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Entrevista Renascença

JP Simões: “Há grandes movimentos de retorno de valores tradicionalistas, ultrapassados, mofentos e pouco humanistas”

19 abr, 2024 - 08:30 • Maria João Costa

Tal como há 50 anos, ainda faz sentido cantar a liberdade, diz JP Simões. O músico tem novo disco: em oito temas, presta homenagem a José Mário Branco. Os concertos começam a 24 de abril e passam por Lisboa, Leiria, Viseu, Espinho e Porto.

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É o seu primeiro disco como intérprete. JP Simões assina um álbum inteiro de homenagem a José Mário Branco. São oito temas escolhidos com “intuição”, porque “antes pouco e bom, do que muito e menos bom”.

Simões vai passar o mês de abril em palco. Tem concertos marcados para Lisboa, no Tivoli BBVA, em Leiria, nas Festas do Povo, e em Viseu. Mais para o final do mês, junta-se à Orquestra de Jazz de Espinho para três concertos no Coliseu do Porto AGEAS e no auditório de Espinho.

Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, questionado sobre as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, JP Simões considera que Portugal atravessa “grandes movimentos de retorno de valores tradicionalistas, ultrapassados, para não dizer mofentos, e pouco humanistas”. A ascensão da extrema-direita é, na sua opinião, resultado da vontade de alguns em “voltar para trás” para “se esconder num mundo que já não existe”.

Podemos dizer que este era um disco há muito aguardado? Era inevitável que gravasse um álbum dedicado a José Mário Branco? Como surgiu a ideia?

Isto já não vem de agora, é uma história com alguns anos. Eu sempre gostei muito da música do José Mário Branco, tanto que no meu primeiro disco a solo acabei por incluir “Inquietação” e tive a sorte do próprio José Mário vir ter comigo e dizer-me que gostou, portanto, valeu! Nem que fosse só por isso.

Entretanto, nos últimos anos, antes da pandemia de 2019, tive uns convites para fazer uns concertos em abril, dedicados aos nossos cantautores mais icónicos e, às duas por três reparei que grande parte dos temas que escolhi, eram do José Mário Branco e nos anos seguintes, chegando a abril, tinha sempre algum alguns concertos e fui conhecendo mais a obra do José Mário Branco e fomos tocando cada vez mais temas dele ao vivo.

Nos últimos concertos já eram exclusivamente uma homenagem, por assim dizer. É, entretanto, o Hugo Ferreira, que é o meu editor da Omnichord, há uns anos quando foi diretor da Rádio Universidade de Coimbra convidou o José Mário para o aniversário da rádio e ele acabou por aceitar o convite, foi com a guitarra e fez um belíssimo concerto de guitarra e voz, com muita intervenção pelo meio, naturalmente.

O Hugo ficou com essa gravação, meio entalada porque ela não tinha condições para ser editada, mas como ele gostava e lembrava-lhe que era importante trazer a música de José Mário Branco para agora, para as pessoas que não conheceram, pelo valor intrínseco da música e da poesia dele, mas também pelo sentido de conveniência de as pessoas se lembrarem que a liberdade foi uma coisa difícil de conquistar

Daí nasceu o convite ao JP Simões?

Falou comigo, perguntou se estaria interessado em fazer uma gravação para disco daquele concerto ao vivo. E como eu já tinha trabalhado muito à volta da música do José Mário Branco, já tinha muita coisa feita, nomeadamente o Nuno Ferreira, com quem eu trabalho neste projeto há muito tempo já tinha feito as transcrições todas dos arranjos para trio, quarteto e para quinteto, pensei que podíamos fazer um disco de raiz.

E como escolheu o reportório? Já há muitas músicas que tinha cantado...

Pelo menos metade do disco eram os temas que achava que soavam bem, e onde a voz e os arranjos faziam muito sentido, portanto, foi uma escolha mais de intuição.

Depois, outra metade do disco foram coisas que fui pesquisando, mas o critério, acima de tudo, era que todas as músicas fossem bem-apresentadas e, acima de tudo, que fosse plausível, que pudesse emprestar a minha voz com mais com mais clareza.

Qualquer tema que soasse forçado, ficaria de fora. Havia mais temas, naturalmente, tanto que ficamos pelos oito temas, porque antes pouco e bom, do que muito e menos bom!

Não é por acaso que o disco sai na altura dos 50 anos do 25 de Abril?

Bem, eu sou um bocado distraído, cabeça no ar, e este projeto já está a andar por aí há um ano e tal, poderia até ter saído mais cedo, mas fomos fazendo as coisas com calma, dependendo da disponibilidade dos músicos, dos técnicos, dos estúdios, portanto a coisa foi-se arrastando.

De facto, calhou mesmo coincidir com estas comemorações. Aliás, não foi só isto que coincidiu com estas comemorações! Estas eleições também coincidiram com os 50 anos de democracia e foram surpreendentes, ou talvez não! Mas seja como for, fico muito feliz também com a coincidência de ter este disco exatamente nesta circunstância das comemorações. Para mim é muito importante.

Eu gosto imenso de cantar este concerto. E gosto imenso do trabalho que foi feito, e, como disse, foi um trabalho já com alguns anos e, portanto, para mim é uma belíssima coincidência poder agora aproveitar este tempo aberto e esta disponibilidade que as pessoas possam ter para pensar um bocado na conquista da liberdade e nos 50 anos do 25 de Abril e poder levar esta voz do José Mário, e isso deixa-me feliz.

Como olha para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril?

Creio que uma das coisas fundamentais é que, agora, já não vivemos numa espécie de aldeia nacional, como antes do 25 de Abril e durante algum tempo depois.

Neste preciso momento, acho que há grandes movimentos de retorno de alguns valores tradicionalistas e ultrapassados, para não dizer mofentos, e pouco humanistas.

Acho que isso tem a ver com o facto de vivermos agora, muito globalmente. Nós estamos assolados de problemas, e com muita informação constantemente a chover sobre nós, todos os dias, com guerras e fomes e problemas ecológicos, na vertigem do fim da humanidade. É muita coisa junta!

Creio que mesmo numa Europa Ocidental, com algum grau de similitude, estas tendências para os novos movimentos de direita começarem a ter alguma expressão, acho que tem a ver com o facto de as pessoas estarem assustadas com este desconhecido todo, que é este mundo global e esta tensão diária.

As pessoas tendem a esconder-se, querem voltar para trás, querem-se esconder num mundo que já não existe e acho que isso explica um pouco também o que tem vindo a acontecer.

Que lugar tem hoje a música de intervenção ou os cantores de intervenção? Ainda fazem sentido?

Eu acho que as duas coisas têm são válidas. Estas canções, por exemplo, eu tenho cantado e que estão no disco, acho que têm um valor intrinsecamente poético. E também têm a sua circunstância e têm implícita uma luta por valores que é uma coisa que sempre atravessou a obra do José Mário.

Acho que faz todo o sentido estar a trazê-la constantemente à baila, porque muito do que ele fala são questões que ultrapassam as circunstâncias. Tem a ver com uma luta diária da conquista de direitos e de respeito mútuo e respeito pelo amor e pelas coisas mais frágeis deste mundo que às vezes são de novo arrastadas no meio das confusões, das conveniências e dos esquemas.

Por outro lado, toda a gente que faça música, em geral, como o Sérgio Godinho disse uma vez, "qualquer canção de amor, é uma canção de intervenção"!

Este disco tem edição digital e uma edição limitada em vinil e cd. Irá ter também concertos?

Sim, o disco vai ser tocado na íntegra. E depois com uma série de outros temas, também do José Mário Branco, embora vamos também passar por um tema do Zeca Afonso e do Fausto, mas em geral vai ser, quase 95 por cento repertório de José Mário Branco.

E estou satisfeito porque gosto imenso de chegar ao palco e desaparecer dentro destas canções, e sentir o arrepio e intensidade que elas devolvem, quando são acordadas por outra voz qualquer.

Sente que o seu público já lhe pedia há muito este disco?

Eu não sei o que é o meu público! Tenho coisas tão díspares. O meu trabalho é tão diferente entre si! Os meus últimos discos têm sido em inglês de um projeto chamado Bloom e, de algum modo, muita gente pede-me, porque é que não cantas em português?

Quer dizer, eu passei a minha vida a cantar em português! Mas senti que muita gente que tinha essa preferência ficou satisfeita quando saiu este disco, independentemente de ser uma coisa escrita por mim e não. Aliás este é o meu primeiro disco como intérprete, mas acho que há lugar para tudo! E, sim há uma parte do meu público que ficou muito satisfeita com este disco, felizmente!

Agora vamos começar a tournée, com o concerto dia 24 de abril, no Tivoli, e queria convidar todas as pessoas de bem, como se costuma dizer, e todas as pessoas mais ou menos, onde me incluo, para aparecerem!

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