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Violência (doméstica) emocional. Como identificar sinais de uma relação tóxica

10 dez, 2020 - 20:26 • Ana Carrilho

Os abusos que ninguém vê e só a vítima sente, é um dos problemas abordado pela psicóloga clínica Cláudia Morais no seu novo livro, “O problema não sou eu, ÉS TU”, que analisa a problemática das relações tóxicas, a forma de as identificar, eliminar e como cada um se pode defender.

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As notícias falam, frequentemente, de maus tratos físicos a mulheres (e cada vez mais, também homens), crianças, idosos. Lamentam-se mortes, anunciadas por queixas ou denúncias anteriores que não tiveram o devido acompanhamento. Ou que se mostram inesperadas devido aos comportamentos de união, paz e amor manifestados em público.

Ninguém sabe o que se passa atrás da porta de uma casa de família, onde há quem sofra chantagem psicológica, por vezes uma vida inteira.

Vítimas de violência emocional por parte de abusadores, que têm como único objetivo controlar a sua vida. É de tudo isso que a psicóloga clínica Cláudia Morais fala no seu livro “O problema não sou eu, ÉS TU”, em que alerta para comportamentos tóxicos numa relação, a forma de os identificar, como os eliminar e como cada um se pode defender.

É tudo uma questão de controlo

“A violência emocional é muito mais difícil de identificar, mas falamos invariavelmente de comportamentos de um dos elementos do casal que visam controlar, subjugar, diminuir o outro membro. Normalmente não surgem da noite para o dia; vão aparecendo à medida que a pessoa que pratica os abusos interioriza que os pode adotar; quando toma consciência que já não precisa de usar qualquer máscara.”

É assim que a psicóloga clínica e terapeuta de casal, Cláudia Morais, explica a violência que, na grande maioria das vezes, não deixa “nódoas negras” no corpo das vítimas, mas as vai fragilizando a cada dia que passa, se não conseguirem reagir e lutar contra o abusador: homem ou mulher e sem distinção de grau académico ou classe social.

Em entrevista à Renascença, a especialista e autora do livro “O problema não sou eu, ÉS TU” frisa que o abusador tem plena consciência do afeto que a outra pessoa (vítima) sente por ele; na prática manipula esse afeto para impor a sua vontade. Seja no modo como se veste, na relação que tem com a família e os amigos ou na sua atividade profissional.

Os períodos de “ameaça” são, normalmente, intervalados com outros do tipo “lua de mel”, o que leva a própria vítima a questionar-se sobre a razoabilidade das suas queixas. “Será que ele/ela tem razão? Será que estou a exagerar?”

A reação da vítima pode originar no abusador aquilo a que Cláudia Morais chama “birras” e que podem ir de comportamentos mais explosivos às ameaças implícitas, do género: “se continuas assim, vou-te deixar”; tentativas de diminuição do outro, chantagem emocional ou o tratamento do silêncio.

Por exemplo, manifestar contrariedade em relação ao parceiro estar com outras pessoas, revela uma profunda insegurança do abusador, diz a psicóloga. “Porque quanto mais ligações o outro membro do casal tiver, menor é a sensação de controle do abusador. Quer que esteja o mais isolada possível e de preferência, que não seja profissional e economicamente emancipada.

Sinais de alerta: sente-se em paz?

Para Cláudia Morais, os principais sinais de alerta de uma relação abusiva estão na própria vítima e, por isso, é preciso que dê atenção à forma como os comportamentos a fazem sentir.

“Numa relação saudável, a maior parte do tempo, sentimo-nos em paz; não é o que acontece numa relação abusiva. As vítimas de abuso emocional sentem-se inseguras, muito inquietas, é como se estivessem sempre a pisar ovos porque vivem com medo de desagradar, de alguma forma, à pessoa que têm ao seu lado. O não estar tranquilo a maior parte do tempo é motivo para alarme”, adverte.

Depois, há os sinais que dizem respeito ao abusador. E a psicóloga clínica dá alguns exemplos: o colocar-se em situação de superioridade, dizendo “tu não vales nada”; a chantagem emocional com “se gostasses mesmo de mim não fazias (isto ou aquilo), se valorizasses a nossa relação, fazias (isto ou aquilo). O objetivo é fazer com que a vítima se sinta culpada e obrigada a fazer determinadas escolhas mesmo contra a sua vontade, diz Cláudia Morais.

Outra tendência dos abusadores é desvalorizar as competências profissionais do outro membro do casal. “Numa relação saudável temos pessoas que, sem estar permanentemente a bajular, reconhecem o valor do outro e ficam felizes com as suas conquistas. Pelo contrário, numa relação abusiva, isso não acontece e pode até escalar até ao ponto de haver uma sabotagem do trabalho, nem sempre explícita”.

Teste: Sou vítima de abuso emocional?

No livro “O problema não sou eu, ÉS TU”, Cláudia Morais apresenta um questionário com 34 afirmações sobre os comportamentos do outro membro do casal, a que cada um pode responder “sim” ou não”.

“Castiga-me quando nos zangamos deixando de me dirigir a palavra? Acusa-me de ser demasiado sensível? Desvaloriza as minhas conquistas? Fica contente quando algo me corre mal? Humilha-me na presença de outras pessoas? Insulta a minha família? Ameaça fazer-me mal ou às pessoas de quem gosto? Vasculha as minhas coisas, invade o meu e-mail ou mensagens de telemóvel? Controla-me o dinheiro? Questiona a minha sanidade mental?”

São apenas algumas das questões colocadas num quadro, com um alerta no fim: “se respondeu afirmativamente a pelo menos uma das questões, é provável que esteja a ser alvo de alguma forma de abuso emocional.

O que fazer? Falar, mas não com amigos comuns

No livro, a psicóloga clínica dá vários conselhos às pessoas que estão a viver uma relação abusiva, tendo em conta as dificuldades inerentes, nomeadamente a existência de filhos ou a dependência económica.

E recomenda que a vítima fale com alguém sobre a situação a que é sujeita, mas que não conheça o outro membro do casal. “Porque, na maior parte dos casos, quem pratica os abusos o faz de uma forma muito camuflada, não o faz em públicos. Perante os outros, por vezes, até faz questão de apresentar um casal modelo”.

Ou seja, quando a vítima fala do assunto com amigos ou familiares, o mais provável é que tenha como resposta algo do género “não ligues, ele/ela se calhar estava num dia mau; no fundo, isso só mostra como gosta de ti”. Comentários que acabam por deixar a vítima ainda mais confusa.

Por isso, Cláudia Morais aconselha a que a conversa seja feita com alguém “de fora”, preferencialmente um profissional de saúde com experiência nesta área e que possa valorizar os acontecimentos ou alertar para outros a que a pessoa possa não ter dado atenção.

Isolamento é “alimento” para os abusadores

A pandemia também tem feito “estragos” ao nível da violência emocional. Especialmente durante o período de confinamento, em que as pessoas foram obrigadas a ficar mais tempo juntas, os abusadores conseguiram exercer um maior controle sobre as vítimas.

Apesar de considerar que ainda é cedo para avaliar o real impacto relativamente à violência emocional, Cláudia Morais lembra que “o isolamento é sempre favorável à escalada destas situações porque as ligações afetivas estão mais distantes e as vítimas mais aprisionadas, portanto, mais expostas aos abusos”.

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