Decorria o ano de 1553 quando a Aldeia Galega do Ribatejo foi escolhida para albergar a sede da rede de transporte de correio, e mais tarde também de passageiros, entre Lisboa e o Sul do país, conhecida como a Mala-Posta do Sul.

A Aldeia Galega do Ribatejo chama-se hoje Montijo e para o presidente da Câmara, Nuno Canta, esse elo histórico é apenas uma das razões para querer colocar os aviões comerciais a aterrar e descolar no que é actualmente a Base Aérea N.º 6, ao serviço da Força Aérea Portuguesa.

“Tem a ver com a questão da cidade das duas margens”, diz Nuno Canta. “Achamos que esta localização vai no sentido da criação de uma área metropolitana de Lisboa mais coesa territorialmente e também economicamente, o que equilibra as duas margens do Tejo em termos de criação de riqueza e de criação de empregos”, explica.

“Depois, tem a ver com questões históricas do Montijo”, continua. “O Montijo foi sempre uma terra ligada aos transportes para a capital. Essa ligação já tem mais de 500 anos, com a Mala-Posta do Sul, que aqui se localizava. Esta estrutura de transportes que virá para cá, para a Base Aérea N.º 6, é uma continuidade desta história. Há aqui razões económicas, razões históricas e, como é claro, razões também de desenvolvimento.”

A decisão final ainda não está tomada, mas na cidade do distrito de Setúbal são poucos os que acreditam que não será o Montijo a acolher a expansão do aeroporto de Lisboa.

Os prometidos estudos ambientais não preocupam Nuno Canta. Estes são tão caros que, acredita o autarca, só se fazem depois de ter escolhido o local: as conclusões servirão, diz, para adaptar a solução de construção e não para a pôr em causa.

O presidente da Câmara do Montijo afirma que não abdica do respeito pelos factores ambientais. “Estamos sempre a falar de um desenvolvimento com base na lei e no respeito integral pelos recursos naturais e pelo ambiente. Isso parece-me fundamental. Tudo isso tem de ser acautelado nessa fase, sendo certo que, como todos sabemos, naquele local já funciona um aeroporto”, lembra.

É precisamente o facto de já existir uma base aérea em utilização que sossega a esmagadora dos montijenses com quem a Renascença falou. À porta de um café, encontramos Fernando, Nuno, Carlos e António. Partilham do pensamento do autarca. “Já estamos habituados à base… Já caíram três aviões e não tivemos problema nenhum com isso”, brinca Fernando. Nuno interpõe rapidamente, entre risos: o que “pode acabar são as amêijoas!”

O que nos conduz à questão ambiental. Carlos recorda que quando se construiu a Ponte Vasco da Gama também se falou muito do impacto, mas “continuou tudo na mesma”. “Os aviões estão cá à mesma”, atira António.

Mas o ambiente não é a única coisa que irá ser impactado pela adaptação da Base N.º 6. Há também todo o impacto social que se espera. Desenvolvimento, claro, mas a que preço? Não se teme a descaracterização do Montijo?

Nuno Canta diz que esse não é um medo, mas um desafio que, confia, os montijenses vão conseguir superar. Nas ruas da cidade repete-se um rol de boas razões para ali construir o aeroporto: o desenvolvimento só vai beneficiar a terra, permitindo a criação de mais empregos, o enraizamento das famílias e o regresso de uma dinâmica que, queixam-se, há anos que abandonou o local.

PCP está contra

Com tantas vantagens e tanta esperança, haverá alguém que seja contra o novo aeroporto? Nuno Canta diz que sim. Há aqueles que receiam perder a tranquilidade, mas há também o PCP do Montijo que, seguindo a orientação do partido a nível nacional, continua a preferir a solução do Campo de Tiro de Alcochete.

E é precisamente na sede do PCP que encontramos, finalmente, uma montijense que dá a cara contra o aeroporto. Sentada do outro lado de um portátil adornado com um autocolante que a proclama “benfiquista e antifascista”, explica-nos que os comunistas são contra porque preferiam a construção faseada de um aeroporto novo em Alcochete.

A posição do partido a favor da opção Alcochete é recordada num artigo na edição do jornal “O Avante” de 2 de Fevereiro: “As razões por nós invocadas eram óbvias: Portugal precisava de uma solução de futuro, 50 anos depois da Portela; as perspectivas de evolução do tráfego aéreo – quanto mais não fosse pelo desenvolvimento tecnológico na área e pela massificação da utilização deste meio de transporte – eram de franco crescimento, como se veio a confirmar; os terrenos públicos (…) [do Campo de Tiro de Alcochete] tinham a vantagem de evitar a especulação e diminuir significativamente os custos do investimento; o essencial dos estudos de viabilidade económica, mas também de segurança, de impacto social e ambiental, davam clara vantagem a esta hipótese.”

Para o presidente da Câmara do Montijo, a adaptação da base do Montijo para receber voos comerciais limita-se a pôr fim a seis décadas de espera.

“O aeroporto da Portela, quando foi construído era provisório, e esteve provisório até ao último Governo que privatizou a ANA. O aeroporto da Portela era para ser desmantelado, era um aeroporto a prazo, e seria desmantelado quando houvesse uma grande infra-estrutura a Sul. Essa foi sempre a ideia, desde o Estado Novo. E isso nunca se veio a concretizar – e estamos a falar aqui de um tempo de 60 anos”, explica Nuno Canta.

“Portanto, eu diria que, para termos a certeza que o aeroporto vem para a Base Aérea Nº 6, temos de ir dando passos”, conclui. Passo a passo, rumo ao aeroporto: a maioria dos montijenses não acredita nem quer que o destino seja outro.