15 jan, 2024 - 19:01 • Maria João Costa
“A história da minha família está intimamente ligada à história da Vista Alegre” conta à Renascença, João Pinto Basto. Ele é descendente de José Ferreira Pinto Basto, o fundador da marca cuja fábrica nasceu em 1824, em Ílhavo.
João Pinto Basto pertence à sexta geração da família. Antes dele, também o seu pai e o avô foram administradores da Vista Alegre, a empresa que está este ano a celebrar 200 anos. São dois séculos de história que serão marcados por vários momentos.
No dia em que saiu dos fornos da fábrica o primeiro prato calendário de 2024 com que a empresa marca o bicentenário, foi divulgado o programa das festividades. Nuno Barra, administrador da Vista Alegre explicou que terão várias exposições, “a mais importante será no Palácio Nacional da Ajuda, no final do ano”.
Terão também uma exposição “sobre o impacto socioeconómico da Vista Alegre na região”, diz Barra que anuncia para este ano a entrada da marca no chamado mercado de Lifestyle. Além de “lançar uma coleção de têxtil de mesa, com parceria com os Bordados da Madeira”, a Vista Alegre vai entrar no mercado do mobiliário, “em parceira com estúdio de design italiano”, indica o administrador que promete para a Feira de Paris a apresentação das novidades.
O bicentenário contará também com o lançamento de peças especiais, desde logo uma “talha com 2 metros de altura, pratos de tamanho XL com 70 centímetros de diâmetro com intervenções de artistas como os brasileiros Gémeos ou o italiano Lorenzo Mattotti”, explica o administrador que fala ainda num conjunto de edições de livros, um deles sobre a História dos 200 anos da Vista Alegre.
O herdeiro do fundador, João Pinto Basto, fala de um “enorme motivo de orgulho” da Vista Alegre e da marca que o seu familiar criou. Refere-se a ele como um “visionário”. “Era um cidadão do mundo que tinha negócios espalhados pela Ásia e pelo Brasil. A porcelana era uma indústria que dava estatuto. Acredito que esse terá sido uma das razões pela qual ele investiu na Vista Alegre. Foi uma vontade absolutamente férrea, com condições dificílimas, com alguma loucura pelo meio, mas com grande arrojo e ousadia”
Da fábrica de Ílhavo saem diariamente, “em média 50 mil peças” contabiliza Teodorico Pais. O diretor da unidade industrial da Vista Alegre que cumprimenta todos os trabalhadores enquanto percorre os corredores da fábrica diz que hoje a marca tem “6 fábricas”.
Mas Teodorico Pais sublinha que “a porcelana é toda feita”, em Ílhavo. “Esse é um dado curioso nos 200 anos. Houve vários processos de evolução, de capacidade de subcontratação na Ásia, mas a Vista Alegre nunca evoluiu para essa estratégia. É uma das razões pela qual hoje temos um parque industrial moderno, um dos mais bem preservados da Europa e mais competitivo” aponta orgulhoso o responsável.
A maior parte da produção que sai das mãos de 650 trabalhadores é exportada. Teodorico Pais diz que cerca de 75 por cento das peças vão para Espanha e França, dois dos principais mercados europeus, mas acrescenta que a Vista Alegre tem também crescido no Brasil, Estados Unidos e mais recentemente na Ásia e Médio Oriente.
Dentro da fábrica, entre os ruido das máquinas a trabalharem, o administrador Nuno Barra explica que o facto de terem vindo a diversificar os mercados com os quais trabalham, tem sido uma mais-valia para a sustentabilidade do negócio.
“O contexto internacional não se avizinha fácil este ano. No ano passado, e no ano anterior, tínhamos tido um impacto muito forte com o aumento do gás. Foi, de facto, bastante complicado. Este ano continua-se a sentir o aumento de outros fatores de produção como o papel e a energia elétrica. O facto de estarmos presente neste momento em mais de 70 países, permitiu-nos ter a oportunidade de ir ingerindo esses altos e baixos”, refere Barra.
Uma das crises que a empresa atravessou foi em 2009, altura em que foi comprada pelo grupo Visabeira que manteve a marca, investiu na sua dinamização e apostou em levá-la ao mercado internacional com nova pujança.
Longe do rebuliço do barulho das máquinas da fábrica, trabalha Ricardo Alegria. Entrou na Vista Alegre “tinha 15 anos”. Hoje tem 48 e continua a trabalhar, tal como há 33 anos, na escultura. Sentado na sua bancada, de pincel na mão está a produzir uma escultura de Beija-Flor.
Enquanto cola algumas das cerca de 40 peças que compõe a escultura, Ricardo Alegria diz que gosta do que faz. “É como se eu fizesse parte desta família. O meu pai trabalhou aqui, os meus avós também, e agora estou aqui. Sinto-me bem em fazer parte destes 200 anos”, diz o artista.
Mais nova é Liliana Morais. Está noutra das salas silenciosas da Vista Alegre, a sala da pintura rodeada de grandes janelas luminosas. Tem 34 anos e está há 5 na fábrica para onde mandou um curriculum depois de estudar artes. “Fui a primeira pessoa a entrar aqui com um curso de artes”, explica-nos.
“Sinto orgulho em fazer parte da equipa” confessa, de pincel na mão e bata branca vestida. Está a fazer “um peão” do xadrez de porcelana que é vendido nas lojas. Conta-nos que acha que a maior parte das pessoas que se espanta com alguns dos preços, “não tem ideia do processo” e que peças como esta são feitas à mão.
“Acho que é muito importante as pessoas conhecerem o espaço, visitarem o museu e depois fazerem a visita e ver a manufatura”, diz Liliana Morais. Ali ao lado, está uma das novas apostas da marca, a sala de restauro.
Teodorico Pais conta, satisfeito, que a procura tem “superado as expetativas”. São muitos os portugueses que herdam peças da Vista Alegre e que por vezes, por terem algum dano, procuravam o seu restauro fora, conta o administrador que destaca o facto de cada peça ter o seu “bilhete de identidade” o que permite à fábrica, sempre que possível fazer um restauro mais fidedigno.
Visitar a Vista Alegre é muito mais do que ver uma fábrica em pleno funcionamento. No complexo erguido em Ílhavo conta-se também a história desta marca através do edificado. Além de um teatro e uma creche, na Vista Alegre subsistem aquelas que foram as casas dos trabalhadores, um bairro operário que nasceu também em 1824
Ao lado da Capela em honra de Nossa Senhora da Penha de França, está o museu que guarda o acervo da fábrica, exemplos de peças únicas, mas também um importante espólio de fotografia e peças que contam a vida dos trabalhadores e da fábrica.
Recentemente renovado com o apoio do Museu Nacional de Arte Antiga, o museu revela ao público como a marca foi se adaptando aos tempos, integrando peças de artistas, mas também mostra como a vida da Vista Alegre também se conta através das muitas gerações e famílias ali trabalharam.
“A Vista Alegre é uma marca bandeira” refere João Pinto Basto, o familiar do fundador lembra que a marca leva o nome de Portugal mais além inscrito em cada uma das peças que sai de Ílhavo.
A rir, o também diretor do Clube de Colecionadores da Vista Alegre conta uma história de um antepassado seu. “Um administrador desta casa, numa visita ao armazém, virou um prato e estranhamente verificou que o prato não tinha a marca e obrigou o pessoal do armazém a revirar todos os pratos para verificar se faltava alguma marca. Parece que no final do dia, o único prato que não tinha a marca foi aquele que ele levantou”.
Este episódio, diz muito sobre a marca, vinda Pinto Basto. “Isto exemplifica, e traduz muito bem, a importância que a marca sempre teve nesta casa”, aponta. Hoje a marca, nos 200 anos ganha um renovado símbolo assinado por Pedro Cerqueira que transformou os dois zeros do número 200 no símbolo do infinito.
Olhando para o futuro, Pinto Basto fala da Vista Alegre como “um exemplo de resiliência que atravessou momentos de muita glória e momentos muito difíceis”. Mas na opinião deste descendente do fundador da fábrica, a “cultura de empresa baseada e centrada nas pessoas” que ali trabalhavam, explica “em grande medida a resiliência da marca”. A concluir, João Pinto Basto afirma: “Aqui estamos 200 anos depois e que venham mais 200!”.