Eleições Legislativas 2024

Indecisos. Quem são, como votam e o que dizem as sondagens sobre eles?

14 fev, 2024 - 07:00 • Diogo Camilo , Salomé Esteves

Há dois anos, mais de 700 mil pessoas escolheram em quem votar só no dia de eleições - e especialistas acreditam que o número pode aumentar nestas legislativas. Jovens, mulheres e pessoas com mais estudos tendem a decidir o voto mais tarde. Há mais de 15% de indecisos neste momento.

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Estamos a menos de um mês das eleições e, historicamente, sete em cada 10 portugueses já decidiram o seu voto por esta altura. Os restantes, que esperam pelos debates e pela campanha para escolher em quem votar, são aqueles a quem tradicionalmente chamamos de indecisos - e um dos “calcanhares de Aquiles” das sondagens.

Nas últimas legislativas, em 2022, a percentagem de eleitores que decidiram o voto no dia das eleições foi de 14% - mais de 750 mil pessoas, o suficiente para virar o resultado de uma eleição para qualquer lado.

Nestas eleições, os especialistas acreditam que o número pode aumentar. E as sondagens publicadas desde o início do ano comprovam-no: em cinco inquéritos divulgados, quatro registaram percentagens de indecisos acima dos 10%.

Aplicando o filtro de Kalman - o mesmo método do Sondagem das Sondagens - a todas as sondagens desde 2023, o que ele revela é que há mais de 15% de indecisos neste momento. Mas o número pode mudar de casa de sondagem para casa de sondagem.

“Indecisos sempre existiram. Temos que nos preparar para serem mais”

Tradicionalmente, a grande maioria dos portugueses tem o seu voto já decidido antes sequer da campanha ou dos debates entre líderes. Segundo o estudo pós-eleitoral das últimas legislativas, feito por investigadores do ISCTE e do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, mais de dois terços (67%) decidiram em quem votar mais de um mês antes das eleições de 2022.

A percentagem não é muito diferente à de anos anteriores: não há números para 2019, mas as percentagens são semelhantes às de 2015 (69%), 2011 (62%) ou 2009 (72%).

Por outro lado, os debates televisivos entre líderes partidários, no mês antes das eleições, ajudaram 7% do eleitorado a decidir o seu voto, enquanto 9% escolheram em quem votaram através da campanha eleitoral.

Esta percentagem de eleitores, que decidiu o voto durante a campanha e pré-campanha, foi a menor em mais de 20 anos, com os portugueses a arrastarem a sua escolha até à última.

Se, entre 2002 e 2015, a percentagem de eleitores que decidia em quem votar no próprio ato eleitoral foi mínima, há dois anos, 14% admitiu que só tomou a decisão no dia das eleições.

E, por existir uma maior oferta dos partidos em quem votar, o número pode aumentar nas próximas eleições, aponta um dos autores do estudo, Pedro Magalhães.

“Os indecisos são maiores numas eleições, e menores noutras. Temos que nos preparar para que esses números possam ser mais elevados [em 2024], porque o sistema partidário mudou. Tínhamos um menu de ofertas partidárias que era mais restrito e agora temos um menu com mais opções viáveis. É natural que as pessoas demorem mais tempo e tenham mais dificuldades em decidir”, afirma à Renascença.

O investigador refere também que isso leva as pessoas a manifestarem nas sondagens “uma intenção que, depois, no dia da eleição, se realiza de outra forma”.

Esse fenómeno, a que chamamos “voto útil” ou “voto estratégico”, é outro aspeto que escapa às sondagens. Em entrevista à Renascença, a principal investigadora do estudo pós-eleitoral, Marina Costa Lobo, também prevê uma “elevada” tomada de decisão apenas a 10 de março.

“Os líderes são novos e vai haver a necessidade de se recolher informação sobre eles. Isso vai ser feito até ao dia da eleição. Pode haver acontecimentos políticos até ao dia da eleição que façam mudar o sentido de voto de eleitorado que não tem grande lealdade ou identificação partidária.”

António Salvador, diretor da empresa de sondagens Intercampus, acredita no contrário, justificando que o número de eleitores indecisos aumentou porque as legislativas de 2022 aconteceram sob “circunstâncias especiais que dificilmente se voltarão a repetir”, dado o “grande receio de ausência de governabilidade do país”.

Mas o que dizem as sondagens sobre os indecisos?

Habitualmente esquecidos na hora de divulgação dos inquéritos de opinião, mas com um papel importante nos resultados das últimas legislativas, os indecisos são um dos aspetos que tornam as sondagens num método imperfeito de previsão eleitoral.

As pessoas olham para as sondagens como uma pequena bola de cristal que nos vai ajudar a antecipar o que vai acontecer”, afirma Pedro Magalhães, do ISCTE, que defende que “só por acaso” é que sondagens podem coincidir com o resultado de umas eleições, com as pessoas indecisas a “distribuírem-se exatamente como os outros”.

Isto porque, numa tentativa de simplificar a representação das intenções de voto ou dar voz a quem ainda não sabe em quem votar, as casas de sondagens transformam os indecisos em eleitores já decididos.

“Muitas vezes, para compreenderem e até para poderem comparar sondagens umas com as outras, [as pessoas] querem resultados que sejam parecidos com o resultado de uma eleição”, aponta o investigador.

Este foi um dos problemas que levou ao desvio entre as sondagens e os resultados no dia das legislativas de 2022: dos 13 estudos publicados no mês antes do ato eleitoral, apenas dois mostravam uma percentagem de indecisos abaixo dos 10%.

Ambos foram realizados pela mesma casa de sondagens, a Aximage, mas com resultados bem diferentes: o primeiro dava o PS à frente com quase 10 pontos de vantagem e foi o resultado mais aproximado das eleições sem recorrer à distribuição de indecisos; o segundo, realizado 10 dias depois, dava o PSD à frente dos socialistas.

“As pessoas continuam a dizer que são previsões e não são previsões. São retratos do momento para aferir como é que estão as coisas”, defende António Salvador, da Intercampus.

Foi por este motivo, e depois dos desvios observados nas últimas eleições, que a casa de sondagens deixou de redistribuir os indecisos em sondagens próximas de atos eleitorais. “As pessoas não estão indecisas de forma diretamente proporcional às intenções de voto expressas”, refere.

Mas nem todas as casas de sondagens distribuem os indecisos da mesma maneira: varia de empresa para empresa, ou de instituto para instituto. A maneira como é feito o inquérito - e até a pergunta - também pode influenciar quem é entrevistado.

O ISCTE, por exemplo, opta por utilizar a imputação múltipla, segundo a qual se distribuem os indecisos de acordo com uma série de perguntas relacionadas com a inclinação política, a aproximação a partidos ou tendências de comportamento de voto.

Pedro Magalhães explica o porquê: “As pessoas que nos dizem que não sabem em quem votar, muitas vezes dizem-nos se simpatizam ou não com algum partido, se votaram numa eleição anterior e onde se posicionam ideologicamente numa escala de esquerda, direita. Tratá-los como abstencionistas é uma pressuposição que me parece pouco razoável.”

O CESOP, Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica, faz a distribuição de forma proporcional, tendo em conta o peso de cada partido nas intenções diretas de voto, mas apenas usa os indecisos que disseram ter a certeza que iam votar.

As outras duas casas de sondagens que estão a realizar estudos de opinião para a comunicação social nestas legislativas também fazem a distribuição desta maneira - Aximage e Consulmark2.

Mas, mesmo usando o mesmo método de distribuir, os resultados dos indecisos variam muito de casa de sondagem para casa de sondagem.

Como é que os indecisos variam entre as sondagens?

As últimas sondagens publicadas têm vindo a mostrar um elevado número de indecisos, com quatro dos últimos cinco estudos a registarem percentagens acima dos 10%.

Usando o mesmo método do Sondagem das Sondagens - que agrega os estudos de opinião e interpreta tendências de todas as sondagens publicadas nos últimos anos -, os inquéritos mostram mais de 15% de indecisos neste momento.

Das cinco casas de sondagens que estão, hoje, a realizar estudos de opinião política públicos para as legislativas de 10 de março - a Aximage, o CESOP-UCP, o ICS/ISCTE, a Intercampus e a Consulmark2 - as que apresentam margens de indecisos mais altos são as duas instituições académicas.

As sondagens produzidas na Católica apresentam estimativas de indecisos superiores a 14% desde as últimas legislativas, enquanto, no ISCTE, os valores são ligeiramente mais baixos, mas sempre acima dos 12%.

A Intercampus tem valores medianos entre os dois polos, variando dos 6,8% aos 20% desde as últimas legislativas, enquanto a Consulmark2 registou percentagens de indecisos na ordem dos 15%, nos três estudos que divulgou.

Já a Aximage apresenta as percentagens de indecisos mais baixas. Desde as eleições de 2022, o valor mais alto foi de 7,2% e, nos dois estudos divulgados mais recentemente, as percentagens de indecisos foram de apenas 4,5% e 5,5%.

E, aqui, também conta a forma como são obtidas as respostas. Se o ISCTE recorre a uma simulação de voto em urna (CAPI) e, pode ser assim considerado como mais fiável, a Aximage, por exemplo, utiliza como trabalho de campo as respostas por computador (CAWI), com o preenchimento de um formulário, considerado o método menos fiável entre especialistas do setor. Intercampus, Católica e Consulmark2 recorrem a entrevistas telefónicas (CATI).

Numa entrevista recente à Renascença, Luís Aguiar-Conraria explicou esta discrepância, que também levou o projeto Sondagem das Sondagens a alterar a sua metodologia e a aplicar o mesmo critério de distribuição de indecisos para todas as sondagens.

“As casas de sondagens estão a contar de forma diferente os indecisos. E há casas de sondagens que apresentam estimativas para indecisos de 7%, 8% e outras de 20%. Claramente isso não é compatível. Isso não é amostral. Portanto, estão a contabilizar de forma diferente os indecisos”, afirmou na altura.

Quem são os mais indecisos? Jovens, mulheres e com mais estudos

Nas últimas eleições, o grupo de eleitorado que mais tinha o seu voto decidido antes da campanha eleitoral era o de maiores de 65 anos: três em cada quatro idosos já sabia em quem votar, ainda antes de os partidos sequer arrancarem para a estrada.

Do lado contrário, segundo o estudo pós-eleitoral do ISCTE às legislativas de 2022, a percentagem de indecisos a um mês das eleições era de 58% no escalão entre os 25 e os 44 anos e de 61% na faixa etária dos 18 aos 24 anos.

E as sondagens de 2023 confirmam este cenário. Aplicando o mesmo método do Sondagem das Sondagens aos estudos publicados no ano passado, os jovens indecisos teriam uma percentagem de 13,8% dentro da faixa etária. Em maiores de 35 anos, a percentagem é de 9,8% - uma diferença de quatro pontos percentuais.

Outro dos aspetos mais associados aos indecisos são os estudos. Eleitores com o ensino superior decidiram mais tarde o seu voto nas últimas legislativas, quando comparado com votantes com habilitações até ao 3.º ciclo.

E, do ponto de vista político, os eleitores que decidiram antes da campanha tendem a posicionar-se mais à esquerda no espectro político: 78% dos votantes à esquerda indicaram que já sabiam em quem votar antes da campanha eleitoral, percentagem que é de 65% entre eleitores à direita.

Há ainda a questão do género. Das 32 sondagens publicadas em 2023, 23 apresentaram percentagens de indecisos com distribuição entre sexo feminino e masculino. Nestas, em 22 a percentagem de mulheres indecisas era superior à de homens indecisos. A única sondagem em que a diferença não se manifestou, a percentagem foi igual, de 11%.

Em mais de metade das sondagens analisadas, a diferença é superior a cinco pontos percentuais e, no geral, varia entre os 1,8% e os 11,5%.

A mais recente sondagem do CESOP-UCP para o Público e RTP estimou que existam 20% de indecisos. Esmiuçando a percentagem por género, 25% das mulheres responde que não sabe em que partido vai votar, em oposição a 16% dos homens.

Em 2022, numa análise sobre as quatro sondagens do ISCTE nesse ano, o investigador Pedro Magalhães, escrevia que a proporção entre mulheres e homens entre os indecisos era uma de duas diferenças significativas entre os sexos. A “opção “Não sei” — os chamados “indecisos” —, [foi] mais frequentemente escolhida por mulheres do que por homens”, lê-se.

À Renascença, Marina Costa Lobo, politóloga e investigadora principal do estudo pós-eleitoral de 2022, assinala que, contudo, as diferenças nesse aspeto, entre os géneros, não são significativas.

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  • Anastácio José Marti
    14 fev, 2024 Lisboa 10:02
    Mais importante do que constatar que há indecisos seria ter a sensibilidade para perguntar porque há indecisos? São inúmeras as razões porque existem e há tendência para cada vez serem mais aqui estão alguns dos motivos que nenhum partido se dignou reparar até hoje e nada se vê nos programas dos partidos políticos com essa vontade: 1 - Para quando dignificar todo e cada um dos trabalhadores DEFICIENTES, permitindo a sua realização profissional e respeitando a lei do TRABALHO DIGNO, assim desrespeitada, quando no Estado há trabalhadores DEFICIENTES, licenciados, que ainda hoje, 14/2/2024, são impedidos de se realizarem profissionalmente ingressando na carreira de Técnico Superior, apesar de reunirem todos os requisitos legais para o poderem fazer? 2 - Quando passarão para a lei, a possibilidade de todos e todas as trabalhadoras portuguesas se poderem aposentarem sem serem penalizados desde que tenham 40 ou mais anos de desconto? 3 - Quando algum partido politico assume a responsabilidade de repor o pagamento dos Subsídios de Férias e de Natal por inteiro, sem descontos, como acontecia antes da Troika, e uma década após a saída da Troika, continuam imoral, injusta e intelectualmente desonesta a fazerem incidir sobre tais subsídios descontos para a CGA, ADSE, IRS, que em nada contribuem para a carreira contributiva de quem trabalha, pois num único mês, descontam em duplicado sem que essa duplicação conte como dois meses para a carreira contributiva de quem trabalha? Enquanto estas vergonhas nacionais não forem corrigidas e anuladas continuarão a existir cada vez mais indecisos e a abstenção será cada vez maior, o que os políticos não querem ver, pois só penalizam quem trabalha imoral e injustamente, para que ninguém neles acredite dos que são vítimas destas imoralidades e injustiças.

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