Alcafozes. A fé dos trabalhadores do céu

23 ago, 2014 • José Bastos

Comunidade aeronáutica ruma a localidade do concelho de Idanha-a-Nova para um fim-de-semana de grande devoção a Nossa Senhora do Loreto.

Alcafozes. A fé dos trabalhadores do céu

A comunidade aeronáutica vive este fim-de-semana um momento único: as cerimónias religiosas das Festas de Nossa Senhora do Loreto, a Padroeira Universal da Aviação. Espaço anual de exaltação da fé colectiva, mas também de “recolhimento pessoal”, faz notar Maria Emília Macedo, da organização.

“O apelo de Alcafozes é um apelo de fé. É algo que nos é intrínseco. Não sei se é por andarmos sistematicamente perto do céu que nos habituamos a esta proximidade a Nossa Senhora do Loreto”, afirma Maria Emília Macedo, neste fim-de-semana em que todas as ‘rotas aéreas’ vão dar à localidade do concelho de Idanha-a-Nova.

“É um momento de exaltação de fé colectiva, mas com uma componente também muito pessoal”, indica a supervisora de cabine da TAP, em parceria com a paróquia local, há décadas activa na organização e impulso das celebrações que unem portugueses a trabalhar no céu.

Os profissionais da aviação militar e civil reúnem-se anualmente em dois momentos de grande simbolismo e participação. Em Alcafozes, Castelo Branco, no final de Agosto, e no Chiado, em Lisboa, no domingo mais próximo do dia 10 de Dezembro – dia de Nossa Senhora do Loreto -, na Igreja de Nossa Senhora do Loreto, também conhecida como Igreja dos Italianos.

Desde 1959 que a pequena aldeia da Beira Baixa está assinalada no radar pessoal de tripulantes de voo (pilotos, técnicos de voo e tripulantes de cabine).

Em Alcafozes desconhece-se a origem do aparecimento da imagem da Senhora do Loreto na região, mas sempre lhe foi dedicada uma enorme devoção.

A proximidade de Tancos, primeiro, a predominância na TAP de pilotos vindos da Força Aérea, a seguir, ajudam a explicar a ligação histórica do mundo da aviação ao Santuário de Alcafozes.

No seio da comunidade aeronáutica a estabilização das Festas em ‘velocidade de cruzeiro’ viria com o envolvimento da Associação Portuguesa dos Tripulantes de Cabine (APTCA), sempre com Maria Emília Macedo na ‘torre de controle’.

“Cerimónias vão ser muito bonitas”
Com o plano de voo já aprovado, centenas de portugueses de todos os quadrantes da aviação ‘voam’ então em corredores terrestres (e aéreos) com aterragem prevista para Alcafozes a 23, 24 e 25 de Agosto.

“A Força Aérea vai estar em peso. Quando acaba a missa e se começa a organizar a procissão passam os F16 da FAP, voando em cruz, por cima do cortejo”, antecipa Maria Emília Macedo.

“A seguir, surgem os aviões pequeninos que vêm do Aeródromo de Castelo Branco sobrevoando a procissão e atirando flores para cima do andor da Nossa Senhora no percurso de todo o cortejo.”

“Quando a Nossa Senhora volta a entrar no terreiro do Santuário há um colega nosso que está em ‘hold’ e que faz acrobacias aéreas. É uma cerimónia muito, muito bonita”, garante.

“Partilhamos uma vida de risco permanente”
No céu há bem mais a unir que a separar as várias profissões do ar. “Não é uma questão de dizer que temos uma consciência de grupo muito fechado. Não é isso. Na profissão vivemos muito uns com os outros”, explica Maria Emília Macedo.

“Até não precisamos de pertencer às mesmas companhias. Partilhamos uma vida em que estamos em permanente risco com uma responsabilidade muito grande: as pessoas estão-nos entregues.”

“Temos - em todo o mundo - a mesma formação. Não sei se é isso que nos une...talvez”, sugere. “Temos este elo que nos liga a todos: o de andar lá em cima, no céu. Os anjos voam. Vivemos muito uns com os outros. Tudo isto nos une”. O tom de Maria Emília Macedo, aqui, é assertivo.

“Na missa, há um momento em que são lembrados os que, como costumamos dizer, descolaram para a eternidade. Os que foram enriquecer o exército de Nossa Senhora do Loreto”, refere a supervisora de cabine da TAP.

“É um momento arrepiante que, normalmente, põe a assembleia a chorar”, lembra Maria Emília Macedo no ano em que, entre outras, a dupla tragédia da Malaysia Airlines acentua a componente de desventura impossível de distanciar, para sempre, deste universo particular.

"Missa do Padre Paulo Duarte será emocionante"
Mas as aterragens suaves, felizmente, superam os momentos de turbulência numa profissão de enorme preparação, exigência e entrega. Nos “cockpits”, cabines ou, também, em Alcafozes.

Nos festejos de 2003, o comissário de bordo Paulo Duarte, da Portugalia Airlines, consagrou a sua vida a Cristo durante a Missa Solene. O comissário entregou à Padroeira a sua meia asa e as divisas. Foi ordenado sacerdote jesuíta a 5 de Julho de 2014, na Sé Nova de Coimbra.

“Há esses momentos de alegria. O Paulo foi ordenado na Sé Nova de Coimbra, e fez a chamada Missa nova, na sua cidade, em Portimão. Em ambas as cerimónias, nós, os seus colegas, estivemos presentes e fomos cantar”, indica Maria Emília Macedo.

“Este ano a missa solene de encerramento, na segunda-feira será presidida pelo Padre Paulo Duarte, porque o Padre Adelino, de Alcafozes, oferece-lhe a presidência da cerimónia. Para nós é outro momento alto de muita emoção”, faz notar.

“Hoje estas celebrações são muito mais conhecidas. Por acção, inclusive, do próprio padre Paulo Duarte que tem chegado a muita gente. Ele certamente não tem consciência disso porque é uma pessoa muito simples e de uma humildade encantadora. Mas chega mesmo a muita gente”, afirma Maria Emília Macedo, concluindo com uma nota pessoal, mas... transmissiva. “Quando fiz o último voo – reformei-me recentemente – tive um momento de recolhimento e disse: ‘não vou ter vida que chegue para poder agradecer à Senhora do Loreto e a Deus Todo Poderoso o permitir eu ter tido esta profissão.”

“Nós também temos direito a ter medo. A gente também se assusta lá em cima e passamos por situações muito, mas muito delicadas. Nesses momentos a minha resposta sempre foi ‘Deus é grande!”.