Entrevista Renascença

Fábio Porchat: "Fiquei apaixonado. Vou iniciar um tráfico de idosos para o Brasil"

03 fev, 2023 - 19:00 • Maria João Costa

Humorista brasileiro acha que "os idosos portugueses são maravilhosos" e "um pedaço vivo de Portugal". Fábio Porchat juntou as suas aventuras de viagem num espetáculo de stand-up comedy que traz a Portugal. No palco não fala de política, mas à Renascença diz que os últimos quatro anos da política brasileira foram tão duros “que o humor não era suficiente” para a enfrentar.

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Oiça a entrevista do humorista brasileiro Fábio Porchat à jornalista Maria João Costa
Oiça a entrevista do humorista brasileiro Fábio Porchat à jornalista Maria João Costa

“Rir junto faz diferença”, diz Fábio Porchat. O humorista brasileiro, conhecido através do coletivo Porta dos Fundos, está de regresso aos palcos portugueses com um espetáculo de stand-up comedy em nome próprio que apresenta dia 13 no Coliseu do Porto, dia 14 no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, e a 15 fevereiro no Coliseu de Lisboa.

No rescaldo da pandemia, Fábio Porchat admite que “estava precisando desse show de stand-up” e de se “sentir engraçado de novo”. Em entrevista à Renascença, o humorista que deu rosto ao programa televisivo “Viagem a Portugal”, que teve por base o livro do Nobel José Saramago, admite que hoje conhece melhor o nosso país.

Da experiência guarda memória da forma como foi recebido e, em particular, dos “idosos portugueses” que “são maravilhosos porque são um pedaço vivo de Portugal”. “Muitos idosos olhavam para mim e falavam: 'vem aqui'. Queriam conversar, queriam bater papo. Eu fiquei apaixonado! Vou iniciar um tráfico de idosos para o Brasil, eu preciso deles lá!”, diz a rir o humorista.

Que espetáculo de stand-up comedy traz para o público português, agora que conhece melhor Portugal?

Pois é! Na verdade, fico feliz de estar de volta a Portugal fazendo o meu novo show de stand-up "Histórias do Porchat". É um show em que tudo começou em Portugal, na verdade! A estreia mundial do espetáculo foi aqui no início do ano passado, quando eu ainda estava descobrindo ele. Aí fui ao Brasil, entrei em cartaz, fiquei com o espetáculo lá durante o ano inteiro, então agora volto com o espetáculo um pouco modificado.

Porquê? Em que é que foi mudando o espetáculo?

Fui acrescentando novas histórias. São as minhas histórias de viagem, então eu falava já de uma dor de barriga no Nepal, de uma massagem erótica na Índia. Mas acrescentei um bolinho de ervas de Amsterdão. Eu fui "azeitando". A gente diz isso aqui também? Fui acrescentando o texto, porque o stand-up não se ensaia, não tem essa de ficar dois meses ensaiando. A estreia já é a primeira vez que você vai fazer. Conforme o texto vai sendo feito, você vai-se apresentando, você vai vendo onde é que estão rindo mais, onde estão rindo menos. O que é que eu posso tirar? Que eu posso acrescentar? E o texto vai-se organizando enquanto ele está valendo. Eu volto um ano depois para Portugal, já com o texto valendo perfeito, totalmente pronto para fazer o pessoal dar risada.

Qual a exigência do público português? Ri menos? É mais difícil de provocar o riso aqui?

Eu acho que o povo português ri onde tem de rir. Isso é muito bom! Fazendo as piadas aqui, as primeiras vezes que eu vim para cá, eu fiquei perguntando, será vão entender o meu estilo, o meu jeito? Será que tem a ver o humor brasileiro com o humor português? Mas como os portugueses assistem muito Porta dos Fundos e assistem ao meu programa, e agora que eu já estou muito mais íntimo do povo português, já saquei que eles riem onde tem piada, ponto final! E isso é muito bom. Eu me sinto muito em casa, que é como se eu estivesse fazendo no Brasil.

"Os idosos portugueses são maravilhosos porque eles são um pedaço vivo de Portugal. Eu digo brincando que que são as "Jangadas de Pedra" desse Portugal."

Como é que foi essa experiência de ter percorrido o país, sobretudo porque o fez através do livro "Viagem a Portugal", de José Saramago? O que é que foi conhecendo melhor do nosso país que possa contaminar a forma de fazer humor?

Foi um privilégio. Eu fiquei dois meses viajando por Portugal. Sempre que eu comento com alguns portugueses: 'você conhece Portugal melhor que eu! Você foi em lugares que eu nunca fui, que eu já soube e que estou marcando, de ir'. E realmente Portugal comparado ao Brasil, é um país de dimensões muito menores, mas um país imenso! Eu fiquei muito surpreso com a dinâmica cultural do país, com a recetividade do povo, porque a gente fala o brasileiro é caloroso e recebe, e o português é mais europeu, mais fechado.

Claro, talvez o brasileiro seja um pouco mais aberto. Mas o povo português me recebeu muito bem, não só aqueles que me reconheciam, porque metade do país não sabe quem eu sou. Muitos idosos olhavam para mim e falavam "vem aqui". Queriam conversar, queriam bater papo. Eu fiquei apaixonado! Já tinha ido a algumas aldeias, mas assim, eu vou iniciar um tráfico de idosos para o Brasil, que eu preciso deles lá.

Os idosos portugueses são maravilhosos porque eles são um pedaço vivo de Portugal. Eu digo brincando que que são as "Jangadas de Pedra" desse Portugal. Eles estão ali, naquelas aldeias que estão cada vez menores e mais diminutas, e eles sentem falta de gente ali, de juventude. E quando você para para ouvi-los, as histórias são fantásticas. Então eu fiquei encantado.

Com a gastronomia incluída?

Não vou nem entrar no papo da comida portuguesa, porque senão a gente vai ficar aqui dez horas falando.

E ganhávamos mais quilos!

Cada lugar que eu ia, tinha de experimentar as melhores bochechas de porco de Portugal, o melhor bacalhau, ah! Tem de experimentar o melhor borrego. Todo o lugar tinha "o melhor" e o pior é que era mesmo!

O que é que o Fábio Porchat quer levar de volta ao Brasil depois de ter passado por aqui com este espetáculo?

Ah, eu na verdade trago de volta aquilo que levei, porque estreei o espetáculo aqui. Mas, no fim das contas, é um espetáculo leve, divertido, para que as pessoas esqueçam um pouco dos problemas. Por tudo aquilo que a gente atravessou! Quanto eu fui criar espetáculo, pensei assim, acho que as pessoas têm de voltar a rir juntos.

Todo mundo durante a pandemia fico rindo em casa, meio sozinho, e quando a gente volta a rir junto, faz diferença. A risada contagia! E eu queria um espetáculo leve, que não tivesse polêmica, não tivesse política, religião, nada. Eu quero contar os meus casos de viagem e fazer as pessoas darem risada. Isso que aconteceu comigo no passado. Eu estava precisando desse show de stand-up, porque eu estava precisando me sentir engraçado de novo.

De uma certa forma, nós ficamos trancados em casa, sem o contato com o público direto, assim. Então, quando você faz a peça e as pessoas dão risada, imediatamente pensa: "Ah! Então eu sou engraçado! Que coisa boa!"

Precisamos desse humor mais do que nunca. Mas pergunto se há limites para o humor? Para si quando está a criar, existe alguma barreira, alguma fronteira?

Eu acho que o limite é sempre individual. Desde sobre o que você quer falar, até onde você quer ir, ou o que você está disposto, e do que se trata o espetáculo. Se for um espetáculo político, você tem um tipo de olhar, se for um espetáculo mais leve, mas popular, você tem outro. Então é um pouco isso. Você constrói aquilo em cima de quem é o seu público. Quem é que está ouvindo aquela piada? Até onde você está disposto a ir?

Porque, no fim das contas, não existe limite para ficção científica, para o romance, para o drama, para a poesia, nem para o humor. O limite é a Constituição. É o que é crime, o que não é. O resto está livre. Vai ter públicos que vão querer ouvir, e vai ter público que não está tão disposto. Você tem que saber para quem você está falando.

E este espetáculo?

Este espetáculo, é um espetáculo mais para todo mundo. Eu estou tentando atingir o maior número possível de pessoas, da forma mais leve possível.

Como são os bastidores do espetáculo? Como é o seu processo criativo? Está sempre a experimentar, inconscientemente, algumas piadas?

Quando eu comecei a fazer, eu fui fazendo aquilo que se faz com o stand-up. Foi andar em barzinhos, em comedy clubes e tentando dez minutos, faz mais 15 no outro. Aí você percebe se acertou, percebe onde errou.

"Estava acontecendo uma grande piada de mau gosto com o Brasil, e agora a gente está tentando retomar a civilidade. Agora, a terra voltou a ser redonda no Brasil!"

Deita-se muita coisa fora?

Sim! Porque, na verdade, quando você escreve, na teoria, tudo aquilo é engraçado! Eu escrevo um texto pensando, isso aqui é o melhor de todos! E aí você vai percebendo que você está um pouco repetitivo, está um pouco longo, a palavra não é exatamente aquilo. Então você vai lapidando aquilo e entendendo onde é que tem que acelerar um pouco mais, um pouco menos.

Depois de ter feito esses lugares, dez minutos, 15 minutos, testado esse material, eu junto tudo e faço o show de uma hora. Aí começa outra coisa. Esse show está costurado? Ele tem início, meio e fim? Eu gosto, como sou roteirista, que o show seja costurado, que faça sentido o início com o fim, e não precisaria ser. Mas é o tipo de roteiro que eu gosto de fazer, que é entender por que ele começou assim, porque ele chegou nesse meio, a parte alta e a parte baixa. As pessoas precisam rir nos momentos certos. Eu fico muito atento a isso, justamente para ir treinando, treinando, treinando e saber exatamente onde respirar. Qual é a palavra exata que faz mais sentido e por que é mais engraçado?

Aqui em Portugal tenho que fazer pequenas alterações só, porque algumas referências não são conhecidas. Há algumas personalidades do Brasil que aqui não se conhecem.

Então eu modifico, mas é muito pouco. É 1% do texto, mas tenho que ficar prestando atenção, porque às vezes eu faço e fica um silêncio porque as pessoas não sabem quem é. E isso eu fui descobrir, só fazendo aqui

E o português de Portugal, não atrapalha o português do Brasil?

Não, não, não. Nem um pouco, nem um pouco. Eu começo aqui em Portugal, inclusive contando umas histórias minhas aqui em Portugal, coisas específicas da língua e da minha ignorância quanto a ela, e tem divertido o público.

Já percebemos que este espetáculo não está em política, mas pergunto se neste momento a situação política do Brasil precisa de humor? Tem agora mais espaço para a liberdade do humor?

Eu acho que há 500 anos que o Brasil precisa de humor para lidar com a política (risos) e hoje não é diferente. Mas nos últimos quatro anos foi tão duro e tão difícil para a população, e para várias camadas da sociedade que o humor não era suficiente.

Estava acontecendo uma grande piada de mau gosto com o Brasil, e agora a gente está tentando retomar a civilidade. Agora, a terra voltou a ser redonda no Brasil!

Mas está a ser fácil? Os ecos que chegam a Portugal ainda mostram muita convulsão política e social, há ainda muito desagrado de uma parte da população. É fácil o dia-a-dia? Pode falar-se de política?

Ainda está um pouco gerando traumas. O Brasil está voltando à normalidade. A gente agora tem uma pessoa, um ser humano na presidência, que fala com gente e como gente. Então, isso faz toda a diferença, quando você tem um líder que não incita ao ódio. A violência aumentou no Brasil! Tem 1.500 células nazis no Brasil. É um negócio que se há cinco anos falasse isso, a gente ia dar risada, ia dizer "tá maluco? O Brasil?"

Então, a gente está voltando ao normal. Demora um pouco, ainda temos certos traumas, mas muitos idiotas estão sendo presos. Acho que é assim que a gente controla a democracia. E aí, democraticamente, a gente pode ser contra esse governo, dizer que não concorda com atitudes desse presidente, e tem algumas que eu não concordo mesmo, mas a gente fala, conversa, expõe. A gente não censura a imprensa, as pessoas. Então, a gente está voltando a lembrar do que é a democracia. Então passa por um certo percalço, mas acho que em dois anos está normalizado.

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  • Maria Luisa Costa
    07 fev, 2023 S JOAO DO ESTORIL 15:57
    Gostei IMENSO...muito mesmo! de ler lido este texto e..acima de tudo do escritor!!Que neste caso é humorista!Não o conheço ainda . mas estou decerto a caminho de conhecer!!!PARABÉNS por tudo o que escreveu e ainda bem que gosta de Portugal tanto quanto nós gostamos do Brasil que é tão maravilhoso e tem sido tão mal tratado neste tempos últimos Bolsonaristas😰Até breve!🥰

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