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​Silva Peneda. “Crise do Brexit vai mesmo acabar em novo referendo”

13 mar, 2019 - 20:37 • José Bastos

“O Reino Unido continua sem uma ideia clara do que fazer”, defende o conselheiro de Jean-Claude Juncker. Peneda diz que a crise colocou Michel Barnier, o principal negociador da EU para o Brexit, como melhor colocado para a presidência da Comissão Europeia.

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Entrevista a Silva Peneda - “Crise do Brexit vai mesmo acabar em novo referendo”
Silva Peneda entrevistado por José Bastos

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A primeira-ministra britânica, “Theresa May, está numa posição muito difícil, apesar de estar a ser muito corajosa”, sustenta o antigo eurodeputado José Albino Silva Peneda.

“Admito que a solução [para o impasse no Brexit] seja eleições antecipadas ou novo referendo. Jeremy Corbyn já disse que aceita novo referendo, há muitas vozes que defendem o referendo e acredito ser essa a solução final”, defende em entrevista à Renascença o antigo presidente do Conselho Económico e Social que depois de terminar o mandato no CES cumpriu uma etapa em Bruxelas como conselheiro especial de Jean-Claude Juncker.

Michel Barnier disse que o risco de hard Brexit nunca foi tão elevado como agora. Antes, Jean-Claude Juncker havia dito que, se o parlamento britânico rejeitasse o acordo com a União Europeia, não haveria terceira oportunidade. O que pode acontecer agora?

O primeiro ponto que eu quero sublinhar é que está tudo ainda em aberto passado dois anos do início do processo. Tudo indica que Westminster vote contra uma saída sem acordo e amanhã [quinta-feira] faça um pedido de extensão do Artigo 50. Daqui vão surgir vários problemas. Não vejo como a União Europeia possa prolongar o adiamento por muito tempo. Admito que o adiamento do Brexit possa ser prolongado se o Reino Unido anunciar a realização de eleições antecipadas ou então apontar para um novo referendo.

Mas insisto: o importante é sublinhar que, dois anos depois, o Reino Unido não sabe como resolver o tema, o que demonstra a irresponsabilidade na forma como o processo foi conduzido.

Lembro que aos microfones da Renascença, logo que o processo se iniciou tive a oportunidade de alertar para o risco de acabar muito mal. Os paladinos do Brexit defendiam a saída por exemplo, com o argumento da vantagem financeira e neste momento o prejuízo já vai em 8 mil milhões de euros. O Reino Unido está numa posição muito complicada neste momento e sinceramente não vejo uma solução imediata.

Mas importa dizer que Michel Barnier fez um trabalho notável. Já viu que a negociação do Brexit é dos poucos dossiers em que vemos a União Europeia unida? Já reparou que há 27 Estados-membros todos unidos com uma posição comum. Este quadro é raro. Mais: levando em conta o papel de Barnier na negociação com Londres e antecipando o que vai, previsivelmente, acontecer nas próximas eleições europeias - não admitindo uma força política europeia maioritária a poder designar diretamente o presidente da Comissão - na minha opinião Michel Barnier é hoje o melhor candidato à presidência da Comissão Europeia.

"Dois anos depois, o Reino Unido não sabe como resolver o tema, o que demonstra a irresponsabilidade na forma como o processo foi conduzido."

Barnier é favorito para a Comissão Europeia mesmo que essa negociação não tenha ainda o carimbo de sucesso?

Vai ser difícil ter sucesso, porque o problema está do lado britânico. Como a União Europeia já fez o trabalho de casa e, com Barnier ao leme, fez esse trabalho muito bem feito o ónus está do lado britânico

Mas poderá haver um recuo de Barnier se, por exemplo, os britânicos sugerirem ainda um caminho alternativo sobre a união aduaneira?

Não vejo que seja fácil, porque a união aduaneira só poderá ser negociada depois de consumada a saída do Reino Unido. E temos ainda o problema da fronteira com a Irlanda que é fatal para o Reino Unido. Deviam ter pensado nisso antes. As duas Irlandas não querem claramente uma fronteira física a separar. De resto, foi graças à entrada na União Europeia da República da Irlanda e ao acordo de Sexta-feira Santa que a paz foi estabelecida na região e se encontrou uma solução para o conflito.

A reposição das fonteiras implica o risco de reavivar de tensões. Talvez uma solução passe pela Irlanda do Norte sair do Reino Unido o que seria de uma enorme complexidade para ser aceite por Londres. Uma fronteira existe ou não. Não pode haver meias-tintas nisto. Não é possível que o Reino Unido queira, ao mesmo tempo, estar fora da União Europeia, sem a jurisdição e as regras das entidades europeias, e para as duas Irlandas ter regras diferentes.

Esta questão do ‘backstop’ é o nó górdio do acordo ou mascara uma crise mais profunda no sistema político britânico? Um governo nunca sobreviveu a derrotas desta dimensão no parlamento, Theresa May está condenada a novas eleições?

Pode haver novas eleições ou pode haver um novo referendo. Há tempos quando se falava de um novo referendo todos diziam ser impossível e eu sempre disse que iria acabar num novo referendo. A cada hora que passa mais tenho essa convicção: vai acabar num novo referendo. Não tenho dúvidas de que a maioria da população britânica hoje preferia manter-se na União Europeia. Theresa May já anunciou voto livre e eu recordo que Edward Heath quando era primeiro-ministro conservador tomou idêntica decisão para o voto à adesão do Reino Unido à CEE.

Repete-se hoje o mesmo sinal político, mas May está numa posição muito difícil, apesar de estar a ser muito corajosa. May tem tentado conduzir o processo até aos limites, mas está sem saída. Admito que a solução seja eleições antecipadas ou novo referendo. Jeremy Corbyn já disse que aceita novo referendo, há muitas vozes que defendem o referendo e acredito ser essa a solução final. De outra forma agudiza-se a crise política no Reino Unido. O governo de May está muito fragilizado.

Mas sem que o referendo esteja ainda no horizonte, uma possível rejeição da saída sem acordo vai pressionar para o adiar da saída, o retardar do adeus?

O parlamento britânico não tem neste momento uma visão clara do que quer fazer. Quer adiar... Mas a União Europeia não está disposta a adiar eternamente. Bruxelas quer saber: adiar para quê? Com que objetivos? Julgo que o Reino Unido está numa fase em que tem muita dificuldade em impor o que quer que seja. O Reino Unido não tem uma ideia clara do que fazer. Quer a extensão do artigo 50, mas tem que dizer à União Europeia durante quanto tempo quer a extensão e para quê? O Reino Unido tem que dizer o que quer. A União Europeia não está disposta a adiar eternamente. A não ser que o Reino Unido indique a necessidade de novo referendo ou eleições antecipadas. Aí a União Europeia, estou certo, terá alguma condescendência e alargará o período previsto.

Há pouco elogiou Barnier e até o colocou como favorito ao lugar de Juncker, mas não reconhece alguma inflexibilidade de Bruxelas nas negociações. A UE não está a fazer do Reino Unido um exemplo para todos e transformar a união numa gaiola dourada de onde não se pode sair?

O Reino Unido não avaliou toda a extensão das consequências do referendo. Um referendo que nasce da teimosia de um político (David Cameron) que para permanecer à frente do seu partido conduz o país para esta situação. Nunca houve uma situação de fundo que justificasse o referendo. Quem criou o problema foi o Reino Unido. A Europa limitou-se a dentro do quadro jurídico existente e que estava acordado a estabelecer uma série de condições aceites por todos. Daí o mérito que eu atribuo a Michel Barnier de conseguir um quadro de consenso em que os 27 estão todos unidos.

Então um dos efeitos positivos deste processo na União Europeia é este fator de união?

Teve esse efeito neste caso. Tenho pena que em outros casos as coisas sejam mais complexas e as vontades estejam mais divididas. O problema do Reino Unido é certamente complexo, mas a União Europeia não enfrenta outros desafios menores. O grande problema é saber como é que a União Europeia se vai relacionar com os Estados Unidos, China e Rússia como ‘player’ à escala global. Num tempo em que Merkel está de saída e a tensão entre o governo francês e italiano é máxima.

Preocupa-o eventuais efeitos de um ‘hard’ Brexit em Portugal? O Norte está mais exposto - mais de metade das exportações de bens são de empresas com sede no Norte.

Terá efeitos e não serão mínimos. Não apenas em Portugal, mas também toda a Europa. Ainda assim os efeitos mais nefastos serão no Reino Unido. A região Norte de Portugal é a que mais exporta e não enfrentará uma situação dramática, mas não são de excluir alguns efeitos negativos. Mas julgo que a questão do não-acordo vai ser definitivamente arrumada. O Reino Unido não vai querer uma saída sem acordo.

E do que vai sabendo dos planos do governo português para o Brexit...

Não conheço os planos em profundidade, mas não estou a ver Portugal a ser fortemente afetado. Não antecipo um cataclismo. Seguramente Portugal será afetado, mas espero de forma marginal, mas não vou adiantar mais comentários por não conhecer em detalhe essas medidas.

Então está confiante em que, como sempre na história (até aqui) da União Europeia, seja encontrada uma saída satisfatória? Até porque temos eleições europeias à porta, as pulsões dos nacionalismos - em muitos casos com um 'disfarce regionalista' - com aplicar aqui a sua visão global?

Em contexto algum a saída do Reino Unido pode ser considerada positiva para a Europa. É a primeira vez que há um país a querer sair. Até aqui todos queriam entrar. Insisto em que a razão substantiva e de fundo para a saída não tem a ver com o quadro de relação existente entre o Reino Unido e Bruxelas, mas sim de ordem doméstica. Foram relações tensas em alguns dossiers com o Reino Unido a ter uma visão muito própria, mas não ao ponto de rutura.

Mas, se a saída tiver mesmo lugar, Portugal tem de pensar muito bem e juntar-se a outros países da orla atlântica, porque dimensão atlantista vai entrar em perda e a União Europeia tenderá a virar para leste. Num plano estratégico Portugal terá de pensar muito bem como se relacionar com a Holanda, Dinamarca, Suécia no sentido de manter a frente atlântica muito mais ativa e as relações com o outro lado do Atlântico com Estados Unidos e Brasil, entre outros. Portanto se o Reino Unido sair a política externa portuguesa tem de passar pelo reforço com os seus parceiros atlânticos de sempre.

E há mais um aspeto que tenho de referir no plano da organização interna do estado português que tem a ver com a regionalização. Sei ter sido criado na Assembleia da República um grupo de trabalho para avaliar a questão e que encomendou uma série de estudos. Eu fiquei perplexo com essa encomenda de uma série de estudos, porque sobre regionalização já está tudo estudado. Há pouco a CCDRN organizou um evento para assinalar os 50 anos das comissões de coordenação e o professor Luís Valente de Oliveira assinou uma excelente intervenção sobre a história de todo o processo. Está tudo estudado. Até há uma lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República.

Pergunto: para quê mais estudos? O que é necessário é uma decisão. E a decisão é política. Mais estudos para discutir o quê? Está tudo escrito. Houve um Livro Branco sobre a Regionalização em 1980 com Sá Carneiro - fui eu o autor da publicação - mas depois não faltam estudos e publicações sobre a matéria. Sinceramente não entendo a lógica de fazer mais estudos. O que é preciso é decidir. A decisão tem a ver com aqueles que pretendem ver concretizadas reformas de fundo no sistema político português e aqueles que são conservadores. Os conservadores são centralistas.

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