Cinema

Amizades, guerras, universos paralelos. Quais são os nomeados para o Óscar de Melhor Filme?

07 mar, 2023 - 06:24 • João Malheiro

Num ano com uma oferta muito rica, esta categoria tem blockbusters tradicionais, produções independentes, histórias de ficção científica e outras inspiradas em factos reais.

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A 95.ª cerimónia dos Óscares realiza-se já durante a próxima madrugada de domingo para segunda-feira, celebrando o melhor do cinema norte-americano e não só de 2022 - o primeiro ano em que as salas funcionaram em pleno sem restrições consideráveis desde o início da pandemia.

Em Portugal, o interesse estará na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação, onde o filme português "Ice Merchants", do realizador João Gonzalez, tem fortes hipóteses de arrecadar um prémio histórico para o cinema português.

No entanto, o grande foco da noite e o que mais mexe as apostas dos aficionados é mesmo a categoria de "Melhor Filme", que este ano contém o número limite de dez nomeados.

Num ano com uma oferta muito rica, esta categoria tem blockbusters tradicionais, produções independentes, histórias de ficção científica e outras inspiradas em factos reais.

Por ordem alfabética, a Renascença recorda os dez nomeados que podem levar o Óscar para casa.

A Oeste Nada de Novo

É uma nova adaptação do romance clássico de Erich Maria Remarque, um verdadeiro veterano da Primeira Guerra Mundial, que escreveu um retrato fictício sobre as experiências dentro das trincheiras.

O livro foi rapidamente adaptado para filme, em 1930. Essa primeira versão foi muito bem recebida, à época, e ainda hoje é respeitada como uma fiel execução do livro.

A mais recente adaptação, realizada no ano passado por Edward Berger, contou com produção da Netflix e o ator austríaco Felix Kammerer, no papel principal. Ao contrário do filme de 1930, que foi feito por norte-americanos e é falado em inglês, a nova adaptação conta com uma produção muito mais europeia e com atores que falam alemão e francês - as duas línguas decisivas na narrativa.

"A Oeste Nada de Novo" leva para o ecrã os relatos crus e dolorosos do livro que o inspira e, ao longo de duas horas e meia, caracteriza com uma precisão histórica considerável as experiências da Primeira Guerra Mundial. Não é, de todo, o filme mais fácil de ver, sobretudo para espectadores mais sensíveis.

Na corrida ao Óscar, venceu o prémio equivalente dos BAFTA e conta com um bom presságio histórico: O filme original, de 1930, venceu o Óscar de "Melhor Filme", na época.

Avatar: O Caminho da Água

Demorou 13 anos, mas "Avatar" finalmente recebeu a primeira das quatro sequelas que foram prometidas por James Cameron, depois do original de 2009 ter esmagado recordes de bilheteira.

O atraso deu-se em parte pela ambição do realizador norte-americano inventar uma nova tecnologia para capturar a performance dos atores, digitalmente, enquanto estavam submersos em tanques de água, simulando os vastos oceanos de Pandora que vemos no resultado final.

Quando, finalmente, "O Caminho da Água" ganhou uma derradeira data de lançamento nos cinemas, os céticos temeram o pior. Tanto tempo depois, será que as pessoas ainda queriam saber de "Avatar"? Com o peso do streaming, será que o número suficiente de gente iria ver a sequela, para compensar um custo de mais de 400 milhões de euros?

A resposta, quer na resposta dos críticos, quer a do público, foi "sim". James Cameron, mais uma vez, conquistou a bilheteira, ultrapassando a marca dos dois mil milhões de euros em ingressos comprados. Os efeitos especiais de "O Caminho da Água" são um novo avanço tecnológico para a indústria do cinema. E, no seu todo, o filme voltou a capturar a magia do original.

"O Caminho da Água" é forte candidato a ganhar as categorias técnicas dos Óscares, mas não deverá levar para casa o prémio de "Melhor Filme". No entanto, James Cameron voltou a levar para casa muito dinheiro e uma sequela já está prometida para 2024.

A Voz das Mulheres

Inspirado num caso de violações em massa, numa colónia ultraconservadora na Bolívia, em que homens usaram tranquilizante de animais para cometer atos sexuais em mulheres inconscientes, "A Voz das Mulheres" apresenta um drama forte nas emoções do seu elenco e da escrita que interpreta.

Quando os agressores são presos numa cidade vizinha e o resto dos homens abandonam a colónia para ir tratar da fiança, as mulheres que ficam para trás têm de decidir se fogem, se aceitam a sua realidade ou se ficam em casa, mas lutam contra o patriarcado que permitiu os abusos.

O elenco é ancorado nos grandes talentos de Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley e Frances McDormand (que também é produtora).

O guarda-roupa e a caracterização da comunidade são outros dos pontos mais elogiados.

A escrita e realização fica a cargo da canadiense Sarah Polley que já venceu o Óscar de Melhor Argumento Adaptado, em 2006, e é a grande favorita para voltar a repetir a façanha, este ano, mas as aspirações do filme deverão ficar por aqui.

Elvis

Baz Luhrmann volta a entregar uma produção em que, para lá do seu trabalho de realização e escrita, o seu estilo único e exacerbado sente-se igualmente na cinematografia, na edição e na banda sonora.

"Elvis" é a biopic que captura alguns dos altos e baixos de um dos artistas musicais mais marcantes do século XX. O ator Austin Butler é a principal força do filme, encarnando Elvis Presley através de um trabalho físico e psicológico exigente.

A seu lado, há um elenco vasto em que se destaca Tom Hanks num papel de vilão de mais fantasia do que realidade, como é de resto grande parte das cenas mais dramáticas do filme.

Sendo esta uma produção de Hollywood típica, é um retrato algo incompleto, algo fictício, mas, em suma, honroso de Elvis Presley e o seu legado.

A banda sonora é, claro, uma das melhores componentes de "Elvis", mas é em Austin Butler e no Óscar de Melhor Ator que o filme deposita toda as suas hipóteses para a gala da próxima semana.

Os Espíritos de Inisherin

A ilha e a narrativa são fictícias, mas a época de profunda divisão da guerra civil irlandesa, em 1923, é o pano de fundo real para o mais recente trabalho do argumentista e realizador Martin McDonagh.

O artista britânico tem uma base de produções teatrais que se nota perfeitamente em "Os Espíritos de Inisherin", uma autêntica peça de tragicomédia que se desenrola numa bela cinematografia que captura as verdadeiras paisagens irlandesas que fazem da ilha inventada de Inisherin.

Um dia, a personagem de Colin Farrell descobre que o seu melhor amigo, interpretado por Brendan Gleeson, já não quer nada com ele. Do ponto de partida mais cómico, a conclusão do filme é quase só trágica e vai deixar o espectador com o sentimento que acabou de ver uma fábula para o que ainda são as cicatrizes dos "Troubles" irlandeses.

O guião de McDonagh e a interpretação de Colin Farrel são as principais componentes que podem acabar premiadas com um Óscar e ainda há uma esperança, apesar de pequena, de conseguir alcançar o prémio de "Melhor Filme".

Os Fabelmans

Steven Spielberg sempre espelhou a sua família e as respetivas relações interpessoais nas suas obras. Família é, aliás, um tema recorrente ao longo da sua carreira.

"Os Fabelmans" são por isso um ponto catártico, em que talvez o realizador norte-americano mais marcante da segunda metade do século XX apresenta a sua recriação fictícia da sua própria infância.

O que pode parecer mais um filme no género de "celebrar o Cinema" é, na verdade, uma reflexão autocrítica sobre o peso da arte na vida pessoal e a forma como pode servir para expor e curar traumas e inseguranças.

Gabriel LaBelle no papel principal é a grande estrela, Paul Dano volta a entregar uma performance marcante, mas é Michelle Williams que vai dar luta pelo Óscar de "Melhor Atriz".

"Os Fabelmans" é, ainda, outro dos candidatos que tem mais hipóteses de sonhar com uma vitória de "Melhor Filme" nos Óscares.

Tár

"Tár" já era um fenómeno ainda antes de ter estreado. Os internautas divertiram-se a fingir que a personagem, uma famosa mas fictícia maestra, interpretada por Cate Blanchett, era uma pessoa real e o filme era baseado numa história verídica.

Alguns críticos norte-americanos caíram na piada e expressaram mesmo a sua deceção por isso não ser verdade. No entanto, para lá do seu estatuto online, "Tár" é um filme que recebeu grandes elogios da indústria.

Um retrato frio e até imparcial de uma personalidade tóxica feita para espelhar as controvérsias modernas do mundo da arte, o enredo intencionalmente opaco e a realização firme de Todd Field deixam o espectador sem saber bem o que sentir.

Cate Blanchett tem mais uma grande performance registada na carreira e "Tár" já lhe valeu um BAFTA. É a segunda atriz favorita a levar o Óscar, que deverá ser mesmo o único grande prémio que o filme deve poder alcançar.

Top Gun: Maverick

Adiado várias vezes devido à pandemia, "Top Gun: Maverick" não deixou de ser uma enorme história de sucesso na bilheteira. Foi o primeiro grande blockbuster sem ter o logótipo da Marvel a arrecadar números impressionantes na sala de cinema, dando novo alento a uma indústria abalada pelo streaming e a Covid-19.

Tom Cruise apresenta uma interpretação que mistura a sua persona de estrela de ação que conhecemos dos filmes "Missão Impossível" com o talento dramático que já tinha demonstrado plenamente em filmes de outra fase da sua carreira.

O coração do filme é Cruise, mas o resto do elenco também ajuda a contar uma narrativa simples, contudo sempre muito eficaz a manter o espectador agarrado ao lugar e colado ao ecrã.

As sequências de ação são impressionantes e o final do filme remete para a emoção honesta e expansiva típica dos mais marcantes clássicos dos anos 80. Uma década que, de resto, o filme homenageia.

Vai discutir os prémios técnicos com Avatar, mas não deverá voar mais longe.

Triângulo da Tristeza

Ruben Östlund nunca dispensa uma boa sátira com crítica de classes, em que os mais ricos nunca ficam lá muito bem na fotografia. O seu mais recente filme "Triângulo da Tristeza" é uma narrativa coesa, mas que tem uma espécie de divisão em três mini contos em que um casal de modelos millennial faz sempre parte.

Há muitos jantares pelo filme e quase nenhum corre bem, quer seja num restaurante de alta cozinha, quer num iate muito mal comandado. No fim, o que temos é uma comédia que tem o cuidado de dar várias dimensões às suas personagens.

Todas são alvo de chacota e representam conceções que temos sobre a classe alta da sociedade, mas são sempre, acima de tudo, humanos, com defeitos que não os fazem desagradáveis.

A magia de "Triângulo da Tristeza" é, por vezes, dar vontade ao espectador de passar tempo com estas personagens, antes das suas condições, inevitavelmente, piorarem.

O filme ganhou a Palme d'Or no Festival de Cannes, mas nos Óscares deverá sair de mãos vazias, apesar de não estar completamente fora da corrida de "Melhor Argumento Original".

Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo

Apesar de termos enumerado os filmes por ordem alfabética, acabamos mesmo com o principal favorito à vitória nos Óscares e o filme que mais prémios tem arrecadado durante as várias cerimónias que se realizam por volta desta época.

"Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo" é o filme sensação de 2022 que, quase um ano depois de estrear, mantém o mesmo nível de apreço que críticos e espectadores sentiram quando o viram pela primeira vez. Uma execução arrojada e absurda de uma narrativa que, na sua essência, é simples e universal, fez deste trabalho da dupla The Daniels - Daniel Kwan e Daniel Scheinert - o principal candidato a levar o prémio de "Melhor Filme".

Michelle Yeoh tem o papel marcante que celebra tudo o que já alcançou na sua vasta carreira, mas que lhe está a abrir portas até agora intransponíveis. Ke Huy Qyan regressa à ribalta, depois da fama enquanto criança pelos papéis em "Indiana Jones. Temple of Doom" e "The Goonies". Há também Stephanie Hsu a ter sucesso num dos papéis mais desafiantes do filme e os veteranos Jamie Lee Curtis e James Hong.

Entrando de rompante em quase todas as galas de prémios, com a exceção dos BAFTA, "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo" é o mais improvável favorito à vitória dos últimos anos. Se o favoritismo se concretiza numa vitória é a pergunta que vai ter resposta daqui a menos a de uma semana.

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