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Reportagem

Os passos tímidos da língua portuguesa no Canadá

07 jul, 2017 - 20:15 • Ana Carrilho , em Toronto, Canadá

Em Toronto, o português é pouco falado, mesmo entre luso-descendentes. Escolas católicas dão uma ajuda.

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Ana Carrilho - Escola Canadá

A comunidade de portugueses e luso-descendentes no Canadá ronda as 550 mil pessoas, mas só 7.200 crianças e jovens estudam português no Canadá. Uma aparente desproporção?

A questão surgiu naturalmente na conversa da Renascença com Ana Paula Ribeiro, delegada do Instituto Camões e coordenadora do Ensino de Língua Portuguesa no Canadá.

À porta do Colégio de São Francisco de Assis, em Toronto, capital da província de Ontário, no Canadá, argumenta que aquele número de estudantes de português não é mau.

“Temos que ter em conta que estamos a falar, maioritariamente, de uma terceira geração de emigrantes, em que quase todos já nasceram no Canadá. Além disso, mesmo nas famílias portuguesas ou de luso-descendentes, o português já é uma língua pouco usada. E com o passar dos anos, multiplicam-se os casamentos mistos, o que ainda dificulta mais o uso da língua”, explica.

Destes alunos, cerca de 3.800 estão em escolas da província de Ontário, e sobretudo em Toronto, onde há uma forte concentração da comunidade portuguesa.

A ajuda católica

Num país onde se cruzam dezenas de nacionalidades, o governo federal canadiano financia o ensino de diversas línguas internacionais, entre as quais o português. Do pré-escolar ao fim do secundário, os alunos têm todos os dias meia hora de aulas na língua internacional obrigatória.

A que tem mais peso no Distrito Escolar de Toronto é o italiano, mas logo a seguir surge o português. Normalmente, a língua internacional obrigatória é a da comunidade dominante que rodeia a escola. E todos os que a frequentam têm essa disciplina, sejam ou não da nacionalidade.

Em Toronto, são as escolas católicas que asseguram as aulas de língua portuguesa a quase todos os alunos (3.300 em 3.800).

A Direcção Escolar Católica financia o ensino, incluindo o pagamento dos professores. É esperado que os países de origem também contribuam para uma espécie de fundo, mas de Portugal só no ano passado é que o dinheiro chegou: 25 mil euros (cerca de 37 mil dólares canadianos).

Apesar de alguns lamentos que se vão ouvindo, Ana Paula Ribeiro garante que nunca houve tanto apoio do Instituto Camões, nomeadamente com a oferta de manuais escolares, que chegam à maior parte das crianças, e a formação de professores.

A delegada do Instituto Camões no Canadá admite que o tempo de aulas é pouco, mas agradece ao governo canadiano, “que as garante gratuitamente. As crianças aprendem o básico, mas não saem fluentes”.

Por isso, há famílias que investem na aprendizagem suplementar para os seus filhos, assegurada pelos centros comunitários, aos sábados de manhã – paga pelos pais e com os fundos recolhidos pelas colectividades nos inúmeros eventos que organizam.

Bê-á-bá de português

“Bom dia, professora Chaves”, saúdam em coro os meninos do pré-escolar do Colégio de S. Francisco de Assis. É assim que começam todas as aulas. Depois dos dois hinos (do Canadá e de Portugal) e de uma oração, chega a hora de contar.

Vontade de continuar nos números não faltava aos meninos de quatro a seis anos, mas logo a professora lhes propõe outro desafio: os dias da semana. Meses, estações do ano, objectos, flores, sol, lua ou o arco-íris são palavras em português que fazem parte do vocabulário dos mais pequenos. As cantigas infantis e populares ajudam à aprendizagem.

O que não quer dizer que a aula seja toda em português. Maria José Chaves, advogada de formação mas que se rendeu à docência há dez anos, explica que às vezes tem que dizer tudo em inglês, primeiro, para que os alunos percebam. Um dos seus objectivos, além do ensino da língua, é transmitir a história, a cultura e gastronomia portuguesas.

Por altura do 10 de Junho, muito celebrado na comunidade portuguesa de Toronto, os alunos fizeram uma bandeira gigante que ficou exposta na entrada da escola, rodeada de manjericos para festejar os santos populares. E com grande entusiasmo, confeccionaram pastéis de nata, caldo verde e pão com chouriço.

Esta é uma iguaria muito apreciada por Dan, jovem de 13 anos de origem asiática. Confessa que gostava de conhecer Portugal quando for mais velho e souber dizer mais alguma coisa. Por enquanto, fica-se pelo “bom dia” e pelo “obrigada”. Fazer frases é mais difícil.

Dificuldades que Briana, de 12 anos, não tem. Frequenta o Colégio há sete e em casa fala em português com os pais e avós – “com os amigos é que não”. Diz que é bom aprender, sobretudo para quando vem de férias.

Ruben chegou há um ano. Sem rodeios, explica que a mãe veio com o padrasto para o Canadá “à procura de vida melhor” e, assim que pôde, voltou ao Porto para levar o filho de 11 anos. Ruben tem saudades e confessa que foi difícil adaptar-se à língua, aos estudos e aos novos amigos. “Já falo bem inglês, mas às vezes baralho as duas línguas”, conta.

Samanta corresponde ao retrato–tipo da família luso-descendente: os pais são portugueses, ela nasceu em Toronto. E, apesar de aprender a língua, não a usa nas conversas com amigos ou em casa. “Só quando queremos falar em segredo, eu e os meus pais, para a minha irmã não perceber. Ela sabe umas coisas mas não percebe.”


A Renascença viajou a convite da TAP e do Turismo de Toronto

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