15 mar, 2023 - 23:08 • Pedro Mesquita
Em 2022, o crescimento da produtividade em Portugal foi dos mais altos na União Europeia, mas a produção de riqueza por trabalhador continua abaixo da média da maioria dos Estados-membros, segundo dados do Eurostat. O que fazer para acabar com este fado?
Chegou a hora de avançar para a folha de cálculo, de procurar a chave desta equação. O que pode ser feito para aumentar a produtividade das empresas em Portugal?
À procura de uma resposta, começamos por uma espécie de lembrete assinado pelo economista João Duque, o presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG):
"Estes são os fatores. Portanto, um investimento orientado para aumentos de produtividade, que faz ganhar todos e que permite até, por exemplo, remunerar melhor o salário dos colaboradores. Um investimento para aí direcionado em tecnologia, a redução de tempo de consumo de produto por unidade como se quiser: hora/homem, unidade produzida, o que for, o aproveitamento dos desperdícios. Este é um aspeto importante, mas não só."
"Temos também o fator humano, a começar na formação da gestão da primeira e das segundas linhas - digamos, do topo da hierarquia - mas, claro, também de todos os trabalhadores. Quer em programas específicos para as suas tarefas, quer em programas de formação integrados para aumento da cultura do espírito organizacional."
"E não esquecer o conforto das instalações e o gosto que os trabalhadores têm em estar associados a uma organização. Isso depende daquilo que se consegue dar. Não é só o que se paga como salário, mas também as condições de trabalho, a extensão aos programas de apoio à família, às compensações de horário."
"Portanto, a produtividade é um fator que é fácil de medir, é difícil alcançar, mas que deriva de muitos aspetos. E não tem a ver só com os trabalhadores, só com a gestão, só com investimento. E também não só com o Governo: O Governo permite fazer um enquadramento. É fundamental que o faça, e que premeie os mais capazes e os mais produtivos, mas cada um tem a sua quota de responsabilidade."
João Duque detalha fatores para melhoria da produtividade
Estes são apenas alguns tópicos, a que João Duque juntaria outros tantos, como a união de esforços, entre várias empresas, para "ganhar escala". Mas o que pedimos ao presidente do ISEG foi mesmo isto: um lembrete dirigido aos empresários que pretendem aumentar a produtividade no seu negócio.
Agora, vamos conhecer a receita do presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro.
Como analisa os dados do Eurostat sobre o assinalável aumento da produtividade em Portugal, em 2022?
Em 2022, de facto, nós tivemos um crescimento de 6,7% [do PIB], mas é preciso não esquecer o efeito base. Ou seja, vínhamos de valores muito baixos e, por isso, tivemos o segundo melhor indicador do PIB ao nível da União Europeia em 26 Estados.
É mais fácil crescer quando está no fundo.
Exatamente. Por outro lado, a variação do emprego foi de 2,1. Ou seja, se nós tivemos um crescimento excecional do PIB, com um crescimento regular do emprego face a anos anteriores, é normal que o valor da produtividade por empregado tenha aumentado e que tenhamos o segundo melhor desempenho ao nível dos 26 países.
Mas como é que se pode tornar esta produtividade efetiva a crescer?
Essa é a questão. Se formos ver, em 2020 estávamos em 21.º lugar, comparativamente com o resto dos países da União Europeia; em 2021 estávamos em 19.º. Para o ano de 2023, as projeções da Comissão Europeia já colocam novamente Portugal em 11.º e 18.º em 2024.
Ou seja, precisamos de políticas focadas no apoio ao investimento, nos equipamentos e no melhoramento das condições das nossas empresas. Precisamos de políticas focadas na valorização da requalificação e na importância das pessoas, da mão-de-obra, nomeadamente ao nível da fiscalidade sobre o trabalho e da importância de qualificar e requalificar as pessoas, de acordo com aquilo que são as necessidades das empresas.
E, por outro lado, garantirmos a aplicação e utilização de todos os recursos, nomeadamente dos programas comunitários a disponíveis, para que as empresas possam investir e, por outro lado, que não seja desfavorável o ambiente de funcionamento das empresas nacionais face às empresas dos outros países, com os quais nós competimos.
Isso é o ponto de vista do empresário olhar para os meios que os governos devem dar. Relativamente à responsabilidade própria dos gestores, dos administradores e empresários em Portugal, de que forma é que eles podem, por eles mesmos, alavancar as suas empresas?
As empresas podem ser alavancadas utilizando este recurso de que falávamos. Repare, a questão de melhorarmos a nossa capacidade produtiva, o valor acrescentado daquilo que produzimos, depende de muitos fatores, nomeadamente a questão, por exemplo, da inovação, a aproximação do conhecimento à produção, ou seja, das universidades às empresas e a qualificação das pessoas. Na indústria transformadora mais de 50% das pessoas têm como habilitação máxima o ensino básico.
Porque é que grande parte das empresas em Portugal não procuram ganhar escala? Não se unem para “ganhar marca”?
Essa é uma outra questão. É preciso percebermos se um empresário tem estímulo e vontade de, em Portugal, ter uma empresa de maior dimensão. É que isso normalmente também traz um acréscimo de desafios, traz um acréscimo de problemas, traz um acréscimo de encargos fiscais que, muitas vezes, levam o empresário a preferir manter a dimensão da empresa, sabendo qual é a rentabilidade que aquilo lhe traz.
Somos um país que penaliza quem quer crescer, quem quer criar riqueza e isso é um fator muitas vezes inibidor, e desencorajador, para que as empresas queiram ganhar escala.
Agora, há uma coisa que nós não temos dúvidas, e os indicadores mostram claramente isso: As empresas, à medida que aumentam a escala, melhoram a sua produtividade. Para isso, nós temos que ter políticas públicas que estimulem, de facto, a atividade económica no seu conjunto, e incentivem a que os empresários percebam a vantagem de ganhar escala, de ter empresas com mais dimensão, de poderem proporcionar melhores condições aos seus trabalhadores. O que não podem é pedir tudo às empresas e, por outro lado, da parte das políticas públicas, continuarmos a ter, comparativamente com outros países, piores condições para o desempenho da nossa atividade.
Mas não acha que os gestores e empresários também têm muito a fazer e não fazem, muitas vezes, por falta de formação ou por não segurarem os seus melhores quadros em vez de os deixarem escapar para outras empresas, ou para o estrangeiro?
Permita-me concordar e discordar. Concordar com a necessidade de contribuirmos para mais e melhor formação, qualificação e requalificação dos nossos empresários, dos nossos gestores. Mas, por outro lado, quanto à capacidade a resiliência, a capacidade de sermos competitivos à escala global, atendendo à dimensão do país, à dimensão das nossas empresas, ao contexto em que as nossas empresas atuam, eu acho que os nossos empresários têm mostrado, de facto, que tem capacidade, ambição e resiliência. Naturalmente que só podem ter até um determinado limite e face àquilo que é o contexto em que se desenvolve sua atividade. Não há aqui responsabilidades individuais.
Não há só uma chave...
Há uma responsabilidade da sociedade e dos empresários, na quota parte da sua atividade. E o Estado também terá sua, dentro daquilo que é o contexto das políticas públicas em que atua.
O sistema de formação e de ensino em Portugal também tem de evoluir para trabalhar outras competências que não só dos conhecimentos técnicos e científicos, mas sobretudo, valorizar e - cada vez mais - capacitar as pessoas para trabalharem em ambientes mais complexos, mais adversos, mais desafiantes, de ajudar a desenvolver a nossa “soft skill”, a trabalharmos em equipa, a valorizarmos um conjunto de competências, que nunca foram muito valorizadas, mas que o período da pandemia permitiu percebermos que fazem toda a diferença perante as incertezas. Tudo isto exige, cada vez mais, uma preparação, uma capacitação das pessoas, desde naturalmente o topo das empresas até à base.
Já não é justa a caricatura em que o empresário português é aquele que paga salários miseráveis, mas tem um Ferrari na garagem?
Não, acho que não é justo, claro. Que não há regra, sem exceção, mas não é justa. Aliás, se alguém tem corrido riscos, nestes últimos tempos, são os empresários. E se alguém tem gosto em pagar bons salários são os empresários, porque um colaborador com bons salários é um colaborador mais motivado e produz mais. É alguém que contribui mais para a criação de riqueza na empresa. Eu acho que ninguém, a não ser por incapacidade da empresa para pagar melhores salários, tem o gosto de pagar salários baixos, porque sabe que isso terá o tem o reverso da medalha...é ter pessoas desmotivadas, pessoas que não estão empenhadas, que não contribuem de facto para a melhor produção e desempenho da empresa.
Mas também é preciso termos consciência do seguinte: Metade do salário fica em impostos. Ou seja, pede-se às empresas aumentar os salários? Então porque é que o Estado não diminui os impostos sobre as remunerações? Se o Estado tem um acréscimo de receitas neste período, face àquilo que tem sido os impactos da inflação, porque é que não diminui a carga fiscal sobre o trabalho? É uma das formas de aumentar os salários.
Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP