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"​Há quem tenha vergonha de trabalhar num call center. Esta greve também é um grito"

30 dez, 2021 - 20:23 • Ana Carrilho

Call centers em greve a 31 de dezembro e 1 de janeiro. Além do aumento dos salários, que para a maioria dos trabalhadores, pouco ultrapassa a remuneração mínima, o sindicato exige o reconhecimento das funções como profissão, contratação coletiva e a redução da precariedade, que afeta cerca de 70% dos mais de 110 mil trabalhadores.

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“Os call centers existem há mais de 30 anos, mas não há operadores de call center. Em cada empresa há uma categoria, os trabalhadores podem ser assistentes para o relacionamento com o cliente ou assistentes administrativos, mas não são operadores de call center”, explica Danilo Moreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Call Centers (STCC), em declarações à Renascença.

Por isso, uma das principais reivindicações do STCC continua a ser o reconhecimento das funções como profissão, devidamente inscrita na Classificação Portuguesa das Profissões.

Há cerca de três anos foi discutida no Parlamento uma petição nesse sentido, houve promessa de um estudo, mas até hoje não houve qualquer resposta legislativa. E por isso, a greve de quatro dias (24, 25, 31 de dezembro e 1 de janeiro) também pretende chamar a atenção para esta lacuna e para a importância das funções que estes trabalhadores desempenham e que se “revelaram ainda mais essenciais durante a pandemia”.

Danilo Moreira refere, também, o que considera ser uma contradição: há cada vez mais serviços para o Estado adjudicados a empresas de trabalho temporário, nomeadamente no SNS 24, Segurança Social e Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

A greve pretende obter resposta às reivindicações, mas também “chamar a atenção das pessoas para funções que têm sido estigmatizadas”, diz o sindicalista.

“A maior parte das pessoas, quando ouve falar em call centers, associa de imediato à venda de produtos e serviços ou à realização de questionários. Mas 70-80% dos trabalhadores acabam por estar em linhas de apoio, por exemplo, da banca, seguros, empresas de telecomunicações, energia, na Saúde, Segurança Social ou Instituto de Emprego. E em tempos de pandemia estas funções ainda se revelaram mais importantes para a população poder ficar em casa, confinada e ainda assim, conseguir resolver os seus assuntos.”

No entanto, diz Danilo Moreira, “continua a ser uma função muito estigmatizada e ainda há muitos trabalhadores que até têm vergonha de dizer que trabalham num call center. Por isso, esta greve também é um grito de alerta para que deixemos de ser estigmatizados e tenhamos melhores condições de trabalho e salariais”.

Precários e mal pagos

Antes da pandemia, o setor tinha cerca de 110 mil trabalhadores, mas o presidente do STCC acredita que o número cresceu nos últimos dois anos. “A maior parte (cerca de 70%) presta serviços através das empresas de trabalho temporário e não são efetivos nem nas empresas/organismos para quem trabalham nem na de trabalho temporário”.

Os vínculos são diversos: contratos a termo incerto ou certo; alguns destes renovados de dois em dois meses ou mensalmente. Por vezes, as empresas de trabalho temporário que fornecem serviços à empresa utilizadora, mudam. “E há casos em que são usadas técnicas de assédio em que, se a pessoa quiser continuar a trabalhar no mesmo sítio, tem de rescindir contrato e no mesmo momento, assinar com outra empresa. Há pessoas que estão há mais de 10 anos a trabalhar numa empresa e nem são trabalhadores efetivos dessa empresa nem da de trabalho temporário”, frisa Danilo Moreira. “Queremos acabar com a precariedade e o falso trabalho temporário”, afirma.

Além disso, os vencimentos são baixos; em geral, pouco ultrapassam o salário mínimo, seja para quem entra nas funções agora ou já as desempenha há vários anos. Por isso, o STCC também reivindica um aumento geral dos salários.

O sindicalista Danilo Moreira até acredita que a média salarial do setor seja de 800 euros, como refere a Associação Portuguesa de Contact Centers. No entanto, explica que essa média se prende com o facto de haver muitas pessoas em Portugal a trabalhar para o mercado estrangeiro.

“Lá fora os salários são superiores e as empresas recrutam pessoas fluentes noutras línguas ou recrutam pessoas estrangeiras para vir para cá. Mesmo ganhando menos do que nos seus países, ganham mais do que os colegas portugueses, o que faz com que a média salarial suba.”

Quanto à adesão à greve, o presidente do Sindicato admite que é difícil apurar porque as pessoas estão dispersas por mais de 420 centros de atendimento em todo o país. Mas garante que estiveram menos pessoas nos serviços na véspera e dia de Natal. É o que espera que aconteça agora, na segunda fase do protesto, que decorre no último dia de 2021 e no primeiro de 2022.

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