Há 17 anos que a taxa de desemprego não era tão baixa em Portugal, de acordo com números revelados esta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

O facto de, no segundo trimestre, o número de desempregados ter contraído para 6,3% da população trabalhadora, é uma boa notícia para as famílias, que assim recuperam algum rendimento. Também é uma boa notícia para as contas públicas e para a Segurança Social, que fica menos pressionada.

Contudo, os economistas e empregadores estão preocupados. Desde logo porque é cada vez mais difícil encontrar mão-de-obra qualificada no país. Veja-se o caso de Manuel Marques, mestre de uma traineira da Póvoa de Varzim. Precisa de pescadores para o seu barco. Mas pescadores nem vê-los.

"No fundo de desemprego não deve haver nenhum", conta à Renascença. "Ainda hoje vim de lá e não há pescadores preparados para trabalhar na nossa costa. Os poucos que há vão todos trabalhar para fora, têm melhores condições salariais.”

A preocupação é partilhada por Silva Peneda, ex-ministro do Emprego e antigo presidente do Conselho Económico e Social.

"É mais preocupação do que boa notícia", defende. "Em primeiro lugar, esconde-se o problema da produtividade e aí há o que fazer. Mas há uma coisa de que ninguém fala. Com essa taxa de desemprego, as empresas vão ter dificuldade em arranjar mão-de-obra. O que está a acontecer é que a Alemanha está a passar pelo mesmo problema e está a ir buscar mão-de-obra, por exemplo, a Portugal. A Alemanha abre a porta a toda a gente e portanto vai haver escassez de mão-de-obra e de mão-de-obra qualificada que seria aquela que interessaria às nossas empresas para aumentar a produtividade", refere à Renascença.

A tendência, acrescenta o ex-governante, é preocupante sobretudo por ser difícil de contrariar.

“Cada ano que passa vai ser mais complicado, porque neste momento a taxa de natalidade é baixa, a população ativa vai descer, enquanto os reformados estão a subir cada vez mais e são aqueles países que têm maior produtividade e mais [trabalhadores] competitivos que vão competir por melhores recursos. Os recursos humanos vão ser escassos e, portanto, quem melhor pagar é quem os vai ter.”

Mão-de-obra qualificada está a ser atraída para fora

É o caso da Alemanha ou de Inglaterra. Um caso gritante neste contexto é o dos enfermeiros, que demonstra que uma aproximação ao pleno emprego é uma moeda com duas faces.

"Quatro por cento já é considerado pleno emprego, neste momento já estamos praticamente em pleno emprego", refere Silva Peneda. "É uma boa notícia para quem tem emprego com salários relativamente baixos, porque eles tendem a aumentar com uma procura maior e, como há falta de recursos, é uma boa noticia. E é uma boa notícia para aqueles que são muito qualificados, porque vão ter ofertas tanto em Portugal, como no estrangeiro e há países que vão pagar mais.”

Em suma, a notícia é boa para as famílias, mas menos boa para as empresas portuguesas, que terão dificuldades acrescidas em segurar trabalhadores qualificados.

A juntar a isso, há uma outra equação a ter em conta: a taxa de crescimento do PIB é igual à taxa de crescimento do emprego mais a taxa de crescimento da produtividade. E a verdade é que o emprego está a crescer em Portugal, mas a essa variável não está associado um crescimento assinalável da economia nem um aumento da produtividade. Porquê?

“A questão da produtividade é fundamental", refere à Renascença o economista João Duque. "As pessoas são empregadas para trabalhos de pouco valor acrescentado. Aquilo a que estamos a assistir é: o emprego cresce a uma taxa superior à do crescimento da economia.”

E os salários? E o endividamento?

João Duque sublinha, ainda assim, que o crescimento do emprego é uma boa noticia... para os trabalhadores. E a escassez de mão-de-obra fará crescer os salários, sobretudo para os trabalhadores mais qualificados?

“Sim, em princípio sim. Aliás, essa é a melhor defesa, que é não haver bolsas de trabalhadores desempregados com as suas características, porque assim quando aumenta a procura isso terá realmente consequências nos salários das qualificadas.”

O que nos leva um último ângulo. Se há mais pessoas com trabalho em Portugal, porque é que o endividamento das famílias continua a aumentar? A pergunta foi dirigida pela Renascença a João Calado, do Gabinete de Orientação dos Consumidores do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

“O facto de as famílias terem melhores condições de vida, estarem empregados, etc., até os leva muitas vezes a adotar projetos que implicam financiamento. Portanto, continuam a endividar-se. O facto de terem melhor situação financeira não é necessariamente um indicador de que vão reduzir o seu nível de endividamento. Pode acontecer exatamente o contrário e é isso que está a acontecer normalmente.”

[Editado por: Joana Azevedo Viana]