Bipolarização fictícia?
O distanciamento entre PS e PSD, que se faz sentir por estes dias, não é apenas para o eleitor português ver, uma tentativa de tentar captar votos centro.
Nas palavras de Ângelo Correia, a bipolarização política hoje em Portugal não é “fictícia”. “O centro político da vida nacional está esbatendo-se cada vez mais em detrimento do seu crescimento à sua esquerda e à sua direita. Esse esvaziamento corresponde a uma verdadeira bipolarização doutrinária.”
Um dos efeitos do “esvaziamento” é o fim de acordos entre o PS e PSD, mas também a dispersão de votos entre alas políticas.
“Chegamos a esta eleição com uma situação de bipolarização real, não já centrada nos dois grandes partidos fundacionais da democracia, mas já contaminada, estendendo-se também a outras forças partidárias. É por essa lógica que o Partido Socialista pode sempre aspirar a uma geringonça com os partidos à sua esquerda. E por isso do outro lado o PSD pode sempre aspirar a ter sempre uma relação forte com a IL”, diz.
Parte da responsabilidade do afastamento está nos protagonistas políticos.
Para Vitalino Canas, a “sensação que existe uma maior diferença entre o PSD atual e o PS atual”, por comparação com o passado, tem a ver com “uma certa aura mais à esquerda com que Pedro Nuno Santos tem sido rotulado”.
O atual líder do PS, contudo, “tem procurado dar uma sensação, tendo em conta que há uma luta pelo centro político, que a linha do PS defende e executará que é uma linha que vem na continuidade do passado, não vai desviar-se”.
O que ainda pode ser salvo
Se o afastamento entre PS e PSD é real, há ainda campos em que, no futuro, é necessário que os dois partidos se entendam no Parlamento. A reforma do setor da Justiça é um desses casos, apontam os dois antigos representantes parlamentares ouvidos pela Renascença.
Vitalino Canas diz que “esse entendimento era favorável para o Estado de Direito português”. Aliás, nota o ex-deputado socialista, Rui Rio e António Costa estiveram muito próximos de conseguir isso, “se não tivesse havido alguns mal-entendidos”, “as circunstâncias políticas do momento”.
“Agora com as atuais lideranças [do PS e PSD] não vejo como não se possam entender. Luís Montenegro é um homem que conhece bem o setor da Justiça. Certamente tem sensibilidade em relação a isso. O líder do PS, Pedro Nuno Santos, seguramente também tem abertura, até por não estar contaminado por nenhuma experiência do passado, para tentar melhorar o setor. Não vejo nenhum obstáculo a que, assumindo um ou outro a liderança do Governo, possam aceitar negociar alguma coisa nesse domínio”, diz.
As expectativas de Ângelo Correia para o PS são mais baixas. O social-democrata guarda memória da tentativa de Rui Rio reformar o setor da Justiça e a recusa “deliberada” do PS.
“Por mais construtivos que fossem os propósitos e as ideias e as ações que o PSD desejaria estabelecer, batiam num muro de silêncio e distanciamento. Portanto, estava em causa uma visão deturpada da bipolarização política, que devia ser meramente programática”, diz.
Na opinião do antigo ministro do PSD, Pedro Nuno Santos “não se pode nem se vai libertar” da tendência de Costa. “Julgo que ele também comunga um pouco dessa atitude. Não talvez com a maestria que António Costa tinha, mas apesar de tudo, a natureza da relação acho que é a mesma”.