11 set, 2022 - 23:07 • Ana Carrilho
Há vários anos que a Alzheimer Portugal alerta para a necessidade e defende uma política nacional integrada de resposta às demências. Ainda sem números rigorosos, estima-se que em Portugal existam pelos menos 200 mil pessoas que sofrem de algum tipo de demência. Mais de metade (50 a 75%) sofrem de Alzheimer, a forma mais comum.
Embora se registem cada vez mais casos de demência precoce, é uma doença ligada ao envelhecimento. Numa população envelhecida, como a portuguesa, a perspetiva é que em 2050, o número de casos tenha praticamente duplicado para 347 mil. São as estimativas da Alzheimer Europe. Em todo o mundo mais de 55 milões de pessoas vivem com Alzheimer ou outro ipo de demências.
Setembro é o mês que assinala a Doença de Alzheimer e a associação (Alzheimer Portugal) tem agendadas diversas iniciativas para chamar a atenção para esta patologia e para a necessidade de lhe dar resposta, aliviando a vida dos doentes e dos cuidadores que, em muitos casos, assumem a tarefa 24 horas durante vários anos. É uma doença de longa duração, que prolongar-se por mais de dez anos, com forte impacto na sua vida pessoal, familiar, social, profissional, económica e na saúde dos cuidadores que são, maioritariamente, mulheres.
Uma das iniciativas passa pelo lançamento do manifesto “Pela memória futura”, assente em quatro princípios-chave: Priorizar, Concretizar, Consciencializar e Aproximar. Já foi apresentado aos grupos parlamentares, no sentido de, na presente Legislatura, os sensibilizar a apresentar e aprovar políticas públicas que visem responder aos desafios crescentes na área das Demências.
O primeiro passo é considerar – urgentemente – que as demências são uma prioridade social e de saúde pública, tendo em conta o número de pessoas – doentes e cuidadores – que já atinge e a evolução que se prevê.
Em 2018 foi aprovada a Estratégia de Saúde na Área das Demências e só três anos depois, os Planos Regionais, cuja implementação vai beneficiar também de verbas do PRR (Plano de Resolução e Resiliência). Mas que tardam em se concretizar, em avançar para o terreno.
A sua implementação vai exigir uma monitorização de todos os casos detetados. E por isso, a aproximação é outro dos princípios-chave.
“Algumas pessoas com demência têm acesso a cuidados de qualidade, conseguem ter um diagnóstico precoce, há quem consiga trabalhar ao nível da prevenção. Mas é preciso uma resposta nacional integrada, acessível a todas as pessoas que têm demência ou que correm esse risco. Não há uma resposta equitativa em todo o país”, frisa Rosário Zincke Reis, vice-presidente da Alzheimer Portugal, em entrevista à Renascença.
Além da carga social e emocional, a Demência acarreta altos custos financeiros. Portugal gasta, em média, 2 mil milhões de euros/ano – cerca de 1% do PIB – em custos diretos médicos e não médicos. Mais de metade são suportados pelos doentes e famílias.
A Alzheimer Portugal defende uma articulação de cuidados a nível geográfico, reduzindo as assimetrias entre diferentes regiões do país; e de cuidados de saúde, com ligações ágeis entre os cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados, de forma a criar um plano integrado de cuidados da Pessoa com Demência, desde os primeiros sinais de alerta até aos cuidados de fim de vida. “O médico de família pode ser aqui uma espécie de embaixador”.
Além disso, a intervenção exige também uma ligação entre a saúde e o setor social, para que perante o diagnóstico, seja possível dar à pessoa com demência uma resposta que possa melhorar a autonomia, bem-estar e qualidade de vida nos diversos contextos (seja em casa ou numa instituição). O envolvimento das autarquias, com uma intervenção local mais ajustada, também é desejável.
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Nos últimos anos a Alzheimer Portugal tem apostado muito em campanhas de sensibilização e informação, para o público em geral, cuidadores e profissionais de saúde. Quais os resultados, foi o que a Renascença questionou.
Rosário Zincke Reis admite que ainda há muito trabalho a fazer. “As pessoas continuam a procurar a Associação ou o médico em estádios da doença muito mais avançados do que seria desejável. Temo-nos confrontado com uma dificuldade enorme porque as pessoas ainda não estão devidamente sensibilizadas. E têm de o ser, com campanhas que as despertem, assim como aos profissionais de saúde, para os primeiros sinais de alerta. É preciso consciencializar”.
“As pessoas ainda têm vergonha de sair à rua, ir ao cinema, ao café ou ao restaurante com alguém que tem demência e que pode ter alguns comportamentos que são socialmente inadequados ou menos aceitáveis. Porque ainda existe um grande estigma e pouca informação sobre a doença. É um estigma que temos de combater e sentimos alguma frustração por ainda não termos conseguido melhores resultados”, confessa a vice-presidente da Alzheimer Portugal.
Uma consciencialização que se poderia tornar mais fácil e eficaz se começasse nos bancos de escola. Especialmente num tempo em que muitas crianças passam os primeiros tempos de vida com os avós e em que essa relação se estreita.
Há já vários livros infantis que tratam a demência com linguagem adequada à idade. É o caso de “O pequeno elefante Memo”, publicado há uns anos pela Alzheimer Portugal e que foi adaptado a uma peça de teatro que correu por muitas escolas do país. O livro bilingue de Paula Guimarães, com tradução de Louis Keil e ilustrações de Alexandra Pinto Rebelo, conta a história de uma família de elefantes, com dois protagonistas: o pequeno Meno e a avó Kelembra. O objetivo é sublinhar a importância da compreensão e do amor na relação entre a família e as pessoas com doença de Alzheimer.
“Este projeto teve um financiamento que entretanto acabou. Já tentámos, junto do Ministério da Educação que o Pequeno Elefante Memo entrasse no Plano Nacional de Leitura, mas até agora, sem sucesso”, diz Rosário Zincke, com manifesta tristeza.
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A demência, de que a Doença de Alzheimer é a forma mais frequente e conhecida, implica o declínio progressivo e irreversível das funções cognitivas, como a memória, a compreensão, a atenção. Estado que se vai agravando ao longo do tempo e pode prolongar-se por muitos anos com perda de autonomia e crescente dependência do doente em relação a necessidades básicas, como a alimentação ou a higiene pessoal e doméstica. Geralmente, é acompanhado de um declínio físico.
Mas, cerca de 40% dos casos poderiam ser, pelo menos prevenidos, com intervenção nos chamados “fatores de risco modificáveis”. O que depende de cada um. Ou seja, levar uma vida mais saudável, socialmente ativa, com menos stress, mais exercício físico, alimentação saudável e combate ao tabagismo ou outras dependências. E já agora, evitando os problemas de audição: está provado que a perda de audição tem um forte impacto no agravamento dos défices cognitivos.
Para Rosário Zincke Reis, dada a previsão de aumento de casos e os custos elevadíssimos que este tipo de doenças acarreta, “seria inteligente apostar na prevenção”.
Esse é um dos objetivos da campanha que a Alzheimer Portugal realiza no Cascais Shopping, de 16 a 20 de setembro, dirigida a toda a população. É uma das diversas iniciativas para assinalar o mês da Doença de Alzheimer. O Dia Mundial é no dia 21.