor. Não é um ensaio, repito, não é um livro sobre política. É um livro que acaba por trazer uma história ao encontro dos 50 anos do 25 de abril e através dessa história gera propostas que devem ser repercutidas na intenção do autor na celebração desse cinquentenário. Eu gostaria que os leitores se deixassem envolver pela história, que lessem o livro como se lê qualquer romance.

Este livro é o seu contributo de cidadania para a reflexão em torno dos 50 anos do 25 de abril?

Não queria dizer assim, por uma razão simples. Estamos a falar numa obra literária e não me atribuo valor bastante para dizer que eu produzo uma obra literária como contributo para o 25 de abril. Se se considerar que é um contributo modesto, então talvez sim. Foi com essa intenção que o escrevi, de o projetar para os 50 anos do 25 de abril e de o publicar antes. Haverá coisas mais importantes que se publicarão nessa altura. Eu faço-o à distância, porque entendo que é a altura de começarmos a fazê-lo. Este livro foi todo escrito durante a pandemia e não tem nada a ver com a pandemia. Há mesmo um epílogo que fala de um vírus, mas ver-se-á que este vírus não terá nada a ver com este, mas com outro perigoso que pode acontecer.

Como foi esse laboratório de escrita? O livro ajudou-o a ultrapassar o tempo de confinamento da pandemia?

Ajudou muito porque a turbulência deste tempo tinha confinamentos e isolamentos. Eu não tenho muito jeito para estar quieto, e envolvo-me nas mais diversas coisas e depois empenho-me em todas elas, e aqui com os confinamentos tive muito mais tempo para poder escrever tranquilamente. Eu não tenho uma organização para a escrita. Há muitos escritores conceituadíssimos que escrevem, por exemplo, da parte da manhã. Eu não faço assim. Normalmente escrevo pela apetência de escrever. Penso muito antes de escrever, não desenvolvo o livro à medida que vou escrevendo. Normalmente projeto no livro aquilo que vou pensando, e há momentos em que digo: - É agora, tem de ser! e então tenho períodos longos em que vou escrevendo e vou projetando aquilo que já pensei. A pandemia ajudou-me muito. Nos longos períodos de confinamento estava sempre disponível para quando tivesse esse apetite, ter condições para escrever. Foi mais fácil por isso, a escrita deste livro do que dos outros.

Há pouco falava da questão da avaliação da democracia. Hoje Portugal tem um Governo de maioria absoluta. Que perigos existem?

Eu não gostava de diabolizar as maiorias absolutas, desde logo porque elas existem porque os eleitores quiseram que elas existissem. Temos duas perspetivas. Por um lado, temos os que defendem que a maioria absoluta é ela própria uma expressão de democracia, é um bem em si mesma, e não é mais do que a expressão da vontade popular. Nenhum problema. Noutra perspetiva, estou a pensar no pensamento de [Luigi] Ferrajoli, que diz que hoje os dois pontos de maior gravidade para as democracias modernas são o absolutismo dos mercados, e o absolutismo das maiorias absolutas. É importante perceber que quando fala do absolutismo das maiorias absolutas, ele não está em si, a pôr em causas as maiorias absolutas. Está é a pôr em causa o modo como elas são exercidas.

Celebrar 50 anos do 25 de abril, diria que é quase uma necessidade de uma revisitação absoluta de todo aquele que foi o nosso caminho até aqui

Como se podem evitar os abusos de poder?

O absolutismo das maiorias absolutas é perigoso, mas como nos situamos na posição daqueles que entendem que as maiorias absolutas são a expressão da vontade popular, aqueles que têm nas mãos o poder de exercer a maioria absoluta devem fazê-lo do lado do respeito da vontade popular que radica dos valores da democracia, e não pelo lado da facilidade que pode conduzir ao absolutismo das próprias maiorias absolutas. Não creio que devamos olhar a maioria absoluta como um problema, mas devemos olhar com atenção para evitar o absolutismo dela e dar-lhe o máximo de condições para o exercício da democracia, portanto, no diálogo, no respeito pelas minorias, no respeito pela oposição. Uma oposição em minoria absoluta acaba por ter sobre si o peso extraordinariamente exigente de ser capaz de se opor ao absolutismo da maioria absoluta que tem o poder. Hoje vivemos felizmente num mundo aberto, a comunicação social tem um papel decisivo, há um conjunto de instrumentos que permitem que se possa viver recolhendo da maioria absoluta as vantagens que ela tem e o respeito por quem as escolheu, e evitar os desvios que seriam nefastos e que temos esperança que não aconteçam. Aí os 50 anos do 25 de abril podem ter um papel decisivo.

Que discussão deve surgir a propósito do cinquentenário do 25 de abril no seu entender?

Eu gostaria muito que houvesse iniciativas que fossem ao fundo do que estamos a discutir. Celebrar 50 anos do 25 de abril, diria que é quase uma necessidade de uma revisitação absoluta de todo aquele que foi o nosso caminho até aqui. Eu gostaria muito que agora, porque estamos no momento exato para isso, que o parlamento abrisse o processo que não é de revisão, mas de revisitação da Constituição e que depois se veria se conduziria ou não a alguma revisão. Seria interessante que todos, unanimemente aceitassem isso. - Nós somos a Assembleia, que se tudo correr normalmente estará em funções nos 50 anos do 25 de abril, então, vamos promover um longo debate, nós parlamento, convidando universidades, instituição, grupos de cidadãos e nós próprios, vamos fazer uma revisitação da Constituição, sem medos!

Sem medos de que depois venham uns que queiram atuar aqui, outros que queiram atuar acolá, que queiram desconfigurar a Constituição. Nós não podemos ter medo da democracia como forma de ela poder ser um instrumento que nega a própria democracia. Fazer isto com superioridade de pensamento, elegância de pensamento, com debate de grandes convicções, mas perfeitamente respeitador das convicções contrárias, e chegarmos ao fim, e uma das hipóteses é dizer esta constituição valeu até agora como está, e é assim que ela vai continuar, porque depois de a revisitarmos compreendemos que é esta. Então ela renasceria também. Ou não se pode abrir uma vírgula na Constituição, porque isso é um perigo, porque depois pode haver a intenção de atuar aqui ou acolá, então não fazemos nada disso.

Estamos todos à espera que tudo isto acabe por secar, porque nós fomos apenas fazendo celebrações, em vez de termos dado vida e seiva aquilo que é fundamental que é olhar os problemas, ver como devemos enfrentá-los e o que fazemos para o futuro.

Temos aqui uma relação edipiana com o 25 de abril. Temos que matar este Édipo! Temos que matar o pai, no sentido de dizer: - Isto é fundamental, o 25 de abril foi absolutamente essencial, nós nascemos daí, mas agora é preciso matar o pai neste sentido que precisamos de dizer, o 25 de abril é de facto um lugar de peregrinação, e essa peregrinação faz-se no caminho novo que vamos abrindo para a frente.

A peregrinação é sempre um regresso a um sítio. É isso que temos que fazer, mas não ficarmos nesta ideia de que uma vez por ano fazemos uma festarola, celebramos o 25 de abril e depois vamos continuando como se ele no fundo não nos impregnasse no interior de cada um de nós. Acho que esse é um desafio interessante. Por isso, este livro, espero eu, é um livro que tanto pode ser lido com prazer por pessoas da minha geração, anteriores ao 25 de abril, como pelos jovens de hoje que talvez encontrem na Catarina uma expressão das suas inquietações ou então, uma questão mais séria. É um estímulo a levá-los a perceber que há inquietações que eles deveriam ter e não têm. Se não têm, então é preciso perguntarem-se porquê.

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