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Enfim só. Após quase um ano de campanha eleitoral, Donald Trump ficou, na quarta-feira, sozinho na corrida republicana à Presidência dos Estados Unidos.

Na terça-feira à noite, depois de ter esmagado os seus adversários nas urnas no estado do Indiana, Trump viu o seu principal rival, Ted Cruz, suspender a campanha. Mas restava ainda John Kasich, o governador do Ohio, que prometera ir até ao fim das primárias e capitalizar o descontentamento em muitos sectores do partido em relação ao multimilionário.

Um descontentamento que agora não tem onde se exprimir. Não que a persistência de Kasich na corrida fosse ameaçadora para Trump, já que o governador do Ohio tinha apenas 10% dos delegados do agora presumível nomeado do Grand Old Party (GOP).

Matematicamente irrelevante, a permanência de Kasich na corrida permitia manter pelo menos um discurso moderado, sensato, por contraposição à demagogia populista do multimilionário. Mas o rolo compressor de Trump nesta campanha abateu também a determinação de Kasich, que acabou por obedecer a um impulso emocional e desistir.

Foi ele próprio que o admitiu a alguns amigos mais íntimos. Quando se preparava para descolar num avião do Ohio em direcção a Washington DC para uma iniciativa de recolha de fundos, Kasich ligou a quatro amigos e confessou-lhes que o seu coração já não estava ali, na campanha. O conselho parece ter sido unânime e Kasich já não seguiu viagem.

Em boa verdade, o governador do Ohio já tinha sofrido inúmeras pressões para desistir da corrida, uma vez que até agora só tinha vencido no seu próprio estado-natal – por sinal o estado-tipo mais relevante do país, ao ponto de se dizer que quem não conquista o Ohio não conquista a Casa Branca – e tinha até hoje menos delegados do que Marco Rubio, que abandonou a corrida há dois meses.

Ele foi, contudo, a última voz moderada a desistir de uma corrida que, nos últimos tempos, esteve polarizada entre dois “outsiders”, e só não constituiu a esperança do “establishment” republicano e de todos os que se reclamam da tradição do partido porque a sua campanha nunca levantou voo verdadeiramente, nem recolheu o financiamento indispensável.

A desistência de Jeb Bush, Cris Christie e Marco Rubio, em função de resultados decepcionantes nas primárias, consolidou a convicção de que esta escolha no GOP estava radicalizada ao ponto de não dar quaisquer hipóteses aos moderados que defendiam os tradicionais valores republicanos.

Kasich foi apenas a última vítima de um caldo de cultura que ganhou raízes no Partido Republicano nos últimos dez anos com o advento do Tea Party como facção radical que recusa qualquer compromisso e aposta tudo no populismo anti-sistema.

Uma cultura que parece hoje bem instalada no GOP e de que Trump se aproveitou com habilidade política e sagacidade mediática. Uma cultura que John Kasich recusava e que o seu percurso político sempre contrariou.

Foi congressista durante 18 anos em Washington e vangloriava-se de ter ajudado a construir muitos consensos bipartidários nesses anos na Câmara de Representantes, onde chegou a presidir à importante comissão do orçamento.

Agora, como governador do Ohio, é visto como um pragmático que não fica refém de impasses políticos por razões ideológicas. Aceitou aplicar a lei dos cuidados de saúde do presidente Obama, conhecida como Obamacare, e expandiu o Medicaid, o programa de saúde de apoio aos mais pobres. Um homem capaz de fazer compromissos, algo que a cultura radical infiltrada hoje no GOP repudia com veemência.

John Kasich, sendo um homem do “mainstream” republicano, parecia assim estar a mais numa campanha mergulhada no populismo anti-sistema, na demagogia, na exploração dos piores instintos humanos e nos ataques pessoais despudorados.

Foi o candidato a candidato que nunca embarcou em ataques pessoais, que sempre reclamou que se discutissem as ideias de cada um e que só condenou as acções de um rival quando viu Trump a defender o uso da violência para afastar os contestatários.

E era ele o republicano que, segundo as sondagens, mais facilmente bateria Hillary Clinton ou Bernie Sanders em Novembro. Um tipo de candidato que parece já não se usar no Partido Republicano.

A busca de uma alternativa

A passadeira vermelha ficou assim estendida para Donald Trump, não havendo sequer quem a partir de agora possa recolher os votos dos que dele discordam. Um a um, o multimilionário foi afastando os seus 16 adversários até ficar completamente sozinho.

Mas a sua candidatura está longe de ser consensual no GOP. Bem pelo contrário, está a provocar as reacções mais indignadas entre muitos sectores conservadores, que se podem catalogar genericamente em duas facções: os que sustentam que a única atitude política possível é votar em Hillary Clinton para derrotar Trump e os que sustentam que é urgente e indispensável lançar uma candidatura alternativa ao multimilionário, que defenda os valores tradicionais do GOP e a honra do partido.

Se o primeiro grupo adopta a célebre teoria do “engolir o sapo” e permanece à margem da campanha, o segundo mobiliza-se numa corrida contra o tempo para tentar “inventar” um candidato.

As sugestões públicas a homens como Mitt Romney (candidato do partido há quatro anos), Paul Ryan (companheiro de lista de Romney e actual “speaker” da Câmara de Representantes), Robert Gates (secretário da Defesa de George W. Bush e de Obama), entre outros, sucedem-se, mas é duvidoso que algum deles aceite dar um passo tão arriscado. Alguns porque têm um passado a defender, outros porque têm um futuro a acautelar.

Mas, além de cálculos ou vontades pessoais, há que ter em conta a decisiva questão logística que uma candidatura de última hora implicaria. Correr à margem de um aparelho partidário significa ter de montar uma máquina gigantesca que garanta no mínimo uma recolha de fundos eficaz e uma presença nas mesas de voto relevante. Uma tarefa que hoje parece despertar mais cepticismo do que esperança.