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Feira do Livro de Buenos Aires

Lídia Jorge: “Não quero morrer com a ideia de que não falei o suficiente”

03 mai, 2024 - 22:00 • Maria João Costa

Na Feira Livro de Buenos Aires, a cidade de Lisboa, a convidada de honra desta edição do evento trouxe Lídia Jorge ao encontro dos argentinos. Na conversa, a autora desfiou memórias de infância, falou da sua família argentina, do 25 de Abril e do que quer ainda escrever.

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Pela minha idade sei que não vou escrever muito mais livros, mas não quero desperdiçar livros e papel”, diz Lídia Jorge aos 77 anos. A autora que participa na representação da cidade de Lisboa, na Feira do Livro de Buenos Aires, considerou que já não fazem falta livros líricos.

A autora de “Dia dos Prodígios” que começou por assumir que escreve “sobre o desencontro”, admitiu que tinha em curso um livro em 2019 que deixou a meio. Agora explica está a “escrever coisas dispersas”.

Depois da pandemia, escreveu “Misericórdia”, o livro que a sua mãe que morreu de Covid-19 lhe tinha pedido para escrever. É um dos seus livros mais pessoais, confessa. No entanto quando regressou ao livro que tinha começado antes admite: “já não o encontrei”.

Aos argentinos, Lídia Jorge explicou que não fora só ela que tinha mudado. O mundo também se tinha transformado, nomeadamente com a guerra na Europa.

“A Guerra da Ucrânia quebrou um ideal que tinha. Pensava que a Europa já não ia ter uma guerra assim”, lamenta a autora.

“Parece-me que a história da Humanidade são guerras sucessivas. Antes pensava que a Humanidade era paz, com guerra pelo meio”. Esta mudança tem levado a autora a sentir uma urgência da escrita. “Não quero morrer com a ideia de que não falei o suficiente”, afirmou.

Não quero morrer com os jovens, os meus sobrinhos, os neto a serem seduzidos por coisas que no passado fizeram milhares de vítimas

Lídia Jorge que explicou ao público presente e que a ouviu emocionado que o livro “Misericórdia é um livro sobre a resistência”, apontou ainda a existência de “uma espécie de anel, à volta do mundo, daquelas que são contra a democracia. Eles estão unidos”, rematou.

Enaltecendo a forma como em Portugal foram celebrados os 50 anos do 25 de Abril de 1974, Lídia Jorge indicou que “80 por cento olha para esta revolução como um exorcismo da ascensão das extremas direitas na Europa”.

Há uma espécie de luta para a que memória não passe”, indicou acrescentando que “as pessoas têm medo das autocracias” e que “os que querem as autocracias estão unidos”. Olhando para Portugal, Lídia Jorge acha que “as universidades, teatros, cinemas e instituições estão cheias de jovens que percebem que é melhor viver numa democracia imperfeita do que em autocracias perfeitas”.

Numa conversa moderada pela jornalista argentina Débora Campos, Lídia Jorge falou ainda dos tempos antes da Revolução dos Cravos. “Portugal era um país pobre, havia perseguições políticas”. Recordou que fazia “visitas a bairros de lata”. “Lembro-me do cheiro da pobreza” recordou.

“As pessoas viviam com os pés em chão de terra, as crianças que não tinham uma toalha para se limpar”, relembrou Lídia Jorge que percorreu também as suas memórias de infância. “A casa de infância era num país onde as lojas tinham duas balanças, uma para comprar outra para vender e onde as mulheres eram subjugadas”.

Essa infância e o tempo que passou em África considerou-os “momentos que são fermento para a vida” e que a ajudam a viver. “As palavras vêm ao meu encontro. Se não as encontro não sou nada. Quando as encontro é um triunfo pessoal. Dá-me uma alegria”, explicou a autora que começou a ler muito cedo, inventando também as suas histórias

Da infância recorda: “Os momentos mais maravilhosos eram com os livros. Na infância não tinha amigos para me divertir, tinha um monte de livros que a avó herdou do bisavô e foram uma porta para a fantasia”, explicou a uma plateia onde tinha a sua irmã, filha do mesmo pai, e que vive na Argentina.

Lídia Jorge reconheceu que “a relação com a literatura da América Latina foi importante” para o seu imaginário. “Não encontrei nos modelos universitários, exemplo”, explicou. “Eu queria falar dessa gente que não tinha nada, e, foi quando li Garcia Marques e Pedro Paramo que vi que falavam das minhas pessoas. Eram fábulas literárias”, recordou na Feira do Livro de Buenos Aires.

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  • EU
    04 mai, 2024 PORTUGAL 10:03
    Eu costumo dizer que não gosto de viver na MENTIRA, mas sim, dizendo sempre a VERDADE. E essa verdade NINGUÉM a quer SABER. É triste, não é?

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