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Novas regras

Teletrabalho obrigatório não dá direito a pagamento de despesas

31 dez, 2021 - 12:31 • Marina Pimentel

Especialistas em Direito do Trabalho antecipam aumento de conflitos entre as empresas e os trabalhadores.

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As novas regras do teletrabalho entram em vigor a partir de sábado, 1 de janeiro e, entre as novidades, estão o pagamento do acréscimo de despesas ao trabalhador em regime remoto, com energia e telecomunicações, e o dever de abstenção de contacto pela entidade patronal, fora do horário de trabalho. Mas não ficou previsto o direito ao subsídio de refeição.

O presidente da República, apesar de ter promulgado o novo regime do teletrabalho, alertou para as dificuldades da sua aplicação. E é essa também a preocupação dos advogados da área laboral ouvidos pela Renascença.

Pedro da Quitéria Faria não tem dúvidas de que “vão aumentar muito os conflitos” entre as empresas e os trabalhadores.” O que eu antevejo é que, pelo facto de haver pouca densificação por exemplo da norma sobre o direito a desligar, e à semelhança do que antecipou Marcelo Rebelo de Sousa, esta promove, sem mais, uma conflitualidade laboral que era absolutamente escusada”, diz o advogado especializado em Direito do Trabalho.

Também Ângela Afonso acha que as alterações feitas aos Código de Trabalho, em matéria de trabalho remoto, vão criar mais problemas do que aqueles que resolvem. “Estas alterações ao Código do Trabalho são inúteis e perversas para todos”, defende.” E começam por ser perversas desde logo pelos potenciais conflitos que podem gerar entre a entidade empregadora e o trabalhador.” A advogada afirma que “a nova legislação vai gerar dificuldades interpretativas e também problemas de ordem prática por mais boa vontade que empresas e trabalhadores tenham. E isso é péssimo”.

O Código de Trabalho já previa que o trabalhador apenas tem de estar disponível dentro do seu horário de trabalho. As novas regras vêm consagrar o direito a desligar, mas numa formulação que no entender do advogado Pedro da Quitéria Faria, não deixa margem ao empregador. “Estaremos apenas e só a tratar de circunstâncias verdadeiramente excecionais e inesperadas como por exemplo um incêndio, um acidente ou um terramoto.” Só nesse quadro de excecionalidade é que o empregador poderá contactar o trabalhador, sempre que este esteja foram do seu horário de trabalho.

O direito a desligar, previsto a partir do dia 1 de janeiro no Código de Trabalho, abrange todos os trabalhadores, não só os que estão em teletrabalho. Mas também os presenciais. E por maioria de razão também os que, por causa da pandemia, estão em regime de trabalho remoto obrigatório.

Estes trabalhadores, obrigados por determinação do Governo, a exercerem funções remotamente, não beneficiam no entanto do direito ao pagamento das despesas adicionais com energia e telecomunicações previsto pelas novas regras.

A advogada Ângela Afonso explica que o novo regime neste ponto não se aplica ao teletrabalho obrigatório que está em vigor. Mas se se aplicasse, era indiferente. Porque o que aconteceria era “uma impossibilidade prática “em ser ressarcido pela entidade empregadora, por causa da dificuldade em comprovar as despesas.”

Mesmo que a estes trabalhadores que estão em teletrabalho obrigatório fosse aplicado o novo regime que vai constar a partir de dia 1 de janeiro do Código de Trabalho”, argumente, “nem assim, com grande probabilidade, eles conseguiriam obter o pagamento de qualquer acréscimo de despesas. O regime é muito exigente sobre o comprovativo do acréscimo. Diz-se que só se considera acréscimo; só há despesa adicional, que é a único que o empregador é obrigado a pagar, quando há um acréscimo relativamente às despesas do período homólogo do ano anterior. Ora, no ano passado, o que aconteceu é que muitas pessoas estavam já em teletrabalho. E além disso, estamos a falar de 15 dias, e é muito difícil alguém conseguir fazer a prova de um aumento das suas despesas com energia e telecomunicações por um período tão curto”.

Ângela Afonso alerta para outras falhas e contradições do novo regime como o facto de prever o teletrabalho parcial, mas não o regular ou ainda as empresas terem de passar a fundamentar, por escrito, a oposição aos pedidos de teletrabalho, mas depois podem opor-se só porque sim. Outra incongruência do novo regime do teletrabalho é o facto de os acordos poderem ser celebrados com uma duração indeterminada, podendo, no entanto, ser denunciados, a todo o momento, por qualquer uma das partes.

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