A+ / A-

Feira do Livro de Buenos Aires

Argentinos “compram livros, porque, amanhã, o dinheiro vai valer muito menos”

07 mai, 2024 - 05:30 • Maria João Costa

Última semana da Feira do Livro de Buenos Aires. O que mais surpreender a curadora portuguesa foi a venda dos livros em português. Carla Quevedo considera que Lisboa veio “a Buenos Aires começar alguma coisa”, mas admite que ainda vão “ter de perceber qual é”.

A+ / A-

Faltam seis dias para terminar a Feira do Livro de Buenos Aires, na Argentina, em que Lisboa é a cidade convidada e a curadora da presença portuguesa, Carla Quevedo, considera que Lisboa foi "a Buenos Aires começar alguma coisa”, embora ainda seja necessário “perceber qual é” essa "coisa".

Se, por um lado, o presidente da Câmara de Lisboa saiu da capital argentina com uma série de trabalhos para casa, que passa pela ideia de implementar um programa de residências literárias e incentivar um projeto de traduções, Carla Quevedo considera que a passagem por Buenos Aires representa o “início de algo muito promissor”.

Nos dias de feira, o centro das atenções dividiu-se entre o espaço da livraria e a zona de conversas com os autores portugueses. Notaram-se as ausências de nomes de peso, como Francisco José Viegas e Isabela Figueiredo, que, por razões de saúde, não puderam deslocar-se a Buenos Aire, e Afonso Reis Cabral que por motivos pessoais também acabou por ficar em Lisboa.

No que toca à livraria, a curadora, Carla Quevedo, diz, em entrevista à Renascença, que foi o dado que mais a surpreendeu. “Superou as minhas expectativas que confesso, já eram altas, mas o que tem acontecido tem sido extraordinário”, aponta.

O que me surpreendeu foi a venda de livros em português. Sinceramente. Porque a participação do público eu sabia que ia ser assim. Isso não me surpreendeu, porque conheço um pouco o público argentino. Mas ao ponto de comprarem livros em português, como estão a fazer, isso, de facto, surpreendeu-me”, diz Quevedo.

Na livraria, a maioria dos livros era de edições portuguesas, algumas de autores que nem sequer foram convidados a estar na feira. Os livros que não forem vendidos até ao final do evento serão doados ao Clube Português de Buenos Aires e a bibliotecas argentinas, confirmou o presidente da autarquia lisboeta, Carlos Moedas.

No que toca ao público, o espaço do pavilhão de Lisboa na feira teve sessões cheias e outras praticamente sem público, sobretudo as que tiveram lugar num horário mais de início de noite. Quanto a quem se sentou para ouvir foi possível identificar pessoas que marcaram presença repetidas vezes.

Eu não sabia que havia tantos falantes de português”, diz Carla Quevedo. “Temos aqui algumas pessoas que vêm todos os dias. Já reconheço algumas caras. Há mesmo uma senhora que pede sempre para lermos em português, por exemplo."

Questionada sobre o que seria um bom resultado no último dia da feira, Carla Quevedo é categórica: “A livraria estar vazia!”. Mas a responsável pela programação diz, de seguida, que “seria maravilhoso, mas não vai acontecer, obviamente”.

“Para mim, o sinal do sucesso já está à vista. Na verdade, é uma ampla participação das pessoas. É a muita curiosidade. As pessoas intervêm em quase todas as conversas, fazem perguntas, estão curiosas, querem partilhar as suas experiências e isso para mim já é fantástico”, sublinha.

Questionada sobre a escolha dos escritores que não são de Lisboa para esta embaixada cultural que incluiu também músicos como Rodrigo Leão ou Artur Pizarro, que deu um recital no icónico Teatro Colón, Carla Quevedo justifica as escolhas dizendo que o local de nascimento não foi critério.

“Essa não foi realmente uma preocupação, porque não quis discriminar os escritores pelo local de nascimento. Quis que tivessem uma relação de escrita com Lisboa, de vida, que tivessem feito a sua formação em Lisboa. Interessava, mas que trabalhassem em Lisboa e que tivessem uma relação do ponto de vista criativo."

De fora ficaram nomes como Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe ou João Tordo que estão traduzidos para a língua de Cervantes e cujos livros, em alguns casos, estavam à venda na feira que recebe por dia famílias, e muitos jovens na procura de livros.

No entanto, há muitas queixas sobre os preços dos livros na Argentina. Curiosamente, na livraria de Lisboa na feira, muitos livros eram mais baratos do que em espaços de editoras argentinas.

A perceber-se a crise que a Argentina atravessa percebeu-se que ao longo dos dias as entradas na feira foram aumentando. Depois dos argentinos terem recebido salário, começaram a ir à feira em maior número.

Conhecedora da realidade argentina, Carla Quevedo afirma: “É evidente que agora estamos num momento difícil, isso é inegável. Há muita gente que está a passar mal, e vê-se isso, nota-se nas ruas."

No entanto, a curadora também diz que não sabe “o que é que os argentinos têm".

"Há uma espécie de alegria estrutural, de viver, talvez por não saber o dia de amanhã, vivem intensamente o dia. O dia da manhã já vai trazer outras novidades, isto aqui é muito rápido. Compram os livros, vão ler, porque amanhã, se calhar o dinheiro vai valer muito menos ou mesmo metade”, aponta.

“Na verdade, a Argentina está em crise há muitas décadas. Há uma resiliência, essa palavra que nós ouvimos tantas vezes, mas que eu vi aqui, não só agora, nesta fase que estão a viver, mas antes também. A crise realmente não é de agora. A Argentina está em crise há muitas décadas, o que é pena”.

Carla Quevedo considera os argentinos “um povo extraordinário”, porque apesar da crise que enfrentam vão à feira do livro.

“Estamos numa feira cheia. As pessoas estão a comprar, estão a ver, estão a ler, a assistir às conversas, têm curiosidade, não se deixam invadir por todos os problemas que têm, que são muitos. Sem dúvida nenhuma, acho que temos muito aprender aqui”, ramata Carla Quevedo.

Saiba Mais
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+