16 fev, 2022 - 00:20 • Maria João Costa
Em 2020, 61% dos portugueses não leu qualquer livro. É um dos dados que salta à vista no Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses 2020 realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian que é divulgado esta quarta-feira.
Em 223 páginas a equipa que teve como coordenadores José Machado Pais, Miguel Lobo Antunes e Pedro Magalhães faz uma radiografia aos hábitos dos portugueses no consumo de livros, frequência de museus e monumentos, espetáculos, cinema e outras práticas culturais.
Uma das principais conclusões do inquérito que teve um universo de 2 mil inquiridos e que foi encomendando pela Gulbenkian revela que há “significativas desigualdades sociais no acesso à cultura”. Os baixos níveis de escolaridade e os escassos recursos económicos são fatores de exclusão nos hábitos de consumo cultural.
O estudo que pretende lançar eixos para uma reflexão sobre políticas culturais futuras revela que “é possível que a oferta cultural nas plataformas digitais, indiciada, em contexto pandémico, por uma relativa intensificação dos usos da Internet no domínio cultural, possa acentuar-se no futuro”.
É um dos dados mais surpreendentes do estudo. 61% dos portugueses não leu um livro em 2020. O Investigador Coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, José Machado Pais manifesta-se surpreendido com este decréscimo de leitores, sobretudo quando comparado com os valores em Espanha que rondam os 38%.
Os livros digitais continuam também a não estar da preferência dos leitores portugueses. Só 10% dos inquiridos leu um livro digital, contra 20% dos espanhóis. Entre os livros mais lidos, 46% são romances, sobretudo entre mulheres. Outro dado preocupante é que os que menos prazer retiram da leitura (43%) são os jovens dos 15 aos 24 anos, precisamente os que mais leem para estudar ou realizar trabalhos escolares (45%).
O estudo aponta “a persistência de assimetrias sociais na criação de hábitos de leitura”, mas também indica uma mudança. “O facto de os jovens de hoje terem pais mais escolarizados do que os das gerações mais velhas e, por isso mesmo, mais sensíveis ao valor cultural da leitura evidencia um importante elo de transmissão geracional: a democratização do acesso à educação potencia ganhos culturais nas gerações sucessoras”.
Um ano antes da pandemia começar, 31% dos portugueses visitou um monumento histórico, 28% frequentou um museu, 13% visitou sítios arqueológicos e 11% frequentaram galerias de arte. Mais uma vez aqui, são os inquiridos com maiores rendimentos e elevado grau de ensino que mais incluem estas visitas nos seus hábitos.
Segundo o estudo agora divulgado, a maior parte das visitas (58%) foram feitas em monumentos ou museus em outros conselhos que não o de residência. “Este trânsito afigura-se como reforço da identidade social”, diz o coordenador do estudo que acrescenta que entre os motivos “os inquiridos destacam a importância histórica dos sítios.”
Uma das questões que o estudo põe a nu mais uma vez é questão económica. Entre as razões invocadas para não se ter visitado, ou ido mais vezes, a um espaço patrimonial sobressaem primeiro a falta de tempo (39%), depois a falta de interesse ou preferência por outras atividades (38%) e o preço elevado (21%).
É uma das atividades culturais com maior adesão. Antes do eclodir da pandemia 41% dos portugueses tinha ido ao cinema. Essa percentagem duplica no caso dos jovens dos 15 aos 24 anos (82%). O coordenador do estudo aponta que os filmes de ação estão entre os mais vistos pelos mais novos que preferem a companhia de amigos e namorados na ida ao cinema.
Quem mais vai ao cinema são espetadores com “formação superior, grandes empresários, profissionais liberais e residentes na área metropolitana de Lisboa e na Região Autónoma da Madeira”, revela o estudo que indica também que 59% dos que não vão ao cinema, têm “rendimentos abaixo dos 800€ mensais”.
Entre os que não vão ao cinema há 25% dos inquiridos que refere a falta de tempo, outros 22% a falta de interesse, 15% prefere ver na televisão ou outros suportes digitais e 14% considera elevado o preço do bilhete
O estudo revela desde logo que Portugal fica aquém da média europeia quanto ao uso de internet. Os dados apontam que 71% utilizou a internet nos últimos 12 meses, contra a média de 87% alcançada pelos países da União Europeia.
É também destacada uma forte clivagem geracional no uso da rede. Os portugueses com idades entre os 15 e os 24 usam de forma frequente a rede, mas apenas um em cada 4 com mais de 65 anos acedem à internet. O estudo mostra que os desconetados são pessoas “com baixa instrução e baixos rendimentos”, referiu na apresentação o coordenador do estudo José Machado Pais.
Na geração mais nova, o telemóvel é o meio preferencial de acesso à Internet. Os inquiridos passam em média 18 horas por semana na Internet em trabalho ou a estudar e apenas 10 horas semanalmente em lazer. Curiosamente, os homens (61%) passam mais horas ligados do que as mulheres (55%) à net diariamente por lazer.
O inquérito indica que “durante a pandemia, houve uma intensificação das práticas culturais na Internet”, explica Machado Pais. 40% dos jovens com idades entre os 15 e os 24 anos passou a ver mais filmes e séries, 21% a ler mais livros, jornais e revistas online e 16% a ver mais espetáculos de música.
27% dos inquiridos procuram na rede informações precisas como significado de palavras ou factos históricos pelo menos uma vez por semana. O estudo indica também que 35% ouviu música a partir da Internet, 33% leram sites de notícias, 16% fizeram buscas na Wikipédia e outras enciclopédias online e 15% procuraram informação sobre livros, música, cinema e espetáculos.
Para o coordenador do inquérito estes “indicadores sinalizam as potencialidades digitais na participação cultural”.
Há uma “centralidade da televisão” refere o coordenador do inquérito. 90% dos inquiridos diz ver televisão diariamente, ou seja, mais do dobro dos que ouvem rádio que estão nos 40%. A pandemia levou a que 23% dos inquiridos passassem a ver mais televisão e a ouvir um pouco mais de rádio (5%).
Os mais expostos ao ecrã são “os mais idosos e com rendimentos baixos” revela Machado Pais. De acordo com os dados reunidos no estudo, entre os programas mais vistos estão os de “notícias, reportagens (81%), filmes (57%), séries (43%), telenovelas (40%), documentários (36%) e programas desportivos (33%)”.
A rádio é sobretudo escutada “nas deslocações de carro por 66% dos inquiridos”, afirma o coordenador do estudo. Entre os programas mais ouvidos estão os de informação (59%) e os de música do “género popular” (50%). Entre os mais jovens dos 15 aos 24 anos, o telemóvel ou o rádio do carro são a forma preferencial de escuta de rádio.
O inquérito reflete o tempo em que a pandemia era ainda uma miragem e que acesso a espetáculos e outros eventos não estava condicionado. Os dados apontam que os festivais e as festas locais (38%) são os mais frequentados, seguidos por concertos de música ao vivo (24%), o teatro (13%) e o circo (7%).
Menos espetadores têm os concertos de música clássica (6%), ballet ou dança clássica (5%) e ópera (2%). Os dados agora reunidos indicam que este tipo de espetáculos mais eruditos estão normalmente “associados a pessoas com qualificações académicas e rendimentos elevados”, sublinha Machado Pais.
Em contrapartida, as festas locais atraem pessoas com menos habilitações escolares e têm “forte implantação na Região Autónoma dos Açores” destaca o coordenador do estudo. Entre as mais frequentadas estão as festas tradicionais populares (49%), seguidas das festas religiosas (40%) e as de gastronomia (11%).