Legislativas 2022

António Absoluto

31 jan, 2022 - 00:37 • Fábio Monteiro

Para António Costa, à terceira foi de vez: conseguiu a desejada “metade mais um”, aquela meta que apenas José Sócrates tinha conseguido ultrapassar em representação do PS. Eis o político que nasceu à esquerda, que chegou a pensar que nunca chegaria a primeiro-ministro

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Terceiras eleições legislativas, terceiro Governo de António Costa. E, desta feita, com maioria absoluta: aquele objetivo que chegou a vocalizar durante a campanha, mas que, por causa da inflexão das sondagens, depois escolheu abafar. Não é feito de somenos. Depois de ter formado, em 2015, a geringonça e ultrapassado Pedro Passos Coelho para direita, de em 2019 ter acelerado sozinho pelo centro, António Costa ultrapassou agora os antigos parceiros de esquerda – que chumbaram o Orçamento de Estado para 2022.

O socialista repete o feito que apenas José Sócrates conseguira atingir pelo PS. E deixa assim uma marca na história da democracia portuguesa.

De certa forma, quase parecia destinado a isto. O líder do PS nasceu sob o signo da esquerda. O próprio, há uma década, afirmou: “Nasci de esquerda, como a generalidade das pessoas nascem católicas.” Em 2009, chegou a afirmar que que nunca viria a ocupar a liderança do PS - quanto mais ser primeiro-ministro. “Não tenho essa ambição. Já me aconteceram várias coisas que não esperava que acontecessem, mas não vejo que isso venha a acontecer-me. E tenho dúvidas de que fosse uma boa solução, em geral e em particular”, contou.

Passados 13 anos, os portugueses escolheram colocá-lo no leme do país.

Nascido à esquerda

Costa tinha 14 anos quando se filiou na Juventude Socialista (JS). E ainda frequentava o Liceu Passos Manuel, quando, numa corrida às urnas pela direção da Associação de Estudantes, formou a sua primeira geringonça; para derrotar a lista do colega Manuel Monteiro, futuro líder do CDS, aliou-se a Miguel Portas, futuro dirigente do Bloco de Esquerda.

Propulsionado por uma “visão romântica, muito alimentada pelo Perry Mason [personagem fictícia da série televisiva homónima]”, António Costa decidiu tornar-se advogado e foi estudar Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A esgrima intelectual da advocacia, porém, nunca lhe subiu totalmente à cabeça.

Em miúdo, um tio materno chamava-lhe “O Simples”. Porquê? “Tive sempre aversão, ou menos gosto, pela conceptualização. Tive sempre o maior prazer em resolver problemas. Acho que tenho jeito e alguma imaginação para o fazer. Ser ministro ou ser presidente da Câmara, a oportunidade que me dá é a de resolver problemas.”

Ainda antes de fazer 30 anos, cumprida a tropa obrigatória, entrou para o secretariado do PS pela mão de Vítor Constâncio; foi admitido na Ordem dos Advogados, em 1988, depois de estagiar no escritório de Jorge Sampaio, Vera Jardim e Júlio Castro Caldas.

Vida parlamentar

Costa chegou ao Parlamento pela primeira vez em 1991. “A generalidade dos dirigentes políticos do PS foram deputados muito antes de mim. Estive de 76 a 91 sem nenhum cargo político nacional. Estive 11 anos na assembleia municipal de Lisboa. Fiz um curso, exerci a minha profissão, só suspendi a atividade profissional em 95, quando fui para o Governo. Isso foi uma decorrência do resto da atividade”, disse um dia.

Em 1993, o socialista destacou-se por concorrer à presidência da Câmara de Loures; perdeu as eleições, mas deixou na memória dos portugueses uma corrida entre um burro e um Ferrari, na calçada de Carriche, para demonstrar os graves problemas de acessibilidade ao concelho. Três anos depois, foi diretor de campanha de Jorge Sampaio para as eleições presidenciais. Na época, com António Guterres no lugar de primeiro-ministro, já tinha funções governamentais: secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Em 1998, no mesmo Governo, subiu a ministro dos Assuntos Parlamentares. Guterres até o convidou para ocupar a pasta da Defesa, que havia sido deixada vaga por António Vitorino, mas o socialista recusou. “Achava que não tinha capacidade, saber, experiência, maturidade, para poder exercer essas funções. Aceitei coisas que achava que tinha capacidade para exercer. Nalguns casos, com algum atrevimento.”

Costa integrou também o segundo Governo de Guterres, desta feita com a tutela da pasta da Justiça. Quando o executivo caiu e Durão Barroso chegou ao poder, voltou à Assembleia da República – e presidiu ao Grupo Parlamentar do PS entre 2002 e 2004. Depois, fez uma escapadinha europeia: foi eleito eurodeputado, nas eleições de 2004, e exerceu funções como vice-presidente do Parlamento Europeu até 2005.

O périplo por Bruxelas foi curto. Com a saída surpresa de Durão Barroso para a Comissão Europeia e a eleição de José Sócrates, o atual líder do PS regressou a Portugal para ser ministro de Estado e da Administração Interna – a terceira pasta ministerial em menos de uma década.


As vitórias e derrotas de uma noite de maioria
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De Sócrates à Geringonça

Em 2007, José Sócrates lançou António Costa numa demanda: reconquistar a autarquia de Lisboa. E assim o candidato-que-deixou-de ser-ministro fez.

Nas primeiras eleições para a autarquia alfacinha, ganhou sem maioria absoluta e foi obrigado a fazer acordos à esquerda. Já no segundo mandato, conquistado em 2009, Costa atingiu mesmo a maioria absoluta. A conjuntura nacional, todavia, mudara de forma radical. Entre a saída de José Sócrates de cena, o novo Governo de Passos Coelho e a vinda da troika, o nome de António Costa voltou a ser badalado. Em particular, porque a oposição liderada à época por António José Seguro não convencia a estrutura interna do PS.

António Costa, porém, não saltou logo para o ringue. Foi apenas depois do resultado parco, que soube a “poucochinho”, do PS nas Europeias de 2014 que se chegou à frente. Consequência: Seguro e Costa bateram-se numas eleições primárias.

Um ano depois, foi a vez do confronto Passos-Costa. Nas legislativas, a coligação Portugal à Frente, que juntava PSD e CDS-PP, teve mais votos que o PS sozinho; todavia, a maioria dos deputados eleitos estavam à esquerda.

Cavaco Silva ainda empossou Passos Coelho novamente como primeiro-ministro, mas António Costa “derrubou” o muro à esquerda: uniu, pela primeira vez desde 1974, ao nível nacional, o PS ao PCP e também ao Bloco de Esquerda, formando a geringonça, uma maioria de esquerda. Foi assim que chegou ao lugar de primeiro-ministro, aquele sítio onde dizia que não ia chegar.

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