Depois de anos sem descanso da violência constante da guerra civil na Síria, a cidade de Alepo vive agora um período de paz devido ao cessar-fogo que está em vigor desde finais de Fevereiro.

No dia em que a comissão de inquérito da ONU à Síria apresenta ao Conselho dos Direitos Humanos um relatório sobre a situação no terreno, a Renascença falou com a irmã Annie Demerjian, que é natural da cidade e lá se manteve durante todos estes anos de calvário.

Para esta freira católica, o cessar-fogo traz uma nova esperança para a população. “Estamos muito contentes com este cessar-fogo e esperamos que seja um passo em relação à paz definitiva. As pessoas voltaram agora a respirar e renovaram a esperança”, diz.

Para trás, fica uma realidade de vida extraordinariamente dura, com meses a fio sem electricidade e sem água corrente. “A maior parte da cidade foi destruída e, para a maioria das pessoas, as condições de vida são muito baixas, por causa da falta de água e electricidade. Depois de cinco meses sem electricidade, agora temos durante uma ou duas horas por dia. Depois, é cortada outra vez. Tivemos sem água durante três meses. Consegue imaginar três meses sem água na cidade toda?”, questiona.

“Nem me refiro aos bombardeamentos. Muitas casas foram destruídas e muitas pessoas fugiram. Há muito medo e perdemos muitas pessoas, muitas famílias, crianças e jovens que morreram. Há ainda muitos feridos e pessoas que precisam de próteses”, adianta a irmã Annie.

Mesmo perante todas estas dificuldades, a religiosa encontra razões para dar graças a Deus. “Agora, a situação está mais calma. Temos água, mas não em toda a cidade. Algumas pessoas nunca chegaram a receber. Mas damos graças a Deus, esperamos que a situação permaneça calma e que as pessoas possam circular livremente.”

Depois de tantos anos de guerra, um dos períodos mais complicados foi mesmo antes de ser declarado o cessar-fogo, quando forças governamentais, apoiadas por ataques aéreos russos, conseguiram avançar, ao ponto de cercar a cidade, que continua dividida entre secções leais ao Governo de Damasco e outras nas mãos da oposição. Na altura, vários órgãos de imprensa manifestaram o receio de que, se o Governo cercasse completamente a cidade, as agências humanitárias ficariam sem forma de introduzir bens essenciais, mas, segundo Annie Demerjian, a verdade é precisamente o contrário: “Quando as forças governamentais cercaram Aleppo era possível às agências humanitárias entrar e sair. Mas quando o Estado Islâmico atacou a estrada deixámos de ter acesso a qualquer ajuda, como comida, combustível ou medicamentos.”

“Foi muito difícil para a cidade lidar com o corte da estrada, para além da falta de água e de electricidade, mas quando o Governo recuperou o controlo da estrada foi possível, novamente, introduzir todo o género de ajudas”, explica.

A guerra civil na Síria começou precisamente no dia 15 de Março de 2011, depois de várias semanas de protestos contra o regime. Actualmente existem vários grupos em conflito aberto, incluindo as forças leais ao regime, o autoproclamado Estado Islâmico, rebeldes curdos e até alguns grupos compostos por cristãos assírios, que actuam nas cidades onde esta comunidade tinha maior representatividade.