12 mai, 2023 - 06:30 • João Carlos Malta
O tráfico de estupefacientes e consumo de drogas junto às escolas cresceu 74% no ano passado em relação aos números de 2021, um ano em que as escolas passaram ainda algum tempo encerradas devido à pandemia de Covid-19. O fenómeno está a preocupar as associações de pais.
De acordo com os dados enviados à Renascença pela GNR e pela PSP, verifica-se que, em média, a cada dois dias, uma destas forças de segurança é chamada a intervir junto a um estabelecimento de ensino por uma ocorrência relacionada com o tráfico ou consumo de drogas.
Em 2022, houve 176 crimes participados relacionados com estupefacientes junto a escolas, que comparam com 101 no ano anterior.
No entanto, há que atender que estes dados estão condicionados pelos dois anos de pandemia em Portugal, no qual os estabelecimentos de ensino estiveram encerrados durante diferentes períodos em 2020 e 2021.
PSP
Participaram 3.468 polícias em 1.070 operações, qu(...)
Olhando para o ano de 2019, o último completo sem Covid-19, os números de 2022 estão muito perto dos registados nesse ano, em que as forças policiais registaram 191 ocorrências.
Ainda assim, em 2023, a tendência de crescimento parece ser real. Nos primeiros três meses deste ano, a PSP e a GNR já registaram 82 ocorrências relacionadas com tráfico de droga junto a estabelecimentos de ensino, quase metade do valor registado em todo o ano passado.
O presidente do Observatório para a Segurança Interna (OSI), Hugo Costeira, olha para os dados com a sensação de que podem estar sub-representados.
“A comunidade escolar tem uma capacidade e uma tendência de menosprezar esse problema e de o tentar resolver sem recorrer às autoridades”, começa por explicar declarações à Renascença.
Para o especialista, os números podem “não ser minimamente reais, até se imaginarmos o enquadramento de algumas escolas, a localização de algumas escolas, a população envolvente e os problemas sociais”.
"Acho que esses números podem estar sobejamente diminuídos”, defende Hugo Costeira.
A PSP, por regra, regista o triplo das ocorrências relacionadas com este tipo de crime do que a GNR, o que dá ao fenómeno um cariz urbano. Contudo, o tráfico de droga junto a escolas começa a repercutir-se noutras localidades.
"As regiões de Lisboa e do Porto são aquelas em que tradicionalmente há mais ocorrências, mas as mesmas começam a aparecer em cidades mais pequenas", assegura a presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) à Renascença.
"A comunidade escolar tem uma capacidade e uma tendência de menosprezar esse problema e de o tentar resolver sem recorrer às autoridades", Hugo Costeira, Observatório da Segurança Interna.
Mariana Carvalho reconhece que, com a pandemia, esta deixou de ser uma "preocupação tão ativa", o que fez com que deixasse de "haver um foco e uma preocupação em relação a isto".
Já em relação ao ano letivo em curso, que começou em setembro, os pais dizem conseguir "perceber o aumento dos números".
"Estamos representados em institutos e em grupos de trabalho nesta matéria, inclusive também fizemos no mês passado um evento com a Associação de Bares e Discotecas do Porto e fomos convidados por eles para fazer um debate sobre esta temática", pormenoriza Mariana Carvalho.
Tanto PSP como GNR garantem que o haxixe é a droga-rainha junto às escolas portuguesas, seguida da cocaína. “Esporadicamente são apreendidas outras tipologias de estupefacientes, como são exemplo o ecstasy, anfetaminas, LSD e heroína”, esclarece a GNR.
Já a líder da CONFAP diz que os relatos que lhe chegam é de que os consumos começam cada vez mais cedo, "entre os 12 e os 13 anos".
Para fazer face ao problema, a confederação está "a trabalhar internamente para passar informação aos pais e promover sessões de esclarecimento e de apoio aos pais e às famílias, adianta Mariana Carvalho.
A ideia é a de que, sem alarmismos, as famílias possam estar "atentas aos sinais" e possam atuar.
A PSP contextualiza estes dasdos, referindo que estão abrangidos 3 mil estabelecimentos de ensino público, privado e cooperativos frequentados por cerca de um milhão de alunos.
Hugo Costeira, do Observatório de Segurança Interna, considera que se pode estar a cair na tentação de “menosprezar estas situações só porque são menores envolvidos no tráfico, ou então porque há determinados professores que entendem que o consumo de determinados estupefacientes é menos grave do que outro”.
“Não podemos ter esse género de leituras e temos é de ter uma abordagem objetiva ao problema da droga nas escolas”, defende.
Em relação a outros dados solicitados pela Renascença à PSP e GNR, nomeadamente número de apreensões e detenções, apenas a Guarda respondeu com a estatística anual. A PSP deu o somatório entre 2018 e 2022, não desagregando os dados por ano, o que impossibilita perceber a evolução do fenómeno.
Com base apenas nos dados da GNR, o número de detidos subiu de 24 em 2021 para 35 no ano passado. Este ano, até março, já se registaram quase metade das detenções de todo o ano anterior, num total de 17 -- um número que já representa quase o dobro dos valores de 2019, ano em que houve nove detenções.
As apreensões feitas pela GNR subiram 60% no ano passado, relativamente a 2021, e são quase o triplo do que tinha sido registado em 2019, no ano pré-pandemia.
Para o presidente do OSI, é necessário que, “ativa e objetivamente, os professores se unam aos polícias e aos militares da GNR, para partilharem informação e até modelos de atuação". Hugo Costeira sugere ainda que "as forças de segurança façam palestras a alertar para estes perigos com maior regularidade do que aquela que hipoteticamente será feita".
Mariana Carvalho afirma que a temática da droga perdeu força nas discussões dentro da comunidade escolar. "Há uns anos era algo de que se falava muito, agora não tanto", refere a representante das associações de pais.
"A maior parte dos pais não está sensivel a esta temática. Não é um assunto tabu, mas espanta as pessoas. A expectativa era de que já não existissem drogas a circular, é isso que sinto."
A PSP sublinha que, no âmbito do Programa Escola Segura (PES), “não é feita uma distinção entre ocorrências no interior e no exterior do estabelecimento de ensino”.
“Todas as ocorrências registadas no interior, exterior e imediações dos recintos escolares, bem como as ocorrências que têm lugar no percurso casa-escola, escola-casa, são consideradas como sendo uma ocorrência em contexto escolar, e estão contabilizadas na estatística a seguir referida”, explica aquela força de segurança via e-mail à Renascença.
Para esta contabilidade, explica a GNR, considera-se ambiente escolar os crimes registados “dentro da escola”, “no trajeto casa-escola” e “fora da escola a menos de 100 metros”.
"É necessário que ativa e objetivamente, os professores se unam aos polícias, aos militares da GNR e partilharem a informação", Hugo Costeira, presidente do Observatório de Segurança Interna.
No âmbito da prevenção deste crime, a PSP salienta que nos últimos seis anos já foram realizadas mais de 4.400 ações de sensibilização sobre o tema “Prevenção do Consumo de Estupefacientes”, com a participação de mais de 86.800 alunos, professores e auxiliares de educação.
A GNR sublinha que está “particularmente atenta aos acontecimentos em ambiente escolar e continua a priorizar a sua atividade operacional, de acordo com a monitorização dos vários fenómenos criminais, através de ações de sensibilização junto da comunidade escolar, operações de fiscalização junto dos locais conotados ao consumo de droga e desenvolvendo investigações que visam o combate ao tráfico de estupefaciente”.
Em comparação com o ano letivo anterior, verificou(...)