11 mai, 2024 - 08:00 • Sandra Afonso , Arsénio Reis
As empresas “têm de reforçar” o investimento em segurança e prevenção contra a cibercriminalidade e “será uma fatura pesada”, alerta o presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC).
Em entrevista ao programa da Renascença Dúvidas Públicas, Rogério Carapuça sublinha que “esta luta vai ser cada vez mais difícil”. Com o progresso tecnológico e as novas ferramentas hoje disponíveis, os ataques são cada vez mais elaborados e o utilizador vai ter cada vez mais dificuldade em “saber distinguir coisas”.
O presidente da APDC dá como exemplo uma das mais recentes fraudes, em que os pais recebiam mensagens escritas supostamente dos filhos, que estariam em dificuldade e a precisar de dinheiro. Começavam sempre por “olá pai” ou “olá mãe”.
No futuro, “imagine que é a cara do seu filho, com a voz do seu filho, a pedir uma coisa”, o que Rogério Carapuça acredita que “vai aparecer”.
Para o presidente da APDC, é essencial que os utilizadores sejam ensinados a protegerem-se e esta formação deve começar logo no ensino básico.
Este ano o 33º Congresso anual da APDC é dedicado à inteligência artificial e como esta vai afetar a nossa economia e sociedade.
Rogério Carapuça não tem dúvidas de que estamos a assistir a uma revolução na produtividade, mas não só. No ensino, por exemplo, só agora vamos perceber como as novas tecnologias vão transformar a educação e formação.
De acordo com o presidente da APDC, é necessário rever os modelos de ensino e aprendizagem. A verdadeira revolução nas escolas, como consequência da introdução da Inteligência Artificial, vai arrancar.
Escola Digital
Coordenador da comissão de acompanhamento do Plano(...)
Até aqui as escolas limitaram-se a integrar equipamentos para fazer o mesmo mas de forma digital. O que “não era uma transformação digital, mas uma transição digital”, explica.
Agora as escolas vão ter instrumentos de produtividade, como o ChatGPT, que vão “colocar em causa o professor como fonte do conhecimento”. Vamos assistir a uma verdadeira revolução no ensino, sustenta.
Outra revolução que a IA já está a introduzir é no mercado do trabalho. Rogério Carapuça diz que é muito difícil quantificar quantos empregos serão destruídos com a inteligência artificial e se os que serão criados serão suficientes para os substituir: ninguém o pode dizer neste momento “com exatidão”.
No entanto, também acrescenta que é certo que esta é uma revolução muito rápida, que vai chegar a tudo e a todos e que exige formação. “Garantidamente, porque aconteceu nas (revoluções) anteriores, as pessoas têm que se qualificar e rapidamente, porque esta tecnologia avança muito mais rápido e é transversal, ou seja, vai afetar tudo”.
Nesta entrevista deixa ainda o aviso que quem não se atualizar estará menos qualificado para os postos de trabalho que vão aparecer.
A curto-médio prazo, Rogério Carapuça acredita que vamos assistir ao crescimento do emprego nas áreas emocionais, onde é preciso o contacto com pessoas.
Os empregos vieram da agricultura para a indústria e depois passaram para os serviços, o próximo salto é para as chamadas áreas emocionais, como saúde e bem-estar. As áreas transacionais, como mover dinheiro, vão ser automatizadas rapidamente.
Questionado sobre a dimensão das empresas do setor das telecomunicações, o presidente da APDC diz que Portugal tem um problema crítico para resolver: a falta de escala das empresas nacionais, mas “este é um problema nacional”.
Rogério Carapuça critica ainda o orgulho nacional em sermos uma economia de PME, quando isso “é um problema, não é uma vantagem”.
Como solução, defende tudo o que possa ajudar as empresas a ganharem dimensão, desde fusões e aquisições a outras medidas.
Sobre o caso concreto da Altice, antiga PT, neste momento em processo de alienação, prefere não comentar. Rogério Carapuça lembra, no entanto, que a venda de empresas é um processo natural, “os operadores fazem o seu caminho” e “o mercado corrige quaisquer coisas que possam não ser ideais, do ponto de vista de concorrência ou outras”.
À Renascença, Rogério Carapuça defende ainda que o mercado não tem espaço para mais um grande operador de telecomunicações. Ainda assim, admite que a entrada dos romenos da Digi, que está iminente, terá impacto nos preços. O problema é que não há margem para grandes alterações.
Sobre o 5G, garante que as empresas estão a recuperar do atraso imposto pelo leilão e pela forma como foi conduzido, mas renova as críticas a todo o processo.
Diz que Portugal não aproveitou os 50 anos de liberdade para se desenvolver, embora este setor até seja uma das excepções.
No geral, a formação e a ciência correu bem e o país “deu um salto qualitativo”, as pessoas hoje são mais móveis e mais qualificadas, competimos com o melhor que se faz lá fora. No entanto, a economia não acompanhou este desenvolvimento.
O país ficou preso nos “30% da nossa vergonha, que são 30% de pobres e 30% de jovens que querem ir para fora de Portugal”. Porquê? “Porque a nossa economia não ganhou escala, não se desenvolveu, porque não há projetos suficientemente interessantes e iniciativas tecnicamente desafiantes como noutras economias”. Garante que “não é só um problema de salários, como por vezes se quer reduzir o tema”.
Não comenta o PRR, porque pertence à Comissão de Acompanhamento, e remete para o final do semestre informações atualizadas sobre a execução da chamada bazuca.
Ainda assim, o presidente da APDC defende que os próximos fundos europeus, como o Portugal 2030, devem ser “aproveitados essencialmente para a transformação digital das empresas, porque isso é fundamental para a produtividade”. Esta é uma das mensagens que vai ser deixada na próxima semana, no 33.º Congresso da APDC, que se realiza nos dias 14 e 15 de maio, em Lisboa.
Rogério Carapuça está contra políticas protecionistas, como a decisão dos Estados Unidos de proibir a rede social chinesa TikTok ou a decisão do governo português de limitar o negócio da Huawei.
“Não devemos ter políticas protecionistas. Se há questões técnicas que devem ser colocadas à empresa, devem ser, se forem questões que devem ser fiscalizadas por técnicos, devem ser.” Mas isto é diferente de “atitudes protecionistas”.
No entanto, também sublinha que “questões técnicas ou o que se faz com a informação, todas as empresas têm de saber responder, se não souberem são sancionadas por isso.”
Alerta que a Europa está a ficar para trás no digital, em comparação com os Estados Unidos ou a China, pelo que é necessário um acompanhamento mais próximo das grandes empresas do setor.
O presidente da APDC comenta ainda o regresso dos reguladores ao congresso anual da Associação, num ano em que tanto a ANACOM como a ERC têm novas direções. Admite que nem sempre foi possível o diálogo, mas este é um convite natural.
O 33º Congresso da APDC realiza-se já na próxima semana, a 14 e 15 de maio, e este ano vai também assinalar os 40 anos da Associação. Conta com a presença dos líderes de várias empresas do setor, académicos, investigadores, reguladores, membros do governo e do Presidente da República.
Esta entrevista do presidente da APDC, Rogério Carapuça, ao programa Dúvidas Públicas da Renascença é transmitida este sábado, entre as 12h e as 13h.