Portugal tem apresentado uma evolução positiva, nos últimos anos, relativamente às metas da educação e formação, diz o relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE), divulgado nesta segunda-feira.

Reduzimos o abandono escolar, aumentámos a taxa de emprego dos recém-diplomados, temos mais crianças na pré-escola e há mais estudantes no ensino profissional, embora ainda abaixo da meta prevista.

Há, contudo, um dado que estraga o retrato: quase um terço dos alunos de 11, 13 e 15 anos não gosta da escola. E a segunda coisa de que menos gostam é das aulas.

“Isso é o que me preocupa mais”, admite Maria Emília Brederode dos Santos, presidente do CNE. “Todos os indicadores têm vindo a melhorar e em 2019 tivemos os melhores resultados de décadas – chegámos quase às metas para 2020. Mas também temos essa informação que é muito delicada e que tem de ser muito tida em conta”, acrescenta.

Em declarações à Renascença, Maria Emília Brederode considera que este desinteresse dos jovens estará “muito ligado à ênfase que a escola está a dar aos resultados académicos”, em detrimento “do lado socioemocional, que não está a ser tão tido em conta”.

É preciso estimular os jovens, defende. O ensino em Portugal ainda assenta muito no princípio do “conhecer e reproduzir”, quando devemos “procurar que as aulas e as aprendizagens sejam mais um desafio ao raciocínio e à criatividade de cada um e menos apenas uma reprodução do que já existe e que já se sabe e que já está no computador e no telemóvel”.

As escolas têm um papel essencial para preparar crianças, jovens e adultos para um “presente inquieto e perigoso”, assim como para “um futuro que temos de saber imaginar e construir”, defende Maria Emília Brederode Santos no texto introdutório do relatório, intitulado “Estado da Educação 2019”.

Quanto ao ensino profissional, Maria Emília Brederode dos Santos considera que é uma vida que “tem de ser mais acompanhada, mais estudada e mais apoiada”.

“As vias profissionais são muito inovadoras, acho que há experiências muito interessantes e até podem ser inspiradoras para toda a escolaridade”, afirma à Renascença. “Por outro lado, é ainda frágil. Se virmos a evolução da frequência das vias profissionais, é ainda oscilante. Em 2019, creio que estava em cerca de 40%. A meta que está estabelecida é que chegue aos 50%, portanto é uma das áreas em que estamos ainda um bocadinho longe”, reconhece.

Mais jovens sem estudar ou trabalhar

A proporção de jovens dos 15 aos 34 anos que não estudam, não trabalham, nem frequentam formação (NEET) diminuiu de 15,2%, em 2014, para 9,5% em 2019, indica o relatório do CNE.

No entanto, este indicador é muito variável nas diversas regiões de Portugal, com destaque para o Centro do país, onde a percentagem desce para 8,2%.

Na Madeiras e nos Açores este é um problema mais notório: no ano passado, 16,4% dos jovens não tinham qualquer ocupação.

No que toca ao desemprego, os jovens foram os mais atingidos no ano passado, sendo que ter mais qualificações é sinónimo de conseguir arranjar um trabalho mais rapidamente e de ter melhores salários.

"O grupo com mais qualificação escolar registou um rendimento líquido médio 85% superior ao da população que estudou apenas até ao ensino básico, enquanto na UE esta diferença é de 73%", refere o relatório.

Tendo em conta as metas definidas pela União Europeia para 2020, Portugal aproximou-se do definido para a taxa de emprego dos recém-diplomados, com oito em cada dez jovens (80,3%) a conseguir um trabalho (a meta da UE é de 82%).

Na opinião de Maria Emília Brederode dos Santos, Portugal está melhor, apesar de tudo, e “melhor do que no resto da Europa”.

Metade dos portugueses (50,2%) com idades entre os 25 e os 64 anos tem apenas o ensino básico como nível de escolaridade máximo. Na União Europeia esta média desce para cerca de 22%.

É “uma situação muito complicada e muito grave e muito desafiadora”, a que, “obviamente, temos de continuar a dar uma grande atenção”.

“Creio que uma das respostas que está a ser avançada é, por exemplo, a criação de mais escolas de segunda oportunidade, que me parece interessante, e também toda a preparação geral, ao longo de toda a escolaridade, para reduzir o insucesso e, portanto, reduzir também a desistência e o abandono precoce. E isso tem sido conseguido”, afirma.

Ainda assim, “a situação em si perante dos jovens que saem e nem estudam nem trabalham, é evidente que é muito preocupante e tem de ser atendida rapidamente”, reforça.

Diferenças sociais e não só

"O grupo com mais qualificação escolar registou um rendimento líquido médio 85% superior ao da população que estudou apenas até ao ensino básico, enquanto na UE esta diferença é de 73%", refere o relatório.

Tendo em conta as metas definidas pela União Europeia para 2020, Portugal aproximou-se do definido para a taxa de emprego dos recém-diplomados, com oito em cada dez jovens (80,3%) a conseguir um trabalho (a meta da UE é de 82%).

A questão da influência das condições socioeconómicas nos resultados escolares e profissionais é, na opinião da presidente do CNE, um “grande grande tem”, que era importante estudar mais”.

“Porque os resultados dos estudos não vão todos no mesmo sentido. Há, obviamente – isso sabe-se desde os anos 60 – uma correlação muito forte entre o meio social e económico de pertença e os resultados escolares. Mas há outros estudos que mostram que, apesar de tudo, essa correlação não está tão acentuada em Portugal como seria de esperar”, indica.

“Ou seja, em Portugal, as diferenças sociais são maiores do que noutros países europeus, mas a sua reprodução pela escola não é tão acentuada como seria expectável. E isso acho que é muito interessante, e temos de estudar e aprofundar”, defende.

A isto junta-se a questão territorial. “Não é só o meio socioeconómico e cultural, é também a questão territorial”. E ainda “a questão de género”, que Maria Emília Brederode dos Santos considera que “também tem de ser mais estudado e é um bocadinho contraditório, porque, por um lado, continuamos a reproduzir os estereótipos de género, mas, por outro lado, as raparigas estão a ter melhores resultados que os rapazes em quase todos os indicadores”.

“Tudo isto é ainda muito frágil”

Portugal estava no bom caminho, mas a pandemia pode ter vindo atrapalhar a evolução. As competências digitais desenvolveram-se imenso, mas não substituem a dimensão cívica.

“Acho que este ano foi um treino, uma autoformação fantástica em competências digitais no sentido mais restrito”, diz a presidente do CNE.

“Preocupa-me mais dois outros tipos de competências associados. Por um lado, a tendência que todos temos em reproduzir por meios digitais aquilo que faríamos ao vivo. E isso não pode ser assim. Toda a gente constatou que era muito mais complicado e que se aprende menos e que captar a atenção dos miúdos é muito mais difícil. Portanto, há toda uma formação metodológica e pedagógica que é preciso fazer”, defende.

Além disso, há a dimensão cívica. “De facto, estas tecnologias são fantásticas, mas tem que se ter um sentimento crítico muito apurado e um grande sentido de responsabilidade”.

No relatório agora conhecido, foi utilizado, “como quadro de referência, além das metas europeias para 2020, Portugal na Agenda 2030 da ONU, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. E o balanço geral que fazem é que o sistema educativo em Portugal está bom, mas precisa de ser acompanhado”, indica à Renascença.

“Acho que isso é óbvio para todos nós. Foi um grande avanço, fizemos um percurso enorme, chegámos a 2019 bastante bem, infelizmente tivemos esta situação da pandemia em 2020, portanto, tudo isto é ainda muito frágil e eu receio que seja preciso realmente um grande investimento para retomarmos este ímpeto com que íamos, de progresso e de avanço”, conclui Maria Emílida Brederode dos Santos.