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Cristãos iraquianos “cautelosamente felizes” com libertação das suas terras

22 out, 2016 - 15:00 • Filipe d'Avillez

A vila de Bartella já foi retomada ao Estado Islâmico e Qaraqosh, a maior cidade cristã do Iraque, deve ser libertada ainda este fim-de-semana. Aperta o cerco a Mossul.

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A maior cidade cristã do Iraque está prestes a ser libertada.

Qaraqosh, que fica nos arredores de Mossul, foi ocupada pelo Estado Islâmico em Agosto de 2014, tendo todos os seus habitantes fugido perante o avanço jihadista. Mas neste momento grande parte da cidade já foi recuperada, restando apenas algumas bolsas de resistência.

Nuri Kino, jornalista e activista dos direitos dos cristãos do Médio Oriente, espera que a cidade seja libertada ainda este sábado. “Bartella, uma vila que antes da chegada do Estado Islâmico tinha cerca de 30 mil pessoas, já foi totalmente libertada. Já recebemos imagens e vídeos dos sinos das igrejas a tocar. Claro que isto nos deixa muito satisfeitos.”

“Já em relação a Qaraqosh, recebemos fotografias da libertação do hospital principal, bem como os edifícios da câmara e da sede do exército iraquiano. Mas é difícil saber se já foi totalmente libertado ou não. Estamos a receber informações contraditórias. Há dois dias disseram-nos que tinha sido libertada, mas depois veio-se a saber que ainda restavam cerca de 20 atiradores furtivos e bombistas suicidas, que estavam a alvejar as pessoas. Também há muitas minas na cidade. Mas acreditamos que Qaraqosh será libertada ainda hoje”, admite Nuri Kino, a partir da Suécia, onde vive uma grande comunidade de cristãos desta região.

Os cristãos do Iraque e da Síria formam um só grupo étnico e são conhecidos variadamente como Assírios, Siríacos ou Caldeus, conforme as diferentes igrejas a que pertencem. São descendentes da nação Assíria, que tem um papel determinante na Bíblia, e são cristãos há quase dois mil anos. Vivem na região desde muito antes das invasões árabes e muçulmanas.

Segundo Kino, é com alegria mas cautela que estão a ver as notícias da libertação das terras ao redor de Mossul, por uma coligação de forças militares que inclui o exército iraquiano, forças especiais americanas, soldados curdos e também algumas milícias cristãs.

“Claro que depois de dois anos de ter o Estado Islâmico nas nossas casas, estamos muito felizes por ver isto. Mas estamos também cautelosos, porque nunca se sabe como é que as coisas vão correr”, afirma, referindo-se à surpreendente incursão, na sexta-feira, de elementos do Estado Islâmico em Kirkuk, uma importante cidade iraquiana que estava sob controlo dos peshmerga, os soldados curdos. Após algumas escaramuças os curdos voltaram a assegurar o controlo da cidade, mas o ataque serviu de aviso contra a ideia de que a libertação de Mossul seja um mero passeio de sentido único.

Administração autónoma para poder regressar

Ainda assim, parece uma questão de tempo até que Mossul seja libertada, o que enfraquecerá, se não mesmo eliminará, a presença do Estado Islâmico no norte do Iraque. Se isso acontecer, os cristãos poderão voltar para as suas terras e tentar retomar a relativa normalidade que foi brutalmente interrompida no Verão de 2014 quando a cidade caiu, praticamente sem resistência, perante o avanço do Estado Islâmico.

“Depois da libertação há muito por fazer para que o nosso povo possa voltar para a Planície de Nínive, onde se encontram Bartella e Qaraqosh. O eurodeputado sueco Lars Adaktasson vai apresentar uma resolução no Parlamento Europeu sobre a autonomia administrativa da Planície de Nínive, e outras duas províncias no Norte do Iraque, para que estas pessoas possam recuperar a sua dignidade e governar as suas próprias terras, ou pelo menos ter algum poder nas suas administrações, para que os habitantes sintam a confiança necessária para regressar. O mesmo está a acontecer em Washington”, refere Nuri Kino.

Os cristãos sabem bem que se, ou quando, o Estado Islâmico deixar de ser um inimigo comum, os curdos e a administração central do Iraque disputarão a posse da Planície de Nínive. Os curdos querem incluí-la na sua própria região autónoma, mas Bagdad não pretende largar mão de um território grande e importante. Os cristãos e outras minorias cristãs temem ficar presos no meio deste potencial conflito.

“Isto está a decorrer desde a queda de Saddam, não é nada de novo. Não é uma questão de ter medo de que isso aconteça, é já um facto há mais de uma década. É precisamente por isso que pedimos autonomia, para não sermos apanhados no meio”, diz Kino.

O avanço sobre Mossul tem continuado a bom ritmo, com várias aldeias e vilas a serem retomadas pelas diversas forças que estão envolvidas no ataque. A coligação procura assegurar todo o território em volta da segunda maior cidade do Iraque antes de lançar o assalto final.


Os sinos de Bartalla tocam novamente, pela primeira vez em mais de dois anos

Comentários
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  • Também gostava...
    22 out, 2016 lisboa 15:17
    Oa cristãos europeus também gostavam imenso de vêr as suas terras libertadas....mas está complicado...

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