26 fev, 2022 - 17:58 • Maria João Costa
Se há dois anos o festival Correntes d’Escritas ficou marcado pela notícia de um dos primeiros casos de Covid-19 em Portugal, com o falecido escritor Luís Sepúlveda, e depois de uma edição digital em 2021, este ano o evento literário ficou marcado pela guerra.
A provar que os escritores não vivem dentro da ficção dos livros, a invasão da Ucrânia pelas tropas russas que aconteceu, já a edição 23 das Correntes d’Escritas decorria, acabou por se tornar um tema que pontuou várias sessões do festival.
Desde logo na sessão de encerramento, o público que encheu o Cine-Teatro Garret ouviu o escritor angolano Ondjaki a lembrar que o pai lhe dizia que “a guerra é uma estupidez” e a afirmar que “as guerras estão sempre erradas”.
O autor de “Os Transparentes”, que além de poesia e romance, tem também diversos livros para os mais novos lembrou que “os restos da guerra ficam presos nos olhos das crianças”. Antes ainda, o jornalista João Gobern sublinhou “os dias de insanidade e loucura” que vivemos e o autor Onésimo Teotónio de Almeida que entrou via zoom a partir dos Estados Unidos onde vive, fechou esta edição, como sempre fazendo humor com o insólito do regresso da guerra à Europa.
Desde o dia da invasão militar que a palavra guerra esteve na boca dos escritores e Gonçalo M. Tavares não foi exceção. O autor sublinhou que a guerra e da pobreza abundam no mundo. Um dos finalistas do prémio deste ano, partilhou com o público como a palavra “atrito” se impôs na sua cabeça no dia em que a Ucrânia foi invadida. Nas palavras de Gonçalo M. Tavares “o atrito é aquilo que impede o movimento”.
O escritor terminou a sua intervenção partilhando com o público a sua crónica no semanário Expresso, trazendo para a conversa reflexões sobre a pandemia. “Em janeiro 2021, foi assustador ouvir as sirenes (das ambulâncias) e agora, começamos a ouvir outras sirenes (dos bombardeamentos)” referiu Gonçalo M.Tavares que deixou uma imagem “a etimologia da palavra sirene é a mesma de sereia”. E concluiu que “o único grande bombardeamento benigno é a paixão”.
Já em mesas anteriores como a que participou a poeta Francisca Camelo o público das Correntes ouviu a afirmação: “o mundo não presta. A poesia não salva. Quem nos salva são as pessoas e é evidente que se morre muito pelo caminho devido à falta de sentido de comunidade”. Também outro poeta, Salvador Santos abordou o cheiro de guerra na Europa.
“A Rússia invadiu a Ucrânia e eu fui à Póvoa passear no esplendor” ironizou. O poeta natural de Chaves e que é também editor em Loulé falou do lucro e da ganância dos mercados: “não encontro forma de contrariar a ideia de que a guerra e os impérios são inevitáveis. Não há alternativas ao mercado e a ganância, a opressão e a violência são universais”.
A escritora Luísa Costa Gomes chegou este sábado à Póvoa de Varzim para receber das mãos do vereador da cultura, Luís Diamantino o prémio Casino da Póvoa. No seu brevíssimo discurso, a autora de “Afastar-se” agradeceu o galardão e aos leitores “que são poucos, mas bons”.
Também na sessão de encerramento marcou presença a ministra da Cultura. Graça Fonseca apontou o festival organizado há 23 anos pela autarquia poveira como “um modelo e paradigma” para outros festivais. As Correntes são no olhar da titular um exemplo de “luta contra o centralismo”
Sobre a premiada Luísa Costa Gomes, Graça Fonseca disse que é uma autora, “mestre na arte de contar” que tem “surpreendido pela diversidade da obra, com um dos mais interessantes percursos literários”.
A terminar também a guerra entrou pelo discurso de Graça Fonseca que considerou que se vive um “momento ainda mais desafiante e perigoso”. Segundo a ministra da Cultura, o Correntes d’Escritas é um local de refugiu onde “se dá voz à diferença”. “Aqui há espaço para ouvir outros, e todas as palavras são ditas”, disse a governante que aponta um o facto deste festival ter vindo a criar leitores e um acesso mais democrático à cultura. A ministra fechou o seu discurso afirmando que “neste momento não podemos mesmo deixar ninguém sozinho.”