Vem aí uma nova maioria absoluta. É a sexta, em 22 governos constitucionais, desde 1976.

Se considerarmos a "título individua"l, ou seja, uma maioria absoluta de um só partido, sem coligações, é a terceira. Houve a do PSD de Cavaco Silva, em 1987 (renovada quatro anos depois), a do PS de José Sócrates, em 2005, e, por fim, esta, do PS de António Costa, em 2022.

Entre Cavaco em Sócrates passaram 18 anos. E entre o antigo secretário-geral socialista e o atual passaram mais 17. As circunstâncias que levaram cada um destes líderes ao poder serão difenetes. Todas elas históricas, por razões também diferentes. Não obstante, há também paralelos que podemos estabelecer. Desde logo: como é que o país reagiu?

Desde os resultados do último domingo, há quem fale "em estabilidade" e veja a governação maioritária com bons olhos, mas também há quem tema as características mais "autoritárias" associadas a estes períodos.

Em 1987 e em 2005 também havia estas preocupações? A Renascença revisitou os jornais que saíram na semana pós eleições legislativas destes dois anos, para perceber como é que a maioria absoluta é tratada, ainda antes de se poder saber como iriam decorrer os quatro anos seguintes.

1987: A maioria "impossível" de Cavaco Silva que trouxe "estabilidade"

Depois de ter assumido a liderança de um governo minoritário do PSD, em 1985, Cavaco Silva viu o seu Executivo cair depois de uma moção de censura promovida pelo Partido Renovador Democrático(PRD), votada favoravelmente por PS e PCP.

O Presidente da República, Mário Soares, recusou um governo de esquerda alternativo, composto pelas forças que tinham derrubado Cavaco, e preferiu convocar eleições antecipadas.

Desta sequência de eventos resultaria "a primeira maioria absoluta de abril", como apelidava o Jornal de Notícias, na edição da segunda-feira pós-eleições. "Cavaco quis, pode e manda", lê-se, ainda, na capa do diário portuense.

Era verdade. Ao longo da campanha, o líder social-democrata tinha insistido na necessidade de obter a maioria absoluta, inédita na altura, e os portugueses corresponderam. O PSD obteve 50,22% dos votos. Cavaco dizia, em reação, que se tratava da "vitória da estabilidade e um reconhecimento do trabalho do governo" - uma linha muito semelhante à de António Costa, na noite eleitoral.

A edição seguinte às eleições do semanário Expresso falava de uma "maioria impossível" e no editorial do jornal lia-se que se tratava "de um feito único e dificilmente repetível".

O Expresso recorda como o CDS achava que Cavaco tinha entrado pelo "aventureirismo", ao escolher tentar obter uma maioria sem coligação com os centristas, mas essa "aventura" acabou por correr bem aos social-democratas. E era mesmo "um bom resultado", segundo o editorial do semanário, "porque, pela primeira vez desde o 25 de abril, um partido tem possibilidade de formar um governo para durar quatro anos".

O então diretor do jornal, José António Saraiva, analisava que o país "votou pela segurança" e num "governo estável de quatro anos".

Já Álvaro Cunhal, na altura secretário-geral do PCP, citado pelos jornais, lamentava que o país estivesse perante "uma derrota da democracia".

O Comité Central dos comunistas, três dias depois, disse que a maioria absoluta do PSD colocava "sérios perigos para o regime democrático", antevia "abusos do aparelho do Estado" e considera ser de esperar "tentativas de liquidação das principais conquistas democráticas da Revolução de Abril".

A CGTP criticava o resultado eleitoral por servir "objetivamente os interesses do grande patronato" e alertava para o risco de "nova e violenta ofensiva contra os direitos dos trabalhadores". No sentido inverso, a Associação Industrial Portuguesa congratulou-se pela maioria absoluta de Cavaco Silva e dizia aguardar pela palavra-chave: "Estabilidade".

2005: A maioria "inquietante" de Sócrates que lhe deu muita "responsabilidade"

Em 2004, Durão Barroso abandona o cargo de primeiro-ministro. A sua substituição é assumida pelo então vice-presidente do PSD e presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes.

Com uma gestão curta e errática, o novo chefe do Executivo não completa cinco meses de mandato antes do então Presidente da República, Jorge Sampaio, usar a chamada "bomba atómica" e dissolver o parlamento.

Das legislativas de 2005, resultou a primeira maioria absoluta do PS (e única até a atual de Costa), liderado por José Sócrates.

O secretário-geral socialista foi, como descreve o Diário de Notícias, "esmagador" e alcançou 45,03% dos votos. Num editorial do dia seguinte, o diretor, Miguel Coutinho, descrevia a maioria absoluta como "inequívoca, claríssima e clarificadora, sobre a vontade popular, mas também portadora de enorme responsabilidade".

A direita, desorientada pelo tombo que PSD e CDS sofreram nas eleições, virou-se para a discussão interna e foi a esquerda que, ao contrário de 2022, também cresceu.

Jerónimo de Sousa dizia que "era bem melhor que não houvesse" e Domingos Abrantes, militante e dirigente histórico comunista, descrevia-a mesmo como "inquietante". "Um PS de mãos livres", alertava.

Do lado do Bloco de Esquerda, era o líder Francisco Louçã para quem a maioria absoluta era "um risco forte para o conservadorismo".

Nas páginas do Expresso, Fernando Madrinha apontava que Sócrates teria quatros para governar "nas melhores condições que a democracia pode oferecer". Já o editorial do semanário defendia que, de todos os resultados possíveis, "foi o melhor" pela estabilidade que trouxe.

Num artigo de opinião publicado pelo jornal, Mário Soares pontuava que sem a maioria absoluta, "o país corria sérios riscos de ficar ingovernável". Já durante a semana pós-eleitoral, o histórico líder socialista apelava a Sócrates, no programa da SIC "Sociedade Aberta", para não cair no perigo da "ditadura da maioria" e pedia que houvesse diálogo à esquerda.

Já no jornal Público, o então diretor, José Manuel Fernandes ,também destacava que o PS herdava "uma enorme responsabilidade". Num artigo que reunia opiniões da área da Economia, Mira Amaral, que foi ministro de Cavaco Silva, dizia que a maioria trazia "estabilidade e equilíbrio" e Jorge Braga de Macedo, economista, classificava-a como "responsabilizante".