Tempo
|
A+ / A-

ENTREVISTA A BACELAR GOUVEIA

Tribunal Constitucional. Prolongamento do mandato de Caupers levanta problema "ético"

06 mar, 2023 - 08:30 • Pedro Mesquita , Pedro Valente Lima

Juízes devem "dar o exemplo de respeito da Constituição" e abandonar o cargo no final do mandato, sublinha Bacelar Gouveia. Embora não aponte o dedo ao juiz, o constitucionalista admite que a possibilidade de obtenção de pensão vitalícia possa motivar este tipo de situações. À Renascença, Caupers diz que permanecerá em funções "até chegar um substituto".

A+ / A-

O constitucionalista Bacelar Gouveia vê "com grande preocupação" o prolongamento de funções de João Caupers como presidente do Tribunal Constitucional.

De acordo com a Constituição, o juiz desembargador, nomeado a 6 de março de 2014 para este tribunal, deveria cessar funções esta segunda-feira, nove anos depois. No entanto, perante a falta de um substituto, João Caupers estenderá o seu mandato até nova nomeação - algo que a lei portuguesa não impede.

Em entrevista à Renascença, Bacelar Gouveia realça que "o mais importante tribunal do país deve dar o exemplo do ponto de vista de respeito pela Constituição". "A Constituição estabelece um mandato. Terminado esse período de nove anos, os juízes devem cessar as suas funções."

O constitucionalista reconhece que a legislação atual permite o prolongamento de funções até à substituição do juiz, mas sublinha que a renúncia ao cargo no final do mandato trata-se de uma "questão ética".

"Penso que se imporia que, imediatamente, fizessem cessar as suas funções. E, antecipadamente, terem tomado atenção aos procedimentos necessários para que se fizesse a sua substituição."

À Renascença, o próprio presidente do Tribunal Constitucional, João Pedro Caupers, diz que, "nos termos da lei", permanecerá em funções "até ser substituído". "Saio no dia em que o meu substituto chegar", acrescenta, sem tecer mais comentários sobre o assunto.

Caupers está a um ano de atingir pensão vitalícia

O regime de previdência e aposentação dos juízes do Tribunal Constitucional (TC) determina que podem requerer a aposentação desde que preencham os requisitos: 12 anos de serviço, independentemente da idade, ou 40 anos de idade e 10 anos de serviço.

Por outras palavras, cumprindo um dos critérios supramencionados, um juiz do TC obtém acesso a uma pensão de reforma vitalícia. Será o caso de Pedro Caupers?

"Eu não sei o que é que está na intenção das pessoas e não quero julgar", responde Bacelar Gouveia. "Quem lê a lei do Tribunal Constitucional, como eu ou qualquer pessoa que sabe ler português, está lá, preto no branco, que os juízes que ficarem até aos dez anos [de serviço], tendo mais de 40 anos de idade, ficam com direito a não fazer mais nada na vida."

Para o jurista, esta aposentação, "como de fosse no limite de idade", é "uma coisa iníqua, injusta". Relembra ainda ter sido das poucas pensões que escaparam à "limpeza" - "que foi boa" - das subvenções vitalícias de titulares de cargos políticos durante o Governo de José Sócrates.

Bacelar Gouveia não sabe explicar por que razão a pensão dos juízes ficou de fora, mas a reforma no tempo de mandato veio facilitar o acesso à aposentação.

"No primeiro mandato, que era de seis anos, um juiz dificilmente chegava aos dez anos [de serviço]. Tinha de fazer dois mandatos. Mas, agora, com nove [anos de mandato], basta que exista um ligeiro atraso na sua substituição para chegar aos dez anos."

"Na Constituição diz que são nove anos. Não são dez, nem 11"

O constitucionalista recorda que essa situação já aconteceu com o vice-presidente do Tribunal Constitucional, Pedro Manchete, no ano passado. "Não é uma coisa que possa honrar e dar credibilidade a uma instituição que é o órgão máximo de defesa da Constituição."

"Na Constituição diz que são nove anos [de mandato]. Não são dez, nem 11."

Neste sentido, Bacelar Gouveia diz ter dirigido uma carta-petição à Assembleia da República "há cerca de três semanas", "chamando a atenção para a gravidade do problema", que "põe em causa o princípio republicano", e para a necessidade de reformar a legislação atual.

"Até ofereci de graça uma alteração à lei orgânica do Tribunal Constitucional. Basta alterar 2 normas."

Apesar do "alerta" ter sido recente, "o problema já existia antes", realça o jurista. Neste momento, Bacelar gouveia diz que a bola está do lado dos partidos, que acusa de falta de vontade política.

"Ou não acham isto importante, ou estão à espera de algum benefício de uma decisão do Tribunal Constitucional, uma vez que não querem insistir numa alteração legislativa que é necessária, e higiénica, para evitar a eternização dos cargos dos juízes."

Deverá João Caupers renunciar ao mandato? Bacelar Gouveia diz que o presidente do TC "fará aquilo que entender". "Mas, se eu estivesse no lugar dele, faria isso no dia seguinte."

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+