26 jul, 2024 - 06:30 • Liliana Carona
“Estamos a observar uma pirisca de cigarro”, aponta Pedro Conde, ao mesmo tempo que tenta fotografar a lagartixa da montanha. A foto já não será a mesma, mas Pedro, 39 anos, fotógrafo do concelho de Seia, não deixa de registar a quantidade de lixo que vai observando, principalmente nos pontos mais turísticos e em altura de grandes eventos.
“Quando há eventos desportivos, nomeadamente da Volta a Portugal em Bicicleta, há tendência a acumular e a deixarem ficar o lixo, inclusivamente há umas fotografias minhas que se tornaram virais há três anos. E o facto é que no dia a seguir a eu ter divulgado, aquilo já estava limpo”, recorda Pedro Conde.
O fotógrafo observa ainda outro tipo de material deixado por quem visita a Serra da Estrela. “Há objetos maiores, por vezes monos, deixados em qualquer lado. E aí tem um impacto visual grande”, observa.
Muito deste lixo avistado por fotógrafos de natureza da região foi recolhido por voluntários e voluntárias como Joana Viveiro, 44 anos, coordenadora do Movimento Estrela Viva (MEV). A associação foi criada em 2017, após os incêndios florestais, com vista ao desenvolvimento do território de forma sustentável, valorizando a componente ambiental, económica e social.
Há quatro anos que desenvolvem a atividade de "plogging" (caminhada com recolha de lixo). A última decorreu a 13 de julho e juntou os sapadores do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a equipa de busca e resgate em montanha da GNR e os investigadores do projeto EcoLab_Estrela, desenvolvido pelo Centre for Functional Ecology – Science for People & the Planet, da Universidade de Coimbra.
Este projeto está a desenvolver um trabalho de quantificação de microplásticos nas lagoas da Serra da Estrela e os resultados, que serão divulgados em breve, preocupam Joana Viveiro. “De facto, nas lagoas, há uma quantidade elevada de microplásticos, já têm alguns dados e vão partilhá-los em breve, mas é assustador saber que aquela água depois vai ser consumida por todos nós”, alerta.
Na ação de "plogging", os voluntários encontraram de tudo. “No ano passado recolhemos cerca de 200 kg, este ano andámos numa outra zona onde havia mais plástico e, portanto, o peso não foi tanto, mas eu diria cerca de 100 kg. Encontrámos, por exemplo, duas ou três chapas metálicas, que voaram dos edifícios da Torre, que estão a degradar-se, beatas, copos de plástico de cafés, latas de refrigerantes, plásticos de trenós e muito vidro”, lamenta Joana Viveiro.
A coordenadora do MEV aponta dois motivos para a aglomeração de lixo: “Continua a haver falta de ecopontos na Torre, caixotes de lixo”, denuncia, acrescentando que “a quantidade de pessoas que se desloca até ao cimo da Serra da Estrela é enorme e as pessoas também não têm esse civismo. Portanto, por um lado a falta de civismo e por outro lado a pouca vontade de haver uma articulação entre poder local e a entidade exploradora. E não há, de facto, guardas vigilantes da natureza que consigam dar resposta a este massacre”, conclui.
As mariolas, começa por descrever Joana Viveiro, “são no fundo aqueles conjuntos de pedras que se colocam uns em cima dos outros, muito usados, já são um símbolo ancestral para marcar percursos dos pastores”. Só que os visitantes tendem a construir as suas próprias mariolas ou até a destruir as existentes. “As pessoas chegam à Torre e fazem uma mariola, pronto. E pode confundir, nomeadamente nas zonas onde há nevoeiro, os próprios pastores que estão no caminho de transumância”, avisa.
Recusando posturas fundamentalistas e assumindo que tem de haver exploração turística, Joana Viveiro não deixa, contudo, de se entristecer com o cenário atual. “Quando chego àquela rotunda da Torre e vejo beatas e copos de plástico e vejo que é lixo recente, fico incrédula. E estava em conversa no outro dia com visitantes que me perguntaram: isto é Parque Natural?”