O arranque e a rutura
Em 1979, quando Francisco Sá Carneiro (PPD), Diogo Freitas do Amaral (CDS) e Gonçalo Ribeiro Telles (PPM) montaram pela primeira vez a AD, as circunstâncias políticas e as necessidades do país não podiam ser mais diferentes das dos dias que correm. Havia ainda reformas essenciais à democracia liberal por fazer.
Então, a AD foi criada com dois “grandes objetivos”. Primeiro: “A civilização do regime. Acabar com o conselho da revolução, com a comissão constitucional, criar um tribunal constitucional.” Segundo: “Fazer funcionar o mercado, corrigindo os excessos do 11 de março de 1975”, diz Basílio Horta, hoje autarca de Sintra pelo PS, mas à data filiado no CDS, à Renascença.
Basílio Horta, que foi ministro nos três Governos da AD original (79, 80 e 81), recorda a coligação como uma força agregadora “para fazer as mudanças que o país exigia”. Sá Carreiro chegou, inclusive, a abordar Mário Soares, que encabeçava o PS, para entrar na iniciativa. No entanto, o socialista recusou.
A AD surge como “uma aliança de projeto, não era apenas uma soma de votos para governar”, sublinha o antigo governante. “Havia um projeto imanente na AD que era realizado com um primeiro-ministro reformista [Sá Carneiro], um homem de coragem, e com um Governo muito competente, com gente muito competente.”
António Bagão Félix tinha 31 anos quando foi convidado por João Morais Leitão – futuro ministro dos Assuntos Sociais (1980) e ministro das Finanças e do Plano (1981). Advogado de formação e sem filiação partidária, assumiu a pasta de Secretário de Estado da Segurança Social (de 79 a 83) na AD.
“Vivi com muito entusiasmo e com muita utopia, o meu trabalho e o trabalho à minha volta. E o espírito da AD. Do meu ponto de vista, o que na altura senti foi que não era uma simples coligação enquanto soma aritmética de votos. A soma das parcelas não traduzia o novo espírito”, recorda.
Também nas palavras de José Ribeiro e Castro, ex-líder do CDS e secretário de Estado na AD, a coligação foi “uma união exemplar”. Mas tudo mudou com Camarate.
Com a morte de Adelino Amaro da Costa e Francisco Sá Carneiro, dois dos principais pivots da solução governativa, regressaram os interesses particulares.
“Quem faz morrer a AD é o desastre de Camarate. Uma vez que depois no quadro do PSD passou a ser vista apenas como uma coligação partidária clássica, e isso foi fragilizando o espírito, e acabaria por não haver forças para vencer as divergências que foram crescendo nos dois partidos. A coligação acabaria por se desfazer em 1982, 1983”, nota Ribeiro e Castro.
Além da matemática
A AD original foi a votos em dois momentos - nas eleições intercalares de 1979 e nas legislativas de 1980 - e, em ambos, ganhou com maioria absoluta: 45,26% (128 deputados em 250) e 47,59% (134 deputados em 250), respetivamente.
Ao nível matemático, a fusão de eleitorados foi benéfica tanto para o PSD como o CDS. Em 75 e 76, os social-democratas a solo haviam conseguido apenas 26,4% (83 deputados) e 24,4% (73 deputados) dos votos. Por sua vez, os centristas haviam começado com 7,6% (16 deputados) e depois escalado até aos 16% (42 deputados).
O processo de fusão entre os dois partidos na AD, ainda assim, não ocorreu sem solavancos. Dentro do PSD, houve “algumas resistências” na integração nas listas de candidatos de outros partidos, “tanto que Francisco Sá Carneiro implementou por fases, digamos, o projeto da AD”, recorda Ribeiro e Castro.
Num primeiro momento, o PSD chegou a aprovar uma coligação, mas com listas separadas. Mas depois, “na dinâmica do processo”, as listas fundiram-se. “As lideranças dos dois partidos eram muito fortes.”
“Se não tivesse havido listas conjuntas, bem, a AD teria perdido, não teria conseguido vencer a maioria de esquerda. E, portanto, não seria a marca de prestígio que hoje é. Teria ficado pelo caminho, teria fracassado, seria um episódio passageiro na história. Assim ficou uma grande marca”, conta Ribeiro e Castro.
A memória de Basílio Horta sobre a constituição das listas, em 1979, diverge da de Ribeiro e Castro. “Houve discussão, alguma discussão, sobre a presença do CDS e do PPM nas listas, mas tensão nenhuma. Pelo contrário, houve desde o princípio uma enorme solidariedade. O dr. Freitas do Amaral e o dr. Adelino Amaro da Costa tinham uma solidariedade com o dr. Sá Carneiro enorme”, garante.