Em eleições, paralelismos com o passado não são garantia de que algo se repetirá. Ao nível autárquico, ainda menos.

Sobrepondo a conjuntura que antecedeu as autárquicas de 2001 com as eleições de domingo, semelhanças saltam à vista: há 20 anos, o Partido Socialista (PS) estava no poder, detinha o maior número de autarquias nacionais; Guterres cumpria a segunda legislatura, mas sem maioria absoluta; e, meses antes da ida às urnas, o Governo havia lançado o Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Cidades, que ficou conhecido como programa Polis - cuja parte significativa dos fundos provinham de dinheiros comunitários.

Chegados a 2021, o PS controla o maior número de autarquias nacionais; António Costa está na segunda legislatura e não tem maioria absoluta; em junho, foi aprovado o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) - que irá trazer para os cofres do Estado sete mil milhões de euros.

Mas esta é uma comparação ao nível macro. E as autárquicas ocorrem noutro nível. “Muitas vezes, as avaliações de quem ganhou, quem perdeu nas autárquicas, são um bocadinho viciadas. Claro que podemos fazer essa contabilidade global, ver o partido que saiu mais votado, que ganhou mais municípios ou não, mas é preciso ter em conta as dinâmicas locais”, diz Luís de Sousa, investigador especializado em poder local do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em declarações à Renascença.

O investigador recusa uma “contabilidade” geral. E afirma que há diferenças importantes entre as duas eleições separadas por 20 anos. “Nós levamos duas crises de rajada: uma económica, que estávamos quase a sair, quando entramos numa crise pandémica com consequências que ainda vamos ver se são tão graves ou piores quanto as anteriores. Portanto, o contexto não é comparável à introdução do Euro ou que se estava a passar em inícios de milénio”, afirma.

Polis vs PRR

Segundo Luís de Sousa, a discussão em torno do uso e acesso a fundos europeus no centro de um debate eleitoral nas autárquicas, conforme se tem sucedido com o PRR, não é novidade. “As eleições [autárquicas] não elegem o governo da nação e as dinâmicas de campanha acabam muitas vezes por ser contaminadas por temas da política nacional, que servem para o eleitorado e para as várias forças políticas testarem o Governo”, conta.

Num país “centralizado” como Portugal, em que “está tudo nas mãos do Governo”, cria-se uma “oportunidade para fazer uma campanha de acenar ou insinuar com o acesso a esses fundos”. No fundo, “as pessoas percebem que o Governo tem a faca e o queijo na mão e que pode haver aqui uma distribuição em função de algum clientelismo, como já aconteceu noutras ocasiões no passado”.

Em 2001, com o programa Polis, António Guterres adotou essa estratégia. Num comício em Beja, o então primeiro-ministro defendeu que todas as obras significativas no distrito haviam sido realizadas após a vitória socialista nas legislativas de 1995.

De acordo um artigo da edição de 6 de dezembro de 2001 do Ação Socialista – o órgão oficial de comunicação do Partido Socialista na época, Guterres apontou “como exemplos de investimentos da responsabilidade de governos do PS a barragem de Alqueva, a utilização civil da Base Aérea de Beja, o programa Polis e as acessibilidades de ligação a Espanha”.

Para Luís de Sousa, “pode-se comparar a utilização de recursos de quadros comunitários, de financiamento europeu para a forma como se discute e mobiliza esse tema nas autárquicas”. Mas deixa uma ressalva importante: “Tanto a conjuntura nacional como as 308 conjunturas municipais da altura eram diferentes das de agora.”

Numa dimensão económica, também não é possível fazer comparações: o financiamento do programa Polis foi de 160 milhões de euros, 90 dos quais provinham da Europa. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é de sete mil milhões de euros.

Autarquias e pandemia

Domingo, 26 de setembro, será um dia de ajustar contas de alguns eleitores com os seus autarcas. E, para Luís de Sousa, a pandemia vai entrar na equação.

De acordo com o investigador, o período excecional que o país (e o mundo) ainda está a atravessar “vai favorecer quem está em exercício de funções”. Esses autarcas podem alegar “aquela lógica de que não tive tempo para fazer” ou que “vieram para funções e praticamente ficaram dois anos sem poder pôr em prática o seu programa”.

Já aqueles autarcas que tiverem problemas na gestão da pandemia, “onde houve escândalos, alguma implicação em IPSS locais”, “esses vão ser penalizados”.