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Palestina vai ser reconhecida como Estado por 3 países europeus. O que é que isso implica?

22 mai, 2024 - 22:26 • Marta Pedreira Mixão com Reuters

Na próxima terça-feira, Irlanda, Espanha e Noruega​ reconhecem o Estado palestiniano, mas, apesar de servir de pressão, em nada muda o curso do conflito no imediato.

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A intenção já era conhecida, e a data oficial está anunciada. A 28 de maio, Irlanda, Espanha e Noruega vão reconhecer o Estado palestiniano, esperando que outros países ocidentais sigam o seu exemplo. A decisão já teve consequências: esta quarta-feira, a Eslovénia anunciou que vai seguir a decisão dos parceiros europeus "em breve", mas não se comprometeu com uma data. Portugal não avança com decisão idêntica, já que, segundo o chefe da diplomacia, o ministro Paulo Rangel, o Governo à espera "do momento mais oportuno para dar esse passo".

O que disse Espanha?

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, afirmou que a medida tem como objetivo acelerar os esforços para garantir um cessar-fogo no conflito que opõe Israel ao Hamas e acusou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, de levar a cabo um "massacre" em Gaza e de pôr em risco a solução de dois Estados.

"Temos de usar todos os recursos políticos à nossa disposição para dizer, alto e bom som, que não vamos permitir que a possibilidade da solução de dois Estados seja destruída pela força, porque é a única solução justa e sustentável para este terrível conflito", defendeu.

"Esperamos que o nosso reconhecimento e as nossas razões contribuam para que outros países ocidentais sigam este caminho, porque quanto mais o fizermos, mais força teremos para impor um cessar-fogo, para conseguir a libertação dos reféns detidos pelo Hamas, para relançar o processo político que pode conduzir a um acordo de paz", afirmou Sánchez no parlamento espanhol.

O que disse a Irlanda?

O primeiro-ministro irlandês, Simon Harris, anunciou a decisão numa conferência de imprensa em Dublin e afirmou que a Irlanda reconhece inequivocamente o direito de Israel a existir "de forma segura e em paz com os seus vizinhos" e apelou à devolução imediata de todos os reféns em Gaza.

A Irlanda tenciona transformar o seu gabinete de representação na Cisjordânia numa embaixada de pleno direito e a missão palestiniana na Irlanda receberá também o estatuto de embaixada de pleno direito, disse Eamon Ryan, chefe de um dos três partidos da coligação governamental irlandesa, acrescentando que na Irlanda isto é algo que irá acontecer "muito rapidamente".

E a Noruega?

Em Oslo, o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre, afirmou que a única solução política possível entre israelitas e palestinianos é a existência de "dois Estados" que vivam em paz.

"A meio de uma guerra, com dezenas de milhares de mortos e feridos, temos de manter viva a única alternativa que oferece uma solução política para israelitas e palestinianos: dois Estados, vivendo lado a lado, em paz e segurança”, afirmou o primeiro-ministro norueguês.

A Noruega tem desempenhado um papel fundamental na diplomacia do Médio Oriente ao longo dos anos, tendo sido anfitriã das conversações de paz israelo-palestinianas no início da década de 1990, que conduziram aos acordos de Oslo — assinados por Yasser Arafat, da Organização de Libertação da Palestina (OLP), e pelo primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin.

Quem tem o poder de reconhecer outro Estado?

Em geral, é o poder executivo que tem o poder de reconhecer uma entidade política como um Estado, podendo fazê-lo de forma expressa, através de uma declaração oficial, ou de forma tácita, através de atos que impliquem relações diplomáticas.

Esta decisão não depende das organizações internacionais. No caso destes três países, são os seus governos que admitem oficialmente a existência do Estado da Palestina.

O que motiva esta decisão?

A atual invasão da Faixa de Gaza pelo exército israelita, depois de o Hamas ter lançado um ataque terrorista contra Israel a 7 de outubro, agravou a situação vivida no enclave, que, neste momento, tem dificuldade em receber ajuda humanitária. Segundo a AP, as Nações Unidas suspenderam a distribuição de alimentos na cidade de Rafah devido à falta de abastecimento e por falta de segurança. A incursão no enclave já provocou a morte de mais de 35.000 palestinianos, de acordo com as Nações Unidas.

Sánchez defendeu esta quarta-feira, na câmara baixa do parlamento, que esta decisão surge "por justiça" e porque "a comunidade internacional tem vindo a acumular uma dívida histórica com o povo palestiniano".

Em declarações ao "El País", Ignacio Álvarez-Ossorio, professor de Estudos Árabes e Islâmicos na Universidade Complutense de Madrid, refere que este reconhecimento surge "num momento em que o povo palestiniano atravessa uma das maiores crises e catástrofes da sua história". Por isso considera que este é "um gesto político que apoia a solução de dois Estados" e que mostra "a necessidade de uma solução política para resolver o conflito, baseado na criação de um Estado palestiniano soberano e independente".

Esta semana, um procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, pediu a emissão um mandado de detenção para o primeiro-ministro israelita por crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Gaza — decisão criticada pelos Estados Unidos e Israel.

O que se espera do reconhecimento?

Segundo vários especialistas, citados pelo "El País", o reconhecimento da Palestina como Estado é mais uma decisão política e simbólica do que jurídica. No caso de Espanha, o país já mantém relações com a Autoridade Nacional Palestiniana.

Oficialmente, será a 28 de maio que a Noruega, a Espanha e a Irlanda vão reconhecer o estado da Palestina. A demarcação dos dois Estados deve basear-se nas fronteiras anteriores a 1967, com Jerusalém como capital de ambos.

A decisão dos três países - Irlanda, Espanha e Noruega - marca mais um passo no isolamento internacional de Israel, que tem vindo a aumentar desde que o exército iniciou o assalto a Gaza em resposta ao ataque liderado pelo Hamas a Israel em 7 de outubro.

Contudo, esta decisão não produzirá mudanças imediatas no terreno, nem em Gaza nem na Cisjordânia, mas aumenta a pressão para que sejam retomados os esforços para chegar a um acordo político baseado na ideia dos dois Estados.

Em declarações à Reuters, Alon Liel, ex-diretor-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel e crítico do governo de Netanyahu, afirmou que a ação de Espanha, Irlanda e Noruega pode ter um impacto importante na opinião pública israelita.

Uma ação conjunta e a equiparação do estatuto de Israel e da Palestina na esfera internacional é "um pesadelo para a atual liderança israelita", defendeu.

Este apelo para o reconhecimento do Estado Palestiniano, particularmente entre os países europeus, terá implicações importantes, nomeadamente o facto de os novos reconhecimentos apontarem para a erosão da "propriedade" dos EUA no processo de paz israelo-palestiniano desde o período das conversações e do acordo de paz de Oslo.

De acordo com Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Externas, citado pelo "Guardian", este processo abre caminho para a criação de um Estado. "O reconhecimento é um passo tangível para uma via política viável que conduza à autodeterminação palestiniana." E acrescenta: "Trata-se de um pré-requisito para garantir o empenho árabe no apoio a um cessar-fogo sustentável em Gaza. Como parte do seu plano de 'visão árabe' para implementar uma solução de dois Estados, países como a Arábia Saudita apelaram ao reconhecimento da Palestina pelos EUA e pela Europa".

Os EUA também defendem que não há forma de resolver os problemas de segurança de Israel e o desafio da reconstrução de Gaza sem que sejam tomadas medidas para a criação de um Estado palestiniano.

Quantos países já reconheceram a Palestina como um Estado?

Cerca de 140 dos 193 Estados-membros das Nações Unidas reconhecem a Palestina como um Estado, incluindo a Rússia, a China e a Índia. Contudo, apenas alguns dos 27 membros da UE já o fizeram.

A Irlanda foi dos primeiros Estado-membros da UE a apoiar a criação do Estado da Palestina, em 1980. A Suécia também o reconheceu em outubro de 2014. Na altura, o ministro dos Negócios Estrangeiros sueco afirmou: "É um passo importante que confirma o direito dos palestinianos à autodeterminação. Esperamos que isto mostre o caminho a outros."

Na Europa, Bulgária, Chipre, República Checa, Eslováquia, Hungria, Malta, Polónia e Roménia são alguns dos países que reconhecem a Palestina como Estado independente, aos quais se juntam agora Irlanda, Noruega e Espanha.

Já a Suécia reconheceu o estatuto de Estado palestiniano em 2014 — quando outros oito membros da UE já o tinham feito, mas ainda antes de terem aderido ao bloco comunitário —, mas, mais tarde, o atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Tobias Billström, pronunciou-se contra o reconhecimento da Palestina, descrevendo o anúncio anterior como prematuro e infeliz.

No início deste mês, 143 dos 193 membros da Assembleia Geral das Nações Unidas votaram a favor da adesão da Palestina à ONU, incluindo Portugal.

Como reagiu Israel e a Autoridade Palestiniana?

Israel defende que o reconhecimento do Estado palestiniano neste momento iria recompensar o Hamas pelos seus ataques. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, afirmou que não vai comprometer o controlo total da segurança israelita a oeste da Jordânia. Um Estado palestiniano soberano, na sua opinião, representaria "um perigo de existência" para Israel.

Em resposta ao anúncio do reconhecimento do Estado Palestiniano pela Espanha, Noruega e Irlanda, o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Israel Katz, ordenou o regresso imediato dos embaixadores israelitas destes três países e alertou para outras "consequências graves".

"Estou a enviar hoje uma mensagem clara: Israel não será complacente com aqueles que minam a sua soberania e põem em perigo a sua segurança", afirmou.

Em contrapartida, o anúncio foi bem acolhido pela Autoridade Palestiniana, que exerce uma autonomia limitada na Cisjordânia ocupada por Israel, e pelo Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde que expulsou a Autoridade Palestiniana do enclave em 2007.

A Autoridade Palestiniana apenas controla administrativamente a Cisjordânia, enquanto a Faixa de Gaza é governada pelo Hamas.

Para França, este não é o momento certo

O reconhecimento de um Estado palestiniano continua a ter a oposição, por enquanto, do aliado mais próximo de Israel, os Estados Unidos, que têm o poder de vetar uma proposta vinda das Nações Unidas, tal como fizeram no mês passado.

Washington refere que é a favor da criação de um Estado palestiniano, mas apenas como resultado de negociações com Israel, uma posição que partilha com algumas potências europeias, como França e Alemanha.

A França afirmou que esta questão não é um tabu para Paris, mas que as condições ainda não estão reunidas.

A Espanha e os seus aliados passaram meses a pressionar as nações europeias, incluindo França, Portugal, Bélgica e Eslovénia, para obter apoio para o reconhecimento de um Estado palestiniano. Esta terça-feira, a Eslovénia anunciou que vai juntar-se em breve ao reconhecimento do Estado Palestiniano.

Alemanha defende que não há solução para dois Estados sem diálogo

Também esta terça-feira, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão enfatizou o apoio de Berlim a uma solução de dois Estados, depois de questionado pelos jornalistas sobre a decisão de alguns países europeus de reconhecerem o Estado da Palestina.

"Um Estado palestiniano independente continua a ser um objetivo firme da política externa alemã", disse o porta-voz numa conferência de imprensa em Berlim, acrescentando que era necessário um processo de diálogo para chegar a esse objetivo.

E em Portugal?

Portugal mantém a vontade de reconhecer a Palestina como Estado, mas está a tentar obter o maior consenso possível entre os membros da União Europeia (UE), disse esta quarta-feira fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, citada pela Lusa.

"É só uma questão de momento", disse, lembrando que Portugal tem uma posição de mediador na UE para esta questão e que, por isso, está "em consultas com vários Estados para alcançar o maior consenso e trazer o maior número de países para a solução" de dois Estados: Israel e Palestina.

A mesma fonte sublinhou ainda que a posição do Governo já foi avançada várias vezes pelo chefe da diplomacia portuguesa, Paulo Rangel, e segue a linha do executivo anterior.

Em entrevista ao jornal "El País" no inicio deste mês, Paulo Rangel defendeu que o Governo português não ia juntar-se a Espanha para já no reconhecimento da soberania do Estado da Palestina, justificando que estava à espera "do momento mais oportuno para dar esse passo".

Por sua vez, o PCP já defendeu que considera que o Governo não deve esperar pela União Europeia para reconhecer o Estado da Palestina, salientando que seria uma forma de pressionar outros Estados-membros a fazer o mesmo. O PCP já apresentou projetos de resolução com este objetivo em 2011, em 2023 e no início desta legislatura.

Nos programas eleitorais para as eleições legislativas, além da CDU, o Livre e o Bloco de Esquerda também visavam o reconhecimento do Estado da Palestina como uma prioridade de política externa.

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