Um tribunal no Brasil forçou uma mulher de 58 anos a receber uma transfusão de sangue, apesar de ela ter recusado a intervenção por questões religiosas, por ser testemunha de Jeová.

A mulher, uma professora identificada na imprensa brasileira apenas pelas iniciais J.P. foi internada em julho por causa de uma hemorragia digestiva e os médicos quiseram fazer uma endoscopia para localizar a origem do problema. Para estabilizar a doente os médicos acharam necessário fazer uma transfusão de sangue, mas ela recusou, uma vez que os testemunhas de Jeová não aceitam transfusões de sangue.

A recusa levou o hospital de Piracicaba, no interior de São Paulo, a recorrer ao tribunal com urgência, alegando que J.P. tinha poucas horas de vida caso não recebesse a transfusão.

O juiz acedeu ao pedido dos médicos, argumentando que a liberdade religiosa não se pode sobrepor ao direito à vida. “A escusa religiosa não pode se sobrepor ao direito à vida, porquanto a interpretação que se deve conferir é no sentido de que o direito à liberdade religiosa não é absoluto, observando o caput do artigo 5º da Constituição Federal, que aborda o direito à vida”, escreveu o juiz Lourenço Carmelo Tôrres, na decisão, citada no jornal online Metrópoles.

Em resultado da decisão J.P. foi sedada e recebeu a transfusão, sendo bem-sucedida a intervenção cirúrgica. Contudo, a professora está agora a processar o hospital, invocando danos morais e comparando a intervenção a uma violação.

“A ideia de sedar um cidadão adulto e capaz para submetê-lo a tratamento médico invasivo soa totalmente descabida, inaceitável e irracional. É assustadora.”, dizem os advogados de J.P. na sua petição ao tribunal, no qual exigem uma indemnização de 30 mil reais, ou cerca de 4.600 euros, por danos morais e psicológicos.

Os advogados dizem ainda que a recusa de tratamento, neste caso, é “uma escolha existencial legítima, baseada em crenças religiosas que não podem ser questionadas por outros”.

Caso em Portugal

Os conflitos entre a liberdade religiosa e o direito à vida envolvendo fiéis dos Testemunhas de Jeová são comuns, mas é raro um tribunal mandar violar a vontade expressa por um adulto consciente que rejeita tratamento médico.

Mais comum é a intervenção da justiça quando está em causa da vida de um menor. Mesmo nesses casos os Testemunhas de Jeová recusam as transfusões de sangue, mas a solução encontrada tende a ser a retirada temporária da guarda do menor, que depois é devolvida aos pais após a intervenção.

O tema tem sido alvo de discussão em Portugal, nas últimas semanas, devido a um caso que ocorreu no IPO de Lisboa. Um jovem de 16 anos recorreu ao tribunal para garantir que não seria alvo de uma transfusão de sangue à qual se opunha. A intervenção não era imediatamente necessária, mas poderia vir a ser, uma vez que o rapaz sofria de leucemia.

O tribunal, numa decisão que gerou polémica, admitiu que a vontade do jovem poderia ser respeitada caso ele fizesse prova de maturidade.

Este assunto foi discutido na edição da semana passada do programa Em Nome da Lei, da Renascença.