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Justiça, partidos da oposição e comunicação social. Este triunvirato esteve debaixo de fogo de centena e meia de manifestantes brasileiros que assentaram arraiais esta terça-feira em frente à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa para protestar contra os participantes do 4º Seminário Luso-Brasileiro de Direito, que juntou várias figuras ligadas que se opõem ao governo de Dilma Rouseff.

Na escadaria de acesso ao evento as palavras de ordem eram cantadas a plenos pulmões. “Não vai ter golpe. Vai ter luta”, anunciavam. Os manifestantes defendem que há um conluio para a tomada de poder no Brasil entre juízes e partidos da oposição ao PT (Partido dos Trabalhadores) e que os média, sobretudo a Rede Globo, são o braço-armado da propaganda para derrubar Dilma da presidência.

O seminário foi alvo de fortes críticas no Brasil por ser considerado uma conspiração fora do país contra o Governo. Os principais alvos da fúria dos manifestantes, na sua maioria brasileiros a viver em Portugal, são o juiz do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes (que afirmou esta terça-feira aos jornalistas portugueses que o PT "instalou um sistema de corrupção" no Brasil), e Aécio Neves e José Serra, deputados da oposição e ex-candidatos à presidência. Serra foi vigorosamente vaiado pelos manifestantes quando entrava na faculdade de direito.

Alexandre Guedes, há seis meses em Portugal, está convicto que a “Constituição brasileira está a ser rasgada”. “Existe um golpe em curso articulada pelas forças da oposição e pela justiça brasileira”, garante.

“Aqui em Portugal até os partidos de direita que têm no Presidente da República o seu máximo arauto recusaram participar no congresso. Isso é um símbolo de que a comunidade política e social e também os média têm consciência do que está a acontecer no Brasil.”

Três garrafas de “Golpe”

Os manifestantes exibiram tarjas em que se lia, por exemplo, “Derrotadas nas urnas atacam a democracia” e “Fora com o gang golpista.” Mas houve também quem optasse por um protesto mais original, colocado numa das colunas da escadaria da Faculdade de Direito: três garrafas de vinho tinto do Douro com a marca “Golpe”.

Marcada pela anterior ditadura militar, Alícia Guimarães, que está a fazer um mestrado em Portugal, conta que foi “presa em 1964” e passou “todas as coisas que uma mulher poderia ter passado”.

“Estou aqui a protestar contra este golpe que querem fazer no Brasil. Lutamos para que acabassem com a ditadura militar. Fomos torturados e agora querem fazer um novo golpe, mas nós não queremos que isso aconteça”, refere. Garante que não votou em Dilma.

Ao seu lado, outro estudante mais jovem, Darlan Marque, defende que quererem “tirar do poder uma Presidente legitimamente eleita e a maioria dos que o estão a fazer estão aqui na Universidade de Lisboa”. “É um evento parcial”, sentencia.

Este brasileiro defende que os elementos da oposição têm “várias acusações” que lhes são imputadas, mas não têm a mesma atenção da justiça. Darlan está convencido de que há um conluio entre “a oposição, os juízes e os média, como a Rede Gobo, que só mostra um dos lados da história”.

Temer não esteve mas esteve

Quem não concorda com esta visão é o vice-presidente da República brasileira, Michel Temer. Era uma das presenças mais aguardas no evento, mas cancelou a presença. Esta terça-feira, o seu partido, o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), anunciou que vai abandonar a coligação governamental liderada por Dilma Rousseff.

Ainda assim, Michel Temer fez-se ouvir no 4º Seminário Luso-brasileiro de Direito, enviando um vídeo. E fê-lo para garantir que no Brasil as instituições funcionam.

"Posso dizer com tranquilidade que as instituições do país funcionam regularmente. O poder legislativo, executivo e judiciário cumprem suas tarefas. O judiciário tem hoje uma presença muito forte, significativa, saudada por todos aqueles que se preocupam com um bom comportamento, ético, político, administrativo. O legislativo, de igual maneira, tem exercido as suas funções com muita tranquilidade", afirma Temer.

Darlan não podia estar em maior desacordo. Crê que o PMDB, de que Michel Temer é líder, é o partido mais corrupto do sistema político brasileiro e defende que a sociedade brasileira está a “radicalizar-se”. “Hoje temos um grupo de grandes organizações que querem culpar apenas um partido para tentar livrar os outros”.

Os portugueses também apoiam… mas nem todos

Mas nem só de brasileiros se fez a manifestação. O professor português José Baílio, que ao longo da manhã foi dos mais activos no protesto, diz que não podia deixar de estar ali em memória aos anos de exílio a que foi obrigado no passado.

“É uma questão de defesa da cidadania, da defesa da democracia e da lei. Fico muito contente por saber que os brasileiros estão a lutar. Como cidadão português estou com os meus companheiros brasileiros a lutar pela defesa da democracia e da lei”, diz. “Golpistas não!”, gritou, no lado de fora da faculdade.

Mas nem todos os portugueses parecem ter o mesmo nível de solidariedade para quem ali protestava. Lá dentro decorre por estas semanas a eleição para a associação de estudantes. Um dos jovens de uma lista afirmou para uma companheira que acabara chegar à faculdade: “Foge que há uma ‘manif’”. Resposta pronta da colega: “Este pessoal passa-se.”