Diz a sabedoria popular que, para se ter uma vida completa, há três requisitos que é preciso cumprir: ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Trata-se de objetivos louváveis, é evidente, mas pouco ajustados aos dias de hoje. Ou melhor: no mundo contemporâneo, são objetivos fáceis de contornar ou até de comprar.

Se é sempre legalmente possível adotar uma criança, também não faltam por aí escritores fantasma a oferecer os seus serviços literários. Quanto a plantar uma árvore, para aqueles poucos que cheguem à idade adulta sem o ter feito numa atividade escolar, não escasseiam empresas que oferecem esse serviço a baixo custo em prol da sustentabilidade e neutralidade carbónica.

Desde 2014, por exemplo, é possível a qualquer pessoa se deslocar a um posto dos CTT e comprar o kit “Vale uma árvore”, uma iniciativa em parceria com a associação ambientalista Quercus, por 3,5 euros. Feito o pagamento, os CTT comunicam à Quercus a aquisição e a árvore em causa é plantada na primavera do ano seguinte. Só este ano foram plantadas 8 mil árvores na Mata Nacional de Leiria. (A árvore é cuidada durante cinco anos e, tal como um animal apadrinhado num jardim zoológico, é possível receber informações e acompanhar a evolução do bosque onde foi plantada.)

Mas para quem não quiser desembolsar 3,5 euros, não é difícil encontrar soluções gratuitas. Ainda no mês passado, a propósito do Dia Mundial da Árvore e das Florestas, 21 de março, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) esteve a oferecer 50 mil árvores; qualquer cidadão com um terreno podia levantar até 10 árvores autóctones - medronheiros, sobreiros, azinheiras, pinheiros mansos, alfarrobeiras, romãzeiras e carvalhos cerquinhos.

Seguindo ainda a linha de oferta de árvores para plantar, não faltam autarquias na equação - Lisboa anunciou há dias que vai plantar 120 mil árvores até 2023 - e até empresas – à primeira vista – pouco associadas ao setor ambiental: o caso da Servilusa, a maior agência funerária nacional. Em março passado, a agência também lançou um desafio nas redes sociais de oferta de árvores para plantar a todos os interessados. Para tal, bastava às pessoas registarem-se na página da empresa; depois, passar no escritório da agência que fosse indicada para escolher o local onde plantar.

Se a ligação entre preocupações ambientais e uma agência funerária não é intuitiva, Paulo Carreira, diretor-geral da Servilusa, conta à Renascença que a empresa já vem a trabalhar no sentido de ter uma consciência verde desde 2007, com o cuidado que as urnas que fornecem “fossem sustentáveis, ecológicas” e sem “matérias nocivos” para o solo. Hoje em dia, por regra, todas as urnas que a agência comercializa são revestidas com vernizes à base de água, no interior não há poliéster, não têm parafusos e as próprias pegas são amovíveis, ou seja, podem ser retiradas.

“Se considerarmos cemitérios fora de Lisboa e do Porto, muitos estão junto a terrenos agrícolas, lençóis freáticos, etc. Isso é um problema: não devido à matéria orgânica, mas devido a colas, vernizes sintéticos, materiais ferrosos, poliésteres, aglomerados de maneira ou não madeira, que vão fazer com que a decomposição do corpo seja dificultada e com que haja uma maior probabilidade de contaminação dos solos”, explica.

Quanto ao processo plantar árvores, a Servilusa tem há alguns anos a iniciativa “In Arborium”, uma parceria com a ONG Tree Nation, que tem como finalidade plantar uma árvore física por cada serviço funerário realizado (cerca 5800 até ao momento). Todas estas árvores, contudo, foram plantadas fora de Portugal. “Não me interessa onde é, é para um bem comum”, afirma.

Segundo Paulo Carreira, não é fácil “encontrar alguém que controle todo o processo [de plantação], porque eu não posso garantir. Encontrar parceiros que o façam, terremos que o aceitem, tendo em conta a maior parte dos terrenos [em Portugal] são privados”, explica. (Está “apalavrado” que a ONG traga num futuro próximo para o país o mesmo serviço, adianta.) Como “qualquer empresa que esteja no mercado tem como política ser autossustentável, rentável, com lucros”, a Servilusa tem “uma obrigação social de devolver não só a nível de investimento, mas também a nível boas práticas”, defende.

“Isso tem outra face ou moeda que é trazer uma maior visibilidade à empresa em termos de reputação? Obviamente. Tudo o que eu faço mal tem uma reputação, coloca em causa a imagem reputacional da empresa, tudo o que faço de bem tem também imagem no sentido positivo. Obviamente que é muito difícil de dissociar as coisas. Se me perguntar: se não tivesse impacto nenhum positivo para a marca, tu fazias na mesma? Bom, à partida eu diria que sim”, explica.

Paulo faz uma pausa e expõe ainda a mesma ideia por outras palavras: “Nós queremos parecer bem, mas também queremos ser bem. Mas não basta ser, temos que parecer.”

Verde e mais verde

Entre ser e parecer vai uma longa distância. E nem sempre é possível distinguir um do outro.

Há pouco mais de duas semanas, a Sonae teve o que se pode chamar o seu momento D. Dinis. Cláudia Azevedo anunciou que a empresa ia plantar um milhão de árvores; uma homenagem ao pai, Belmiro de Azevedo, que "sempre lutou imenso pela floresta portuguesa", revelou, na mesma conferência de imprensa em que foram divulgados os resultados anuais do grupo. “É um investimento para compensar as emissões de CO2. É em Mangualde, toda no mesmo sítio, e tivemos uma preocupação grande em escolher o tipo de árvores.”

A floresta – um milhão de árvores é uma floresta -, garantiu, irá ser plantada de acordo "com todos os critérios de diversidade e anti-incêndio" em Mangualde. Custos de manutenção? Dezasseis milhões de euros. (Não é público se, a longo prazo, a empresa conta rentabilizar, de alguma forma, esta plantação.) Este anúncio, é de notar, coincidiu com a decisão da empresa antecipar a meta da neutralidade carbónica para 2040, em vez de 2050.

Como interpretar esta notícia e todas as campanhas de plantação de árvores dinamizadas por empresas privadas? São sinónimo de preocupação ambiental ou apenas greenwashing? O cinismo pode inclinar para um lado, a esperança cega para outro. À Renascença, Luís Loures, engenheiro agrónomo e vice-Presidente do Politécnico de Portalegre, defende uma posição no meio da balança.

A maior parte das empresas, “especialmente a nível nacional, pese embora que saibam que vão ter um benefício do ponto de vista da imagem corporativa com este tipo de intervenção, quero acreditar que genuinamente o fazem reconhecendo os benefícios ecológicos e dos serviços ecossistémicos que estão associados a esses processos”, afirma.

Mesmo para as empresas cuja motivação inicial é “mais economicista do que propriamente ambiental”, há benefícios a retirar dessas iniciativas, aponta. “Passam uma lógica de imagem e de educação ambiental e permitem, perante a opinião pública, reforçar o impacto e a ideia positiva de que a construção destas florestas urbanas é muito relevante para a sustentabilidade da nossa sociedade”, diz.

João Camargo, investigador sobre em alterações climáticas e ativista do Climáximo, tem uma posição antagónica com a de Luís Loures. O caso da plantação de árvores “parece-me que é só o último prato do dia no menu das falsas soluções do capitalismo verde. E é muito a ideia de apropriar-se da ideia de neutralidade carbónica, como a fraude em geral que ela é”, atira.

De acordo com o relatório de 2018 do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), é necessário cortar 50% das emissões globais de gases com efeito de estufa até 2030. “Portanto, todas as empresas que têm elevadíssimos níveis de emissões vão fazer e dizer tudo o que puderem para evitar fazer isto”, diz.

A ideia de plantar árvores a larga escala para compensar a pegada de carbono “é má ideia e não é solução nenhuma”. “A primeira razão pela qual não é boa ideia é uma questão de área. Não há área suficiente no planeta Terra para compensar as emissões atuais, quanto mais um aumento de emissões. Os planos da neutralidade carbónica das petrolíferas excedem, se juntarmos todas, muito a área do planeta Terra”, diz.

Com o mundo numa luta a contrarrelógio contra as alterações climáticas, a ideia de criar florestas parece não ser realista. “As verdadeiras florestas demoram séculos a constituir-se e a acumular carbono nos solos, nas árvores, nos seres vivos que ali vivem. Isso é uma impossibilidade considerando o tempo que nós temos”, nota.

Aliás, algumas tentativas de ajudar o planeta – a plantar árvores, florestas - podem mesmo prejudicá-lo. “Quaisquer operações de solos de grande escala libertam quantidades massivas de dióxido de carbono. E plantar florestas, em geral isso implica, - já está a acontecer há décadas - destruição de ecossistemas, que têm carbono absorvido, pradarias, savanas, tundras, zonas húmidas”, explica o ativista da Climáximo.

A ideia de que se pode instalar uma floresta, “de que o sistema natural é só uma espécie de equação, que tem um solo que não tem interação com outras coisas, como se não fosse tudo extremamente interconectado, é burrice. É ignorância. A ecosfera não é uma fábrica de salsichas”, atira.

Menos de 3% da área florestal portuguesa é de gestão pública. E a que “é de gestão pública é muito mal gerida, com muitos poucos guardas da natureza, um setor cronicamente subdimensionado.”

A probabilidade vingar

Plantar uma árvore não é abrir um buraco na terra, regar uma vez e fazer figas que chova. Isso é uma fábula infantil. Após os incêndios de 2017, o Governo tomou nas mãos a iniciativa de reflorestar o pinhal de Leiria; o primeiro-ministro António Costa, inclusive, fez questão de ir lá plantar um sobreiro. Ora, passado um ano, mais de 70% das árvores plantadas tinham morrido (em parte, devido às alterações climáticas; o verão de 2018 foi extremamente quente.)

Segundo Jorge Cancela, presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Arquitetos Paisagistas, para que uma campanha de plantação de árvores tenha sucesso são necessários “vários ingredientes”. “Um deles [dos ingredientes] é não esquecer que a planta é um ser vivo, portanto a planta, seja uma árvore, seja um arbusto, seja o que seja, não é um número. Não é por dizer que se puseram cinquenta mil árvores que isso me diz rigorosamente coisa nenhuma”, nota.

Pode acontecer, por isso, deslocar um grupo de pessoas para “não sei onde, fazerem não sei quantos buracos, plantarem lá o que seja, que depois passados dois ou três meses, se não tem manutenção, se não tem rega, se não tem acompanhamento, morreram todas. Pode ser até um procedimento altamente insustentável”, avisa.

As árvores, sendo um ser vivo, precisam de ser acompanhadas. “Normalmente plantam-se árvores ou arbustos jovens, é como se fosse uma criança. Nós também não abandonamos uma criança de meses ou de um ou dois anos na rua a dizer: agora trata de ti. Podemos fazer isso com um adulto, que sabe movimentar-se, que sabe ganhar a vida, que tem as suas capacidades e autonomia. Não podemos fazer isto a um bebé”, explica Jorge Cancela.

O arquiteto paisagista coloca ainda mais variáveis na equação: que tipo de árvore é? Para que zona climática vai? Esse tipo de árvore é adequado a essa zona climática? Quando é que vamos plantar aquelas árvores? As covas têm tamanho proporcional às raízes? A matéria orgânica está adequada às exigências? As estruturas para as árvores chegarem ao seu local em condições existem?

E depois de acauteladas estas questões – quando são – é ainda importante a manutenção, o acompanhamento, a monitorização. “Se a árvore é jovem e em função do clima e do sítio onde estamos, nós podemos ter que regá-la três, quatro vezes naquele verão, se for nos climas mediterrânicos. E no segundo verão, já não regamos três ou quatro vezes, mas regamos uma ou duas. Até que ela, passado dois anos, três anos, esteja em condições de viver por si”, diz.

Na larga maioria dos casos, este lado das campanhas nunca é conhecido. Resume-se à ação, não aos impactos e responsabilidades a longo prazo. “Para mim, só me interessa saber que foram plantadas 50 mil árvores, se soubermos todos os pontos anteriores a isso acontecer. Se não, pode ser o mais total greenwashing ou ser uma coisa muito bem-feita”, reitera.

A força do exemplo

Há muito poucas coisas no planeta que não possam ser compradas, desvirtuadas ou apropriadas, pelo setor empresarial. Dito isto, plantar uma árvore continua a ser uma experiência importante, uma espécie de introdução à Natureza. E algo com que é possível aprender e que tem significado.

Nos seus tempos livres, Jorge Cancela tem uma quinta em Santarém. E às vezes, com amigos ou mesmo algumas escolas, continua a repetir esse gesto ancestral. “Explico-lhes o que estamos a plantar, o que estamos a fazer, porque é que plantamos, por exemplo, um freixo junto a uma linha de água, porque é que plantamos uma alfarrobeira numa zona com um fundo de fertilidade muito baixo, porque é que plantamos uma oliveira ou uma figueira ou uma amendoeira em zonas viradas a sul, porque é que plantamos um carvalho cerquinho em zonas viradas a norte”, conta.

A ação que repete não tem impacto no planeta, não é uma verdadeira medida contra o aquecimento global, nota o arquiteto. Mas “pode ter relevância para as pessoas que fazem aquela intervenção. Dar a perceber que os seres vivos, embora sejam todos iguais são todos diferentes e merecem o nosso respeito.”

A abordagem de Jorge Cancela na Agricultura da Paisagem (LandscapeFarm) é inspirada em algo que a primatologista Jane Goodall disse há muitos. “Um dia, perguntaram-lhe: que planeta é que vamos deixar para as pessoas? Ela disse: não, não, o problema não é esse. É que pessoas vamos deixar para o planeta.” O conselho é gratuito, intemporal e, neste caso, não é preciso passar fatura.