22 ago, 2023 - 07:00 • João Carlos Malta (texto), Ricardo Fortunato (imgem)
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Ainda faltam muitas horas para o Papa Francisco chegar à Colina do Encontro para a Missa do Acolhimento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), mas em Belas, Sintra, na Quinta das Tílias, ultimam-se todos os pormenores. E num grupo que tem mais de uma dezena de deficientes, há mesmo muita logística a tratar para que nada falhe. O grupo, com voluntários, chega às 35 pessoas, e o corrupio de entrada no autocarro só termina quando as várias cadeiras de rodas ficam acomodadas na parte de baixo do veículo.
Bruno Silva, de 29 anos, tem paralisia cerebral e é um dos elementos que chegou de vários pontos do país acolhidos pelo grupo do Santuário de Fátima “Vem para o Meio”. Dentro daquele autocarro o ambiente é de verdadeira festa. Canta-se. Ri-se. E pratica-se a modalidade de dança sentada . O hino da Jornada marca a cadência dos 20 quilómetros que os separam do Parque Eduardo VII, onde o Papa Francisco terá o primeiro de muitos encontros com as centenas de milhares de jovens que o esperam no centro da capital.
Além da música, há a irmã Marta que lidera o grupo e pontua os ritmos. Ao microfone anuncia a presença da equipa da Renascença. “Hoje o Bruno é o nosso especial”, avisa.
Depois, apontando para a máquina de filmar, pergunta envergonhada: “Isso está mesmo a gravar, a ouvir a minha voz?”. Os outros passageiros não contêm os risos.
“Os jornalistas vão-nos acompanhar para, através do olhar do nosso Bruno, contarem como é um dia na Jornada Mundial da Juventude de uma pessoa com deficiência . Vão ver pelos olhos do Bruno, mas também de todos nós. Eles rapidamente vão descobrir que somos todos deficientes”, avisa. Nova gargalhada geral.
Seguem-se vivas ao Papa, a Nossa Senhora de Fátima, e viva também à inevitável irmã Marta, que se percebe ser querida de todos. Às voluntárias, “por toda a paciência e esforço”, é “prometido o céu” e no meio de tudo isto, Bruno vai balbuciando as músicas da Jornada.
"Tive a oportunidade de ficar mesmo na linha da frente, a poucos metros dele [Papa Francisco]. E realmente, é um privilégio muito grande", Bruno, 29 anos.
Já quase a chegar ao destino, a multidão começa a concentrar-se e tem de ser a PSP a abrir alas para o autocarro passar. Começa-se a sentir a ansiedade para chegar ao local onde Francisco dentro de pouco tempo passará. São poucos metros a pé até ao local em que o grupo ficará nas próximas quatro horas. A zona reservada aos deficientes é grande e está mesmo junto ao palco.
Mas a impressão inicial vai-se dissolvendo, porque por cada pessoa portadora de deficiência entra também um acompanhante. Rapidamente a circulação torna-se um problema, o espaço parece cada vez menor. Bruno senta-se numa cadeirinha, um luxo naquele local e é ali que vai contando os minutos até a cerimónia.
De repente, percebe-se que Francisco passará ali mesmo ao lado. A emoção cresce e ele não esconde o entusiasmo. Quer estar mesmo na fila da frente. Bem-dito, bem feito.
“Tive a oportunidade de ficar mesmo na linha da frente, a poucos metros dele. E realmente, é um privilégio muito grande”, conta.
São poucos segundos, mas parecem muitos. Alguns minutos depois, ainda mal refeito, Bruno conta o que sentiu. Ainda se sente a emoção nas palavras.
“Este momento, para quem é cristão como eu e acredita, é algo de indescritível . É o estar próximo de Sua Santidade, alguém que está no topo da hierarquia da nossa religião”, descreve.
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Estar ali é o culminar de um desejo de meses que se pôde concretizar dada a ação do grupo "Vem para o Meio" (VpM). “Quando eu tive a oportunidade de participar com este grupo, não hesitei, porque é uma coisa ainda muito mais especial estar aqui neste grupo onde, digamos, estou no meu mundo. Fiquei muito impressionado e estou a adorar ter aceitado o desafio”.
Bruno está de facto entusiasmado com o que o rodeia e vê. Mas as emoções começaram já dois dias antes, quando o grupo se encontrou no Santuário de Fátima e recebeu pessoas portadoras de deficiência de todo o país. No total são 13. O jovem de 29 anos veio da Murtosa, em Aveiro, onde trabalha na câmara local, no departamento de comunicação.
Naquela semana assentaram arraiais em Belas, na Quinta das Tílias, uma espécie de quartel-general do grupo "Vem para o Meio". “Foi inesquecível a chegada à casa onde temos convivido estes dias. E claro, sempre com Maria no coração”, concretiza.
"Quando eu tive a oportunidade de participar com este grupo, não hesitei, porque é uma coisa ainda muito mais especial estar aqui neste grupo onde digamos, estou no meu mundo", diz Bruno
Estar no meio de outras pessoas com deficiência diz que é “muito gratificante”. Pouco depois de entrar no recinto da Colina do Encontro revela a “muita emoção de estarmos aqui a celebrar a fé, assim, todos juntos com estes milhares de pessoas”.
“Estar aqui tão perto do palco, não há palavras. É um momento indescritível. Já na missa de Abertura, eu, quando entrei na área da mobilidade reduzida, nem tinha noção da multidão que ia encontrar. E, de facto, ao ver tanta gente como eu ou bem pior do que eu, deu-me muita motivação para continuar cada vez mais ”, revela.
De seguida, Bruno diz que “a deficiência já condicionou mais" a sua vida, porque não se revia nela. “O facto de conhecer este grupo, ajudou a reencontrar-me”, afiança.
Depois de ter refletido sobre como se vê, avança para as ideias que tem sobre a forma como os outros o veem. “Acho que a forma como as pessoas olham para mim, de uma maneira geral ainda é muito na rejeição, mas o que eu aprendi foi que não podemos ligar a isso”, explica.
“Temos de seguir em frente e não olhar para as coisas que não somos capazes de fazer e olhar sim para as capacidades que temos”, sublinha.
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Os minutos passam e, pouco depois, Francisco entra no palco. É nesta cerimónia que o Papa dirá das palavras mais marcantes dos quatro dias em que esteve em Portugal e que foi repetindo nas cerimónias que se seguiram.
"O que eu levo daqui é muita energia, muita força. Poder estar a viver no meio da multidão (….) realmente, a fé move montanhas. É mesmo verdade", Bruno, 29 anos.
“Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias: na Igreja há espaço para todos. Para todos! Na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos, assim como todos. E Jesus disse isso claramente quando chamou os discípulos para o banquete de um senhor que o tinha preparado e disse tragam todos: jovens e velhos, doentes e sãos, justos e pecadores. Todos, todos, todos. Na Igreja há lugar para todos. 'Padre eu sou um desgraçado ou uma desgraçada. Há lugar para mim?' Há lugar para todos, juntos, cada um na sua língua. Cada um na sua língua repitam comigo: todos, todos, todos. Esta é a Igreja, a Mãe de todos ”, disse o Papa.
No sítio onde estava, apesar da proximidade com o palco, a qualidade de som não permitiu perceber bem as palavras do Santo Padre. Bruno assume-o, mas refere que o que conta é a “intenção e a comunhão com os outros jovens”. “Não só do meu grupo, mas todos os jovens do mundo inteiro”.
Ainda assim, as emoções estavam num turbilhão. Terminada a celebração, Bruno faz um balanço daquele momento único: “ O que eu levo daqui é muita energia, muita força. Poder estar a viver no meio da multidão (….) realmente, a fé move montanhas. É mesmo verdade”.
E por fim conclui: “Queria reforçar aqui um ponto importante, para mim é importante estar a viver este momento, acima de tudo, com o grupo de pessoas com deficiência que ajuda a fazer a ligação a Deus e a aproximar-me mais deste mundo que é o meu”.