Opinião

Nos Óscares mais abertos à diversidade, ganhou quem foi "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo"

13 mar, 2023 - 06:30 • João Malheiro

Óscares mais globalizados, mais abertos a ideias radicais, mais "fora da caixa" e com um esforço em diversificar o leque de países e culturas premiadas é algo que beneficia as hipóteses futuras de Portugal.

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Do paraquedas ao zoo, o palco dos Óscares não poupou na excentricidade
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A 95.ª edição dos Óscares terminou sem grandes surpresas e sem vitória portuguesa. O favoritismo de "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo" consagrou-se em sete prémios, incluindo os importantes "Melhor Filme", "Melhor Realização", "Melhor Atriz", "Melhor Ator Secundário" e "Melhor Atriz Secundária".

Este favoritismo, que já era óbvio ainda antes da gala, não se poderia ter verificado há apenas alguns anos atrás. A noite de sonho de "Parasitas", nos Óscares de 2020, prometiam abrir as portas a uma maior diversidade em dois aspetos: a nível dos géneros premiados e valorizados pela Academia norte-americana e a nível das etnias e culturas representadas nos nomeados. A promessa foi cumprida nesta última madrugada de segunda-feira.

O filme da produtora A24 estreou há já mais de um ano, a nível internacional, e estreou a 7 de abril de 2022, em Portugal. Este calendário e o género de ficção científica, com uma comédia propositadamente surrealista e fora de padrão, não são atributos típicos de um filme que quer tentar ganhar a estatueta dourada mais cobiçada de Hollywood. No entanto, mais de um ano depois da sua estreia, "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo" manteve-se na mente da indústria, dos críticos e dos espectadores e tornou-se o colosso imparável da época de prémios.

Para lá do aspeto caótico superficial do filme, reside na sua essência uma narrativa simples de uma mãe, um pai e uma filha que estão todos cada vez mais distantes uns dos outros e a forma como apreciam a sua própria existência e a presença do restos dos seus familiares na sua vida. A segunda metade do filme e, em particular, os momentos climáticos do guião premiado, disferem golpes emocionais duros que fazem esquecer que ainda meia hora antes tinham aparecido mulheres com salsichas em vez de dedos das mãos.

"Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo" domina noite de Óscares
"Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo" domina noite de Óscares

E depois há a narrativa mediática. Não há nenhum Melhor Filme que não conte com uma narrativa mediática. E "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo", fazendo jus ao nome, tinha várias. Michelle Yeoh vê uma carreira de veterana de filmes de ação reconhecida e torna-se a primeira mulher asiática a vencer o Óscar de "Melhor Atriz". Ke Huy Quan perdeu-se em Hollywood, depois de papéis infantis em "Indiana Jones em o Templo Perdido" e "Os Goonies", ficando sem aparecer num filme durante décadas. O ator revelou recentemente que quase perdeu o seu seguro de saúde, por dificuldades em encontrar trabalho. E, agora, surge com uma carreira revitalizada e uma interpretação recompensada com o Óscar de "Melhor Ator Secundário". As vitórias de Michelle Yeoh e Ke Huy Quan marcam a primeira vez que duas pessoas asiáticas ganharam um Óscar numa só edição.

A diversidade não se ficou por aqui. O segundo filme com mais Óscares arrecadados na noite, com quatro estatuetas, uma delas a de "Melhor Filme Internacional", foi a adaptação de "A Oeste Nada de Novo". É certo que se tratou de um filme promovido pela Netflix, porém é o retrato brutal de uma realidade puramente europeia, falada, maioritariamente, em alemão e com alguns diálogos também falados em francês.

E, ainda, houve espaço para uma das vitórias mais inesperadas da noite: "Naatu Naatu", do filme "RRR", tornou-se a primeira música de Bollywood - a indústria de Cinema da Índia - a ganhar o Óscar de "Melhor Canção Original". Mais uma vez, trata-se de uma quebra dos cânones a nível estilístico - as típicas baladas ou canções da Disney têm sempre mais hipóteses - e também uma abertura ao mundo artístico de uma das indústrias de Cinema com maior peso no Oriente.

Tivermos espaço também para diversidade na animação. A vitória de "Pinóquio" de del Toro marca apenas a segunda vez que uma animação stop motion ganha o Óscar de "Melhor Animação", desde que "Wallace & Gromit: The Curse of the Were-Rabbit" conseguiu o feito pela primeira vez, em 2006. E a Disney, que costuma dominar esta categoria, teve dos anos mais inócuos de que há memória.

E a animação leva-nos de volta a "Ice Merchants". Também pela primeira vez Portugal esteve representado nos Óscares, através do realizador João Gonzalez e do produtor Bruno Caetano. Um feito histórico por si só e merecedor de maior valorização por ter sido alcançado numa categoria tão improvável. A porta de abertura tradicional para os países nos Óscares é a categoria de "Melhor Filme Internacional", onde Portugal é um recordista pela negativa. Em 39 submissões, nunca foi nomeado uma vez para este prémio. É o país com mais tentativas sem nunca ter tido sucesso.

Mesmo assim, "Ice Merchants" chegou lá. Não ganhou, mas uma vitória à primeira nomeação não é fácil. Nomes como Steven Spielberg ou Martin Scorsese que o digam. No entanto, a promessa do Ministério da Cultura que esta presença nos Óscares foi "um começo, não é um fim" terá de ter algum seguimento, se queremos mais aparições de mais produções e artistas portugueses.

A verdade é que os Óscares mais globalizados, mais abertos a ideias radicais, fora da caixa, e com um esforço em diversificar o leque de países e culturas premiadas beneficia as hipóteses futuras de Portugal, nesta gala. E uma Academia de Cinema que continua a ser verdadeiramente norte-americana, contudo mais diversa - quer em estilos, géneros, etnias e culturas - ajuda a concretizar aquele que deve ser sempre o objetivo final de um evento do género: Celebrar, preservar e premiar o melhor Cinema.

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