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Sérgio Ramirez. "Um livro não muda o mundo, mas pode pôr as pessoas a pensar”

21 fev, 2019 - 17:00 • Maria João Costa

“Já Ninguém Chora por Mim” é o novo livro do escritor Sérgio Ramirez, antigo vice-Presidente da Nicarágua. A obra é lançada em Portugal no Festival Correntes d’Escritas, onde a Renascença entrevistou o autor. Corrupção, a politica na América Latina e Maduro são alguns dos temas de uma conversa com literatura à mistura.

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Já foi vice-presidente da Nicarágua, mas deixou a política e dedica-se hoje à escrita. O autor Sérgio Ramirez está em Portugal, para participar na 20.ª edição do Festival Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, onde vai lançar o seu novo livro “Já Ninguém Chora por Mim”.

O escritor que venceu em 2017 o Prémio Cervantes - um dos mais importantes galardões da língua espanhola - tem como protagonista do seu novo livro um velho inspetor que investiga as malhas da corrupção. Dolores Morales é “um pobre inspector privado” a quem um milionário paga para encontrar a filha desaparecida.

O enredo de “Já Ninguém Chora por mim” leva o leitor a mergulhar nos “subterrâneos da Nicarágua”, explica o autor, em entrevista à Renascença.

A literatura de Ramirez está contaminada pela política tal como, no seu entender, a democracia está contaminada pela corrupção.

“Já não podemos dizer que a esquerda é ética e a direita é a mãe da corrupção, não. Houve governos de direita e esquerda igualmente corruptos. Esta é uma doença que não respeita cores”, diagnostica Sérgio Ramirez.

Sérgio Ramirez combateu a ditadura na Nicarágua, integrou a revolução sandinista que fez cair a ditadura do último Somoza e foi eleito vice-presidente em 1984, quando apoiou a candidatura de Daniel Ortega. Contudo, o distanciamento político levou-o a colocar um ponto final na sua carreira em 1996, passando a dedicar-se às letras.

No entanto, não deixou de ser um espetador atento. A atual situação da Nicarágua preocupa-o e Ramirez é crítico do atual presidente, Daniel Ortega. na Nicarágua, há “um poder contaminado, corrupto e sanguinário".

"Só no ano passado, houve mais de 600 jovens que foram assassinados”, diz. "Não se pode evocar a palavra revolução para uma repressão tão selvagem” como a vivida na Nicarágua.

O escritor deteta uma pobreza de liderança politica no mundo. Da Venezuela ao Brasil, passando pela Europa, Sérgio Ramirez considera que “a democracia se tornou, não só na América Latina, numa questão de técnica de mercado. Da mesma forma que uma dona de casa escolhe um detergente, um votante compra um candidato” e isso “é parte do problema, dos Estados Unidos ao Brasil”.

Ramirez vai mais longe e questiona também o que está a acontecer na Europa. “O que propõem os coletes amarelos?” interroga-se o escritor que responde, de seguida: “É difícil sabê-lo. Só sabemos que há uma força do cansaço das pessoas com o sistema.”

Na Venezuela, diz Ramirez, a comunidade internacional será estratégica para uma mudança política. O autor analisa, contudo, a riqueza petrolífera e mineral do país liderado por Maduro e conclui: “Parece-me trágico que num pais rico, agora haja fome e falta de saúde. Também me parece trágico que o fim de Maduro tenha que depender de uma intervenção estrangeira.”

Questionado sobre se será a literatura uma arma no mundo de hoje, o Prémio Cervantes 2017 conclui: “Infelizmente, não acho que um livro possa mudar o mundo, mas acho que o livro pode pôr as pessoas a pensar”.

O livro “Já Ninguém Chora por Mim”, que marca o regresso do Sérgio Ramirez à saga da vida do inspector Dolores Morales, já está nas livrarias portuguesas com a chancela Porto Editora.

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