29 nov, 2023 - 16:15 • Maria João Costa
Há pelo menos 30 anos que o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, tinha dúvidas sobre a atribuição da autoria de um quadro. Trata-se de uma imagem de São Sebastião no momento do seu martírio, um óleo sobre tela, atribuído a Clemente Sanches. A investigação para a exposição que o MNAA inaugura a 1 de dezembro permitiu concluir que, afinal, trata-se de uma pintura do mestre do barroco espanhol Francisco de Zurbarán.
A tela é apresentada na mostra “Identidades Partilhadas”, que reúne 82 obras produzidas entre o século XIV e o início do século XX e que contam a história das relações artísticas entre Portugal e Espanha.
Na exposição comissariada por Joaquim Caetano, diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, e Benito Navarrete, professor catedrático de história de arte na Universidade Complutense de Madrid, a obra “São Sebastião” é mostrada lado a lado com um “São Pedro” que também pertence ao espólio do MNAA e que, junto com um apostolado, já fazia parte do acervo do museu português.
Agora, o MNAA junta mais um Zurbarán ao seu espólio. Joaquim Caetano diz à Renascença que “o ‘São Pedro’ está assinado e datado e é claramente a mão de Zurbarán. Os outros apóstolos são do atelier de Zurbarán, com mais ou menos intervenção do mestre, como era normal nestas grandes séries”.
Já sobre o novo achado, o comissário diz que houve “finalmente a resolução de um problema” que, para si, o “afligia há muito tempo”. “Era completamente impossível a atribuição a Clemente Sanches, que é um pintor tardo maneirista”, sublinha Caetano.
Foi o estudo do outro comissário da exposição, Benito Navarrete, que veio clarificar a atribuição a Zurbarán. Mas este não é único caso que esta exposição permitiu. Há outras novas atribuições, como há muitos quadros que foram restaurados para poderem ser mostrados em Lisboa. A mostre junta peças que vieram de fundações, igrejas e museus portugueses.
Patente até 30 de março do próximo ano, a exposição revela a consequência das relações culturais entre os dois países vizinhos, não só durante o período filipino. Em parte, a presença da pintura espanhola em Portugal deve-se também ao colecionismo português, de que é exemplo um quadro que pertenceu a Guerra Junqueiro, mas também a ofertas diplomáticas.
Na exposição, em que são colocadas em evidência obras que nem sempre estão à vista do público, o visitante vai poder apreciar, por exemplo, um quadro de El Greco, intitulado “Santa Face”, um óleo sobre tela que está no Palácio Nacional da Ajuda; ou telas que estão na Igreja de São Domingos de Benfica que por pertencer à Força Aérea Portuguesa, nem sempre está aberta.
Segundo Joaquim Caetano, “não há muitos países na Europa que pudessem apresentar um conjunto de 82 obras de artistas espanhóis com uma qualidade apreciável”. De acordo com a avaliação do historiador de arte, “Identidades Partilhadas” é por isso uma exposição “única”.
Também em sintonia está Benito Navarrete. O professor catedrático de história de arte na Universidade Complutense de Madrid considera um feito, o tempo recorde em que se conseguiu reunir este espólio, recuperá-lo e estudá-lo.
No texto que escreve para o catálogo, o especialista espanhol defende que esta exposição mostra que existiu um “cânone ibérico”, no gosto artístico dos dois países. Esta mostra que tem como mecenas a Fundação “la Caixa” em colaboração com o BPI, integra as atividades culturais da Presidência Espanhola da União Europeia