Plano de Recuperação e Resiliência

Costa e Marcelo surfam “a mesma onda”, mas sem ficar com o “coração mole”

31 mar, 2023 - 23:45 • Tomás Anjinho Chagas

Presidente da República e Primeiro-ministro bateram quilómetros para ampliar o mapa e ver a bazuca europeia no terreno. No final, disseram-se alinhados e alerta.

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Aveiro, Tondela, Viseu e Mangualde. Belém convidou São Bento a sair da capital e a ver se realmente o Plano de Recuperação e Resiliência está a materializar-se. A luta é antiga e já subiu de tom. Em novembro de 2022, o presidente da República deu um puxão de orelhas público ao Governo, nesse caso representado por Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial (pasta que tem intervenção na execução do PRR), prometendo mão forte na fiscalização da aplicação dos fundos europeus.

De lá para cá, o Governo respondeu e até criou um "roadshow" chamado "PRR em Movimento" para mostrar trabalho e garantir que a bazuca europeia é mais do que um slogan político e está a chegar ao terreno. Esta sexta-feira, foi o presidente da República a desafiar o primeiro-ministro a fazer a prova dos nove, ao pedir-lhe que o acompanhasse em visitas a projetos que vão beneficiar destes fundos de Bruxelas.

Para juntar ao encontro já de si potencialmente explosivo, o encontro acontece na semana seguinte ao crispar de relações entre São Bento e Belém, que começou com críticas expressivas de Marcelo Rebelo de Sousa ao pacote "Mais Habitação" do Governo e acabou com o primeiro-ministro a sugerir que ao contrário das funções executivas, em outros cargos de soberania "fala-se, fala-se, fala-se".

Mas o resultado final foi o pacificar e normalizar de relações entre os dois, mesmo que com recados pelo meio das frases simpáticas dirigidas um ao outro.

Arma apontada ao Governo? "Atento, atento, atento!"

O dia começou em Aveiro, onde o primeiro-ministro e o presidente da República visitaram a Universidade, onde vários projetos relacionados com o 5g vão receber fundos do Plano de Recuperação e Resiliência. Foi por lá, junto à ria que se entranha pela cidade, que António Costa aproveitou para dizer, durante a visita que fez que os avanços "mostram que o PRR está em execução".

O primeiro-ministro sublinhou o que tem dito, desde que foi para a República Dominicana com Marcelo Rebelo de Sousa, que a relação entre os dois está bem e "não precisa de um reforço".

A visita seguiu para Lajeosa do Dão, no concelho de Tondela, onde os dois estiveram na Associação Cultural Recreativa e Desportiva de Vinhal. É lá que vai nascer um centro multivalências projetado em 2009, mas que a crise empurrou até agora. O projeto prevê a construção de um edifício que vai receber idosos e crianças, a bazuca europeia dá um apoio de mais de um milhão de euros nesta obra que vai custar perto de 3 milhões.

Na comitiva do Governo marcaram também presença da Ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, o secretário de Estado adjunto do Primeiro-ministro, António Mendonça Mendes e ainda Ana Sofia Antunes, secretária de Estado da Inclusão. Entraram pelo prédio que ainda só tem um esqueleto de betão, mas que tem a conclusão prevista para o final do próximo ano.

A equipa do primeiro-ministro foi recebida de braços abertos por algumas dezenas de locais- algo que António Costa tem tido pouco nos últimos meses, onde a contestação é o pano de fundo para quase toda a sua agenda fora do gabinete-, mas o maior aplauso deu-se quando o presidente da República saiu do carro.

A diferença do palmómetro não parece ter eriçado o primeiro-ministro que prontamente se preocupou com o bem-estar físico do Chefe de Estado. "Aperte o capacete, senhor presidente", aconselhou António Costa uma vez que estavam prestes a entrar num edifício em obras. "Venha cá que eu ajudo", disse depois enquanto ajudava Marcelo Rebelo de Sousa a vestir o colete laranja fluorescente.

O centro multivalências podia ser confundido com qualquer infraestrutura, mas o presidente da República não poupou elogios: "Podia ser no centro mas não ser bonito. Está bem esgalhado", descreveu Marcelo ao olhar para a vista sobre um campo de futebol. O entusiasmo não foi o mesmo quando soube da capacidade do centro para acolher idosos: "Só vinte?", lamentou.

A meio da visita, os autarcas e responsáveis da associação pediram que se abrisse uma clareira na roda em que estava o primeiro-ministro e o presidente. Na mão traziam sacos verdes com presentes: eram bestas (símbolo do concelho de Tondela que se chegou a chamar "Besteiros" no século XIX).

O presidente agarrou na sua arma para gozar a oferenda e o primeiro-ministro disse, com boa disposição: "É melhor apontar para o ar". Os jornalistas instigaram o eventual conflito amigável: "Está a apontar para o Governo, senhor Presidente?". Marcelo Rebelo de Sousa rejeitou, mas também a rir-se disse: " Atento, atento, atento", gesticulando com a arma que dispara setas na horizontal- que estava desarmada nesse momento.

A brincar se dizem as verdades, e a vigilância prometida ao Governo em tom jocoso acabaria por ser confirmada mais tarde, quando Marcelo Rebelo de Sousa falou aos jornalistas no final das quatro visitas.

As despedidas foram ainda mais animadas. Acarinhados pela população, António Costa, tal como fez na semana passada no Parlamento, voltou a fazer uma distinção entre ser Presidente e primeiro-ministro, no que à receção das pessoas diz respeito: "A grande diferença entre as visitas do Governo e do Presidente, é que quando o Governo aos autarcas vão ao terreno recebem um caderno de encargos para levar para casa", ironiza o chefe do executivo.

Marcelo, habituado ao contacto com a população, disse que também é vítima das queixas: "A mim dizem-me: «chateie o Governo com isto»".

Já de saída, por entre abraços e fotografias, o Presidente teve ainda tempo para receber um elogio do primeiro-ministro. António Costa estava a despedir-se de António Leitão Amaro (vice-presidente do PSD e presidente da Assembleia Municipal de Tondela), comentava a sua relação de professor-aluno com Marcelo e deixou uma convicção ao dirigente social-democrata: "Já percebi qual é o seu problema", disse Costa, sugerindo que para voltar a chegar ao Governo, faltou a Leitão Amaro também ser aluno de Marcelo Rebelo de Sousa.

Viseu. Tensão e Habitação

Foi a visita mais rápida, mas também a mais dura para a caravana do PRR. Primeiro-ministro e presidente da República foram recebidos no Bairro Municipal da Cadeia, em Viseu, pelo eterno autarca Fernando Ruas e Marina Gonçalves, ministra da Habitação que veio dar a cara pela sua tutela. É nesta zona da cidade de Viriato que o PRR está a ser utilizado para reabilitar dezenas de habitação.

Depois de uma conversa suave com um rapaz de dez anos, os dois protagonistas foram de imediato confrontados com os lamentos de uma antiga moradora deste bairro: "Eu estou numa casa cheia de humidade com quatro crianças. Vocês deviam dar as casas às pessoas que foram criadas neste bairro. Eu sou mãe solteira e não me dão casa aqui, gostava de saber o porquê", reclama esta mulher, que vai empurrando um carrinho de bebé.

O ambiente tento mantém-se. De seguida um professor dirige-se ao primeiro-ministro para criticar o sistema de colocação de docentes: "Para o ano, provavelmente irei para bem mais longe e a minha esposa também. Eu tenho filhos, o que é que eu faço com eles? Abandono-os?", suspira enquanto vai seguindo o rasto de António Costa pelo bairro viseense.

A "onda" partilhada que não amolece Marcelo

Próxima paragem: Mangualde. O ponto escolhido é a Stellantis, uma empresa de montagem automóvel que vai beber do PRR para acelerar a transição energética. A ambição não é pequena: a Stellantis quer ser a primeira fábrica do mundo a atingir a neutralidade carbónica em 2038. Para isso conta com um investimento de 119 milhões que devem resultar na criação de 450 empregos nesta cidade beirã.

A pulsação foi francamente mais baixa neste último ponto da agenda. Rodeados de empresários, primeiro-ministro e presidente da República entraram em tapetes automáticos que levam carroçarias de carros para perceber como é que funciona esta linha de montagem.

À saída da Stellantis, o presidente da República garante que a sua obsessão pelo PRR não vai desaparecer, mesmo que tenha gostado do que viu durante esta sexta-feira.

"Eu acompanhei as dificuldade e percebo o mérito de pôr de pé no PRR, mas a minha função é a de o meu coração não ficar por isso mais mole, e de vez em quando ser duro na exigência", confessa Marcelo.

Mas em Belém, a convicção é que a preocupação é igual em São Bento: "Que não tenham dúvidas que o primeiro-ministro pensa o mesmo. Quando está atento à reprogramação do PRR (...), para tornar mais fácil e rápido de executar e concretizar os objetivos definidos: está na mesma onda", alega o presidente da República.

Ao lado, numa espécie de declaração conjunta aos jornalistas, o primeiro-ministro lembra que cada um tem "a sua função" e que "se cada peça desempenhar a sua função, o carro anda bem". E quanto ao barómetro da preocupação, António Costa vai ainda mais longe do que o dito pelo presidente.

"Eu até diria que penso dez vezes mais do que o presidente da República, por uma razão muito simples, é que se as coisas não correrem bem é mesmo a mim que me pedem contas. Não é ao presidente da República", confirma o primeiro-ministro.

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  • Americo
    01 abr, 2023 Leiria 06:57
    Estes dois srs, vão ficar na história de Portugal. Dois srs que numa década, empobreceram os Portugueses, destruíram a confiança que tínhamos nas Instituições, destruíram a Escola, o SNS. Triste legado.

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