PRR nas autárquicas. Quando a propaganda é excessiva, o eleitorado desconfia

22 set, 2021 - 09:00 • Fábio Monteiro

Apesar da Comissão Nacional de Eleições ter alertado para o “dever de neutralidade”, o Plano de Recuperação e Resiliência continua a fazer parte do argumentário eleitoral de António Costa. Esta é uma estratégia “pouco eficaz”, “uma narrativa triste”, “uma marcação de território político” mais a pensar nos líderes partidários que nos eleitores, aponta a psicóloga política Isabel Menezes. O PRR é um “argumento nacional que está a ser usado para produzir impacto local”, diz também Rita Figueiras, professora de comunicação política na Universidade Católica.

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Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para cima e para baixo, à esquerda e à direita, na terrinha ou na capital. Onde quer que António Costa tenha ido durante a últimas semanas, na senda das autárquicas, tem sempre deixado a mensagem: é o partido no Governo, o PS, que tem as chaves dos cofres do Estado onde vão ficar guardados os sete mil milhões de euros provenientes da bazuca europeia. Nas entrelinhas, a ideia que passa é: num futuro próximo, as autarquias socialistas vão ter facilidade no acesso aos fundos europeus. Alguns autarcas, menos subtis em termos de linguagem, já o disseram abertamente.

Devido a esta estratégia de campanha, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) alertou, ainda na passada sexta-feira, o Governo para o “dever de neutralidade”. E abriu a porta à possibilidade de algum partido apresentar queixa - só assim poderia agir, justificou. Apesar de criticar o uso do PRR como argumento eleitoral, Rui Rio, líder do PSD, recusou apresentar queixa. Contudo, alguém já o fez: desde o início da semana, chegaram à CNE meia dúzia de queixas de cidadãos, que quinta-feira, quatro dias antes da ida às urnas, publicará uma deliberação sobre o tema.

Segundo Rita Figueiras, professora de comunicação política na Universidade Católica, é evidente que o PRR é um “argumento nacional que está a ser usado para produzir impacto local”. O primeiro-ministro usa-o “como uma estratégia de angariação de votos para os candidatos do seu próprio partido”.

Na segunda-feira, António Costa garantiu que não pretende mudar de fórmula. “Não vale a pena ameaçarem-me com a Comissão Nacional de Eleições (CNE)", disse, em resposta às críticas de Pedro Calado, candidato da coligação PSD/CDS à Câmara do Funchal.

Não existe, contudo, o risco de saturar o eleitorado com o argumento do PRR, de “martelar” em excesso o tema? Antes mais, diz Isabel Menezes, especialista em psicologia política da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, o argumento é uma má estratégia.

“As pessoas têm noção disso: não é por a pessoa ser do partido X ou do partido Y que o Governo pode fazer essa jogada de distribuição. É curioso, não é? O argumento é quase como: nós vamos favorecer, mas é porque os nossos autarcas são mais competentes. Eu não acho o argumento muito eficaz”, afirma.

Para a especialista, a discussão em torno do PRR é então, acima de tudo, uma narrativa sobre poder político. “É dizer: se nós tivermos pessoas de confiança por todo o país, consigo ter um procedimento mais adequado de distribuição dos fundos. Outra maneira de ler isto é dizer: se eles forem da minha cor política, a forma de gerir vai ser mais simples. A cor política dificulta essa negociação? Como narrativa sobre o poder, é uma triste narrativa. Mas acho que é isto. É dizer nós temos o controlo da bazuca. Acho que é mais uma marcação do território, um discurso para os outros líderes políticos, que um discurso para os eleitores”, nota.

Sempre, sempre PRR

Há dez dias, o tema PRR já foi alvo de um sketch no programa humorístico de Ricardo Araújo Pereira na SIC. E, desde então, de dezenas de notícias, momentos televisivos. Uma parte dos eleitores, porém, pode não ter esta perceção. “A maioria do eleitorado não consome os meios de comunicação com tanta quantidade ou intensidade como os jornalistas, não têm essa perceção da repetição do discurso ao longo dos dias e em diferentes locais geográficos”, diz Rita Figueiras, em declarações à Renascença.

De uma perspetiva analítica, Susana Salgado, especialista em comunicação política e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, lembra que “a repetição de uma mensagem eleitoral é uma boa estratégia eleitoral”. “Aquilo que resulta das campanhas, para a maior parte das pessoas, são fragmentos. Fragmentos de declarações, fragmentos de discursos, que os media selecionam, transmitem”, diz.

A investigadora afirma, porém, que um cenário de aversão, rejeição e afastamento do eleitorado, também não pode ser descartado – se a conjuntura o criar. “Quando as pessoas entendem a mensagem como propaganda excessiva, ou seja, colocam dúvidas à credibilidade da mensagem, ou quando percebem que estão a ser claramente manipuladas, aí sim, sem dúvida [pode gerar aversão]”, explica.

Guerras longas, quezílias passageiras

Qualquer eleição é um momento de competição. É normal, por isso, a troca e discussão de argumentos. “Independentemente do que é dito em concreto, qualquer afirmação serve sempre para ser disputada pelos oponentes”, lembra Rita Figueiras.

As eleições autárquicas estão marcadas para o dia 26 de setembro, próximo domingo. De acordo com a especialista em comunicação política, o tema do PRR não continuará muito mais tempo na agenda pública. “Daqui a uma semana, com os resultados conhecidos, as câmaras atribuídas, isto já ficou arrumado”, aponta.

Susana Salgado tem outra opinião. Quando a ida às urnas for escrutinada, o PRR será um dos elementos a ter em conta. Tanto “se os resultados do PS surpreenderem pela positiva, se foram além daquilo que era esperado”, como se o partido no Governo sair penalizado e o PSD beneficiado. Poder-se-ão fazer leituras de “excesso de propaganda, excesso de confiança. Apropriação pelo PS daquilo que é o papel do PS no Governo”.

Somada a isto ficará a posição que a CNE venha a tomar na quinta-feira.

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  • Petervlg
    22 set, 2021 Trofa 14:33
    Toda a população esta a ver, que este Primeiro ministro é igual a José Sócrates, mais uma vez iremos pagar mais tarde, depois culpamos os outros. o PRR é para os bolsos do PS, pelo menos é o que Primeiro ministro anda a insinuar. Já, só enganam a quem quer.

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