10 mar, 2023 - 07:00 • Salomé Esteves
É a primeira vez neste milénio que os bens essenciais estão tão caros. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o índice do preços no consumidor total está a descer há quatro meses, mas os mesmos dados do INE mostram que o preço dos produtos alimentares não transformados não segue essa tendência. Como é que estes números se refllfetem na vida das pessoas? A Renascença definiu três cabazes e fez as contas.
Fomos às compras. Pedimos emprestado um carrinho à família Campos, um agregado familiar constituído por três pessoas - casal e um filho adolescente - que vive em Almada. Por fim, olhamos para os cabazes de frutas e legumes que vêm diretamente de páginas do Instagram para casa.
Será que a inflação se manifestou de igual forma nas três maneiras de comprar alimentos, mesmo quando os produtos não eram os mesmos nem vinham do mesmo sítio? E será que, neste ainda início de 2023, os alimentos estão efetivamente a ficar mais baratos?
Começamos por um cabaz Renascença. Reunimos um conjunto de 33 alimentos, com base na proposta da Ordem dos Nutricionistas para a isenção do IVA em produtos alimentares essenciais. Este produtos são considerados fundamentais para uma alimentação saudável, segundo a roda dos alimentos.
Os produtos foram selecionados por preço mais baixo, com base numa seleção de marca branca, de produtos de origem nacional e a granel. O supermercado foi escolhido aleatoriamente e os dados foram recolhidos todas as semanas.
Desde novembro, foram 10 os produtos cujo preço não oscilou. O peito de frango, a maçã Gala de Alcobaça, os cacetinhos e a batata branca, por exemplo, mantiveram os preços.
Mas outros produtos tiveram oscilações constantes, como a dourada do mar, os medalhões de pescada, as ervilhas congeladas e o azeite. Os grandes aumentos dos preços levaram a promoções frequentes, o que torna o preço destes produtos imprevisível numa ida ao supermercado.
Dos 33 produtos, 10 aumentaram de preço, entre 21 de novembro e 8 de março. Os medalhões de pescada ultracongelados superaram todos os outros produtos, com um aumento global de 371% neste período. Em novembro, uma embalagem de um quilo custava 3,69 euros. A mesma embalagem aumentou para 17,39 euros a 8 de março.
De seguida, foram manteiga e o azeite que tiveram o maior aumento, de 76% e de 56% respetivamente. Isto coincide com os dados do INE que, entre janeiro de 2021 e dezembro de 2021, registaram que as gorduras e óleos foram a categorias de produtos alimentares cujo índice de preço no consumidor mais subiu.
No fim, 13 produtos ficaram mais baratos. A laranja, o alho seco e o atum natural tiveram quedas superiores a 60%. Contudo, como os preços têm oscilado tanto nos últimos meses, as descidas e as subidas não serão definitivas.
Como os produtos sobem e descem todas as semanas, o preço total do cabaz tem seguido a mesma tendência. Nenhum carrinho de compras custou o mesmo entre novembro e março, apesar de os produtos serem sempre os mesmos e nas mesmas quantidades.
Tendo em conta as oscilações, o aumento médio do custo dos produtos analisados foi de 11%, mas durante as primeiras quatro semanas de janeiro, o preço total do cabaz teve variações acima dos 10€.
Mais do que um aumento generalizado dos preços, o cabaz da Renascença comprovou a instabilidade do custo de certos alimentos para o consumidor. Isto foi especialmente claro no peixe, tanto fresco, como congelado, ou em conserva.
Segundo a Deco, a subida do preço dos combustíveis é a principal causa da flutuação do custo do peixe, uma vez que este é dos principais encargos da indústria da pesca, do lado da produção.
Como milhares de portugueses, Luísa Campos faz compras para a sua família através de um supermercado online. Apesar de haverem produtos que variam do inverno para o verão, são 41 os alimentos que esta família comprou mais do que uma vez.
Nos produtos mais frequentes, encontram-se os alimentos base de uma cozinha: cebola e alho picados, arroz, leite e granola.
Os 41 alimentos regulares aumentaram em média 23%. Esta subida replica o comportamento do cabaz-tipo comunicado pela Deco Proteste. A associação protetora do consumidor concluiu que, desde 23 de fevereiro de 2022, um cabaz de bens essenciais encareceu 25,46%.
Nos produtos individuais, foram as natas de culinária que tiveram uma subida mais acentuada. Entre janeiro e dezembro de 2022, as natas uht de cozinhar preferidas desta família ficaram 213% mais caras: de 65 cêntimos para 1,69 euros.
Segundo dados do INE, os laticínios foram a segunda categoria de produtos alimentares com maiores subidas no índice do preço no consumidor em 2022, especialmente a partir de setembro.
Dos produtos preferidos da família Campos que mais encareceram, seguem o vinagre de vinho tinto, com um aumento de 71%, e o sal grosso, que ficou 69% mais caro entre abril de 2022 e janeiro de 2023.
No total, 26 dos produtos usuais desta família ficaram mais caros, mas 8 ficaram mais baratos. O chocolate de culinária, por exemplo, teve uma queda de 25%.
Há alguns produtos em que a diferença de preço se nota mais do que noutros, diz Luísa. Nos que “custam cêntimos” a diferença é pouca, mas “nos que custavam 10 euros e agora custam 16, a diferença já são seis euros” e já é mais óbvia. Mas é no valor total do cabaz que Luísa sente mais diferença desde 2022.
“Por esta altura no ano passado eu gastava, talvez por mês, cerca de 650 euros em comida cá para casa, e agora gasto quase 900.”
No mês em que, no cabaz da família, 60% dos produtos em comum foram os mais caros, também o cabaz da Renascença custou mais do que em outras semanas. A 11 de janeiro de 2023, o cabaz da Renascença valia 112,92 euros, quase 23 euros mais do que viria a custar um mês depois. Este mesmo cabaz foi mais barato a 15 de fevereiro, quando custou 90 euros.
A subida contínua dos preços obrigou Luísa a repensar o modo como faz as compras do mês. Depois de anos a fazer compras no mesmo supermercado, acabou por trocar para um mais em conta, “porque além de o nível de qualidade ser muito semelhante ou até melhor, em alguns deles o preço faz muita diferença”.
“Quando vou às compras penso muitas vezes nisto: como é que, por exemplo, uma família que ganhe dois ordenados mínimos, consegue viver?”.
Durante a pandemia, os serviços de entregas de cabazes ao domicílio tornaram-se populares como alternativa aos mercados que se viram obrigados a fechar. Muitos desses serviços permenecem em funcionamento. Um desses casos é o Canteiro do Oeste, que chegou ao Instagram em novembro de 2020.
Aqui, um cabaz pequeno, com 6 ou 7 kg., custa 15 euros, enquanto um cabaz XL, com 10 ou 11 kg. custa 20 euros. Ambos contêm uma mistura de frutas e de legumes da época. Os preços mantiveram-se iguais durante todo o ano de 2022 e no início de 2023. Este não é caso único. Outros serviços semelhantes, como o Hortelão do Oeste, a Quinta do Arneiro ou as Hortas da Cortesia também mantiveram os preços, contrariando a subida da inflação.
À Renascença, Nélio Paiva, agricultor e fundador d’O Canteiro do Oeste, contou que tiveram de absorver alguns dos custos extraordinários e diminuir o lucro para não sobrecarregar o consumidor. Como os legumes e fruta são de produção própria, Nélio também pode escolher não depender do uso de pesticídas, amónios e outros produtos químicos que, durante o ano, subiram entre 20% e 50%.
Mas há outro fator que preocupa o agricultor e que pode influenciar o preço dos produtos que vende num futuro próximo: as chuvas intensas diminuiram a produtividade dos solos e há mesmo produtos em falta. Na região da Nazaré, onde Nélio e os seus parceiros trabalham, notou-se uma falta de couve lombarda no início no ano: “Os preços têm tendência a subir porque eu não tenho produto. Vou ter de ver com alguém aqui nas redondezas se eles têm e mais ninguém tiver, eles vão subir os preços.”
O Banco de Portugal prevê uma descida na inflação geral para 5,8% em 2023, e o Orçamento do Estado, para 4%. Mas o Portal Trading Economics prevê que a inflação no setor alimentar em Portugal vai manter-se alta na primeira metade do ano, com uma taxa de 16,8%, no primeiro trimestre, e de 10,5% no segundo. Esta previsão cai a pique a partir de junho, passando para 5% no terceiro trimestre e, finalmente, de 2%, no final do ano.
A DECO Proteste continua a registar aumentos no preço do cabaz de alimentos essenciais nos primeiros três meses de 2023, não quebrando a tendência que se tem vindo a registar desde fevereiro do ano passado.
Segundo o INE, o índice de preços no consumidor dos produtos alimentares não transformados voltou a subir em janeiro de 2023 para 18,49%, depois de ter descido ligeiramente em dezembro (17,57%).
No início de março, a ASAE abriu uma ação de fiscalização em super e hipermercados por todo o país, para investigar práticas comerciais e de fixação de preços, face ao aumento de preço dos bens essenciais.
A 9 de março, o ministro da Economia, António Costa sSilva, disse, em conferência de imprensa, que há práticas abusivas a sancionar na subida dos preços dos alimentos nos supermercados, decorrente da fiscalização da ASAE.