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Entrevista a Aurimas Švedas

Um ano de Ucrânia. E agora? "Devemos estar preparados para uma guerra longa e sangrenta"

23 fev, 2023 - 19:22 • André Rodrigues

Historiador e docente da Universidade de Vilnius, na Lituânia, considera que, um ano depois do início da guerra, já é bem conhecido o caminho que Vladimir Putin pretende percorrer até ao desmantelamento da Ucrânia independente. Mas acredita que os ucranianos estão dispostos a sacrificar-se pela sua independência. E que a Europa estará à altura de contrariar totalitarismos. Em nome da memória dos horrores da II Guerra Mundial.

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Um ano de Ucrânia. E agora? "Devemos estar preparados para uma guerra longa e sangrenta"
Entrevista: André Rodrigues/RR

Há um ano, a guerra na Ucrânia trouxe de volta a incerteza à Europa, mais habituada a tempos de paz do que aos conflitos armados.

O último grande conflito de que há memória no espaço europeu foi o que conduziu ao desmantelamento da antiga Jugoslávia e à redefinição de fronteiras nos Balcãs Ocidentais.

“Sempre que se fala em guerra na Europa, estamos a falar de uma realidade distante e inaceitável para a esmagadora maioria dos europeus”, reconhece Aurimas Švedas, historiador e docente de História Política da Universidade de Vilnius, na Lituânia.

Há um ano, com a eclosão da guerra na Ucrânia, este professor lituano antecipava um conflito alargado em toda a Europa Central e de Leste, sendo a Ucrânia apenas o ponto de partida para um grande plano de dominação regional perpetrado por Vladimir Putin.

Um ano depois, a Renascença repete a pergunta: como será o ano seguinte, após 365 dias completos de guerra na Ucrânia?

Aurimas Švedas ainda olha o tempo que há de vir com desconfiança, embora “mais otimista agora”. Pelo menos, no imediato: “Há um ano, cheguei a acreditar que Putin estava pronto para levar a guerra a toda a Europa Central e de Leste. É óbvio que o chamado guarda-chuva da NATO e da União Europeia está a funcionar. Vladimir Putin reconhece isso”.

Quanto à Ucrânia, Švedas diz não ter ilusões: “é óbvio que a Rússia está preparada para uma confrontação prolongada com a Ucrânia. E, quando falamos de confrontação prolongada, todas as opções estão em cima da mesa”.

Para este historiador, é hoje mais claro o caminho que a Europa tem pela frente: “sabemos hoje muito bem qual é o grande objetivo de Vladimir Putin. Ele quer acabar com a existência de uma Ucrânia independente e isso é muito mais do que aquela ideia inicial de libertar o Donbass”.

Por isso, um ano depois do dia em que Putin anunciou o regresso da guerra à Europa, Aurimas Švedas reconhece que ainda estamos longe da paz: “Devemos estar preparados para uma guerra longa e sangrenta na Ucrânia”.

E a Europa Central e de Leste podem suspirar de alívio? Para este professor e investigador de História Política da Universidade de Vilnius, a resposta está umas linhas atrás: “todas as opções estão em cima da mesa”, porque na guerra não é possível prever o que acontecerá no minuto seguinte.

O custo da liberdade

A única certeza, nesta altura, é a de que o conflito iniciado há um ano terá, ainda, muitos capítulos.

Há aspetos contribuem decisivamente para essa tese: por um lado, diz Aurimas Švedas, “a confirmação de que, desde o primeiro dia, a Rússia não estava assim tão bem preparada para tomar a Ucrânia em poucos dias ou semanas” e o facto de Putin não abdicar dos seus objetivos militares: “a guerra vai durar enquanto ele estiver no poder”, antecipa.

Por outro lado, “a ajuda militar vinda do Ocidente está a dar resultados e permite às forças ucranianas alcançar um ponto de equilíbrio no terreno”.

Aliás, segundo este historiador lituano a determinação europeia no apoio a Kiev tem sido crucial, porque “a Europa lembra-se muito bem dos horrores da II Guerra Mundial, por isso está a tentar encontrar a melhor solução numa situação realmente problemática. É por isso que estou otimista, quando falamos da unidade das sociedades europeias e das elites políticas no apoio à Ucrânia. Para Vladimir Putin, essa unidade foi surpreendente”.

Pode a Europa ser vencida pelo cansaço e pelo prolongamento do conflito?

Aurimas Švedas declara-se “muito otimista” em relação à sintonia de posições entre os 27 estados-membros da União Europeia e lembra que “a Europa tem valores que está disposta a defender, mesmo que isso implique sacrifícios para a nossa qualidade de vida”.

E Zelensky será vencido pelo cansaço e pela destruição infligida pela artilharia russa?

“Mais do que ninguém, são os próprios ucranianos os primeiros a estarem dispostos a pagar um preço elevado pela sua independência”, responde este professor de História Política, para quem “a esmagadora maioria da sociedade ucraniana apoia o seu Presidente e quer derrotar as tropas russas no terreno de batalha”.

“Suponhamos que Zelensky quer iniciar negociações com o Kremlin. Ele não pode fazer isso, porque não há necessidade ou razão para dialogar. Por isso é que Zelensky e Putin só falam no mesmo objetivo. Eles estão prontos para resolver todos os problemas no campo de batalha”, conclui.

Depois de Putin? “O futuro dos russos será muito triste”

Depois do discurso de Vladimir Putin, na passada terça-feira, resta a Aurimas Švedas a certeza de que o líder da Federação Russa “está pronto para prolongar a guerra”.

Dois dias depois, no comício que assinalou o Dia dos Defensores da Pátria, perto de 200 mil pessoas encheram o Estádio Luzhniki para escutar um breve discurso em que Putin elogiou o esforço e o sacrifício dos militares russos em missão na Ucrânia.

A exaltação nacional convive, lado a lado, com a contestação, quase sempre silenciada, de opositores e, também, das mães dos soldados russos mortos em combate, cujo número difere em função das fontes.

Quando Putin chegar ao fim do seu mandato, qual das duas vai prevalecer? Exaltação ou contestação?

Švedas não tem dúvidas de que “toda a exaltação ali é fabricada” e que a contestação interna “é muito grande, só não é conhecida no exterior”.

O problema, diz, “está no ADN dos povos e, no caso da Rússia, a herança é de despotismo. A sociedade russa não tem qualquer experiência em viver democraticamente”.

“Tenho de admitir que, depois de Putin, o futuro da sociedade russa continuará a ser muito triste”, lamenta.
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