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Entrevista a Cristina Fonseca: ​“O nosso mercado é demasiado pequeno, é uma grande vantagem” para as startups

03 dez, 2020 - 15:01 • Filipe d'Avillez

Empresária e investidora portuguesa fundou um dos três “unicórnios” em Portugal. Agora está do lado do investimento e diz que a mentalidade em Portugal tem mudado para melhor neste campo.

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Web Summit. "Temos imenso talento tecnológico", diz fundadora da Talkdesk
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Cristina Fonseca fundou a TalkDesk com um colega da universidade, em 2011. Não podiam ter imaginado, na altura, que a empresa teria o sucesso que teve, chegando a ser um dos únicos três “unicórnios” portugueses, isto é, startups que conseguem alcançar o valor de mil milhões de dólares.

Com três empresas startups destas, Portugal está na linha da frente do mundo tecnológico. Entre países da mesma dimensão, apenas Israel e Bélgica têm valores comparáveis. Razão para perguntar o que é que Portugal está a fazer bem. Em entrevista à Renascença para a Web Summit, Cristina Fonseca aponta dois fatores, o talento e o tamanho do mercado interno.

“Em relação a Portugal e ao setor da tecnologia, diria que temos imenso talento, que é o que é preciso e é um dos elementos fundamentais para criar empresas de tecnologia de sucesso”, começa por explicar Cristina Fonseca, que é um dos rostos da Indico Capital Partners, empresa que atua no setor do capital de risco e empreendedor.

“Mas outro fator importante é o tamanho do nosso mercado, porque o nosso mercado é demasiado pequeno e, por isso, quando um empreendedor começa uma empresa pensa global a partir do primeiro dia. Para uma empresa se tornar um marco, a nível global, precisa de apontar ao mundo e é isso que os empreendedores em Portugal estão a fazer. Começa-se em Portugal, mas a solução é pensada para o mundo e isso é sem dúvida uma das razões que contribui para o sucesso.”

A TalkDesk foi fundada como projeto universitário, para tentar ganhar um computador num concurso internacional. O sucesso que viria a atingir nem passava pela cabeça dos seus criadores. Mas o crescimento não foi imediato. Os jovens começaram por ir para os Estados Unidos para participar num programa de aceleração de startups e encontraram uma mentalidade que na altura não existia em Portugal. Uma década depois, isso já mudou, garante Cristina Fonseca.


“Há dez anos, em Portugal, ninguém percebia o que era um empreendedor e hoje isso mudou muito. A Web Summit contribuiu muito para isso. Mas, hoje em dia, esta ideia de que criar uma empresa, angariar dinheiro e conseguir dinheiro à cabeça para investir em crescimento e aproveitar estas grandes oportunidades, já faz parte da mentalidade portuguesa, o que é importante. Porque eu acredito mesmo que nos próximos anos as grandes oportunidades serão na Europa”, assegura.

A empresária explica que “algumas destas empresas de sucesso foram criadas nos EUA, ou estão lá baseadas, mas foram criadas por fundadores europeus e a maioria desses fundadores estão a regressar à Europa e a fixarem-se cá. Agora sabem como é que o jogo funciona, sabem o que é preciso, têm as redes de conhecimentos e sabem como angariar investimento. Estão a voltar para a Europa, alguns empurrados pela pandemia, mas outros porque estão a repensar o que é importante para as suas vidas e querem estar mais perto das famílias, por isso acho que vamos ter grandes oportunidades na Europa”.

“Só uma em cada 20 empresas nas quais invisto vão dar retorno”

Depois de uma década do lado das startups e das empresas, Cristina Fonseca trocou de camisola e dedicou-se ao investimento. Fê-lo mais cedo do que tinha pensado, mas não se arrepende.

“Tem sido muito divertido. Não pensava tornar-me investidora tão cedo na minha carreira, pensava que ainda tinha muitos anos pela frente e que, talvez, devesse criar outra empresa, mas depois percebi o muito que há para fazer em Portugal. Nós criámos o primeiro fundo profissional e independente em Portugal. Para os empreendedores, ter acesso a capital portuguesa pode fazer a diferença entre suceder ou não nos próximos dez anos em termos de criar empresas mais bem-sucedidas. Ao mesmo tempo, enquanto empreendedora eu gosto de passar tempo com fundadores que são inteligentes, ambiciosos e que acreditam ter encontrado soluções de ponta para grandes problemas”, explica.


Enquanto otimista, a investidora diz que este período de crise tem os seus desafios, mas deve ser aproveitado por quem tem boas ideias. Ao mesmo tempo avisa que os investidores não ficam satisfeitos com pouco.

“Eu passo muito tempo a explicar a quem nos vem pedir investimentos que se eu tiver um fundo de 50 milhões, em dez anos eu preciso de obter – se quero ser bem-sucedida – pelo menos três vezes essa quantidade, ou seja, tenho de dar aos meus investidores 150 milhões. Mas no mínimo tenho de poder devolver-lhes o que investiram. Como o investimento em startups é muito arriscado, eu parto do princípio que vou investir em 20 empresas e que uma delas vai ter muito sucesso e tornar-se um unicórnio. As restantes, provavelmente, vão morrer, ou não cumprem as expetativas e não dão retorno. Por isso, preciso que essa empresa bem-sucedida me renda 50 milhões quando for vendida.”

“Se eu tenho 10% da empresa isso quer dizer que para obter 50 milhões a empresa tem de ser vendida por pelo menos 500 milhões. Por isso, nós temos de acreditar que cada empresa em que investimos vai ser vendida por pelo menos 500 milhões. É por isso que falamos tanto de unicórnios, porque é a única maneira de conseguir que as contas continuem a bater certo.”

E conclui. “Quando os empreendedores vêm ter connosco para angariar fundos é muito importante que percebam que isto é um jogo difícil, e é um jogo em que ou se aponta para a grandeza, ou para mim não vai ser interessante. Se eu investir um milhão e você me devolver três milhões, isso não chega. Eu preciso que multipliquem o meu capital 50 ou 100 vezes. É esse o jogo que estamos a jogar.”

Cristina Fonseca foi uma das convidadas para o Web Summit de 2020, numa conversa com o jornalista da Renascença Filipe d’Avillez, que foi transmitida esta quinta-feira.

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