Há riscos de saúde pública na caça de javalis

01 abr, 2015 • Olímpia Mairos

Estudo mostra que os javalis são potenciais reservatórios da bactéria responsável pela doença de Lyme que afecta sistema nervoso central, entre outros órgãos e sistemas, com sintomas semelhantes aos da esclerose múltipla e até de fibromialgia.

Um grupo de investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Universidade Nova de Lisboa chegou à conclusão que existem "riscos elevados para a saúde pública na caça aos javalis".

Após um estudo considerado "inédito", os investigadores chegaram à conclusão que "os javalis são potenciais reservatórios da bactéria responsável pela doença de Lyme, que afecta o sistema nervoso central, com sintomas semelhantes aos da esclerose múltipla e até de fibromialgia".

Maria das Neves Paiva Cardoso, do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB) da UTAD, explica que "a infecção ocorre através da mordedura de uma carraça infectada que habita áreas florestadas", acrescentando que "durante a caça ao javali, assim que o animal é morto, a carraça procura imediatamente um novo hospedeiro".

Os cientistas alertam, por isso, para o "risco elevado de saúde pública", não só para os caçadores, mas também para as pessoas que trabalham ou efectuam actividades de lazer ao ar livre, em espaços agro-florestais.

Para evitar o contágio, os investigadores aconselham os caçadores a "manipularem os animais com luvas, colocar as meias por fora das calças e, ao chegarem a casa, verificarem se têm carraças no corpo". Já os cães "devem estar desparasitados externamente e utilizar coleiras repelentes".

"Outro problema é que, depois do leilão, os caçadores transportam o javali dentro do carro que, muitas vezes, é a viatura da família. As carraças vão ficar no jipe e podem lá sobreviver durante vários meses", alerta Maria das Neves Cardoso.

Doença subdiagnosticada
A investigação revelou a presença de ADN da bactéria em três dos 90 javalis analisados.

Maria Luísa Vieira, investigadora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, diz que "os dados agora conhecidos são muito promissores e um estímulo para prosseguir a investigação da Borreliose Lyme [doença de Lyme], de modo a conhecer-se mais sobre o modo de transmissão da bactéria aos humanos e animais domésticos e selvagens, e com vista à redução dos riscos para a saúde pública".

A especialista sublinha ainda que esta descoberta "era perseguida há anos, e sem sucesso, por várias equipas de investigadores estrangeiros" e considera que a doença de Lyme está "subdiagnosticada no país e, por isso, pouco reportada".

A infecção ocorre através da mordedura de uma carraça infectada e os sintomas mais comuns da doença são a fadiga generalizada, inchaço dos gânglios linfáticos próximos da zona de mordedura, mal-estar, dores de cabeça, por vezes febre e calafrios, rigidez do pescoço, dores musculares e articulares, podendo ocorrer paralisia facial e outros distúrbios do sistema nervoso central.

Mais de 360 mil casos na Europa nos últimos 20 anos
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde e do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo das Doenças, nos últimos 20 anos foram detectados mais de 360 mil casos de doença de Lyme na Europa.

O diagnóstico de referência da doença em Portugal só está disponível na área de Lisboa, mas os investigadores consideram que Trás-os-Montes apresenta "fortes argumentos" para a instalação de uma unidade equivalente.

"Uma unidade especializada de diagnóstico de BL vai permitir um diagnóstico mais rápido e avanços na investigação, nomeadamente perceber que outros animais domésticos e selvagens são hospedeiros de carraças infectadas, e que impacte podem ter na saúde pública", considera Maria das Neves Paiva Cardoso, acrescentando que "a região tem uma grande área agroflorestal com condições ideais para o desenvolvimento da carraça e a caça é uma actividade com enorme peso económico".